PICICA: "Como
se comportou a imprensa brasileira durante o final de fevereiro e no
início de março deste ano? Como medir sua reação diante da crise
agravada pela condução coercitiva de Lula (4/3)? Qual foi a tendência
(ou viés) revelada nos maiores veículos de comunicação brasileiros
naquela semana? O que dizem as estatísticas do Manchetômetro da
Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) sobre a atuação da
imprensa e das nossas instituições depois do agravamento da crise que
assola o país?"
A imagem da crise política no Brasil em números e gráficos
Como
se comportou a imprensa brasileira durante o final de fevereiro e no
início de março deste ano? Como medir sua reação diante da crise
agravada pela condução coercitiva de Lula (4/3)? Qual foi a tendência
(ou viés) revelada nos maiores veículos de comunicação brasileiros
naquela semana? O que dizem as estatísticas do Manchetômetro da
Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) sobre a atuação da
imprensa e das nossas instituições depois do agravamento da crise que
assola o país?
A turma do projeto coordenado por João Ferez Júnior na universidade carioca produz toda semana o índice de viés da mídia. É uma ferramenta estatística muito importante que faz o registro das manchetes nas capas do Globo, na Folha de São Paulo, no “Estadão” e no Jornal Nacional
da TV Globo. O indicador é calculado levando em conta o comportamento
desses meios de comunicação em relação à situação. Quem é situação?
Dilma, o Governo Federal e o PT. A oposição, para a pesquisa semanal,
agrupa os termos Aécio, PSDB e PSD.
Notícias favoráveis à situação nos três jornais e no Jornal Nacional
da TV Globo foram contadas e depois subtraídas das contrárias. Que
favoreceram Aécio, o PSDB e o PSB. O total foi dividido pelas notícias
neutras, ou indiferentes aos dois grupos. A hostilidade entre eles
aumentou depois do depoimento de Lula (4/3) e sua posterior denúncia
pelo Ministério Público de São Paulo (9/3) cinco dias depois.
Ficou no ar a
sugestão de maiores enfrentamentos com consequências ainda mal
avaliadas. Deixemos por uns instantes a luta política de lado. Passemos a
observação dos números. Vamos analisar o comportamento da imprensa
entre o primeiro e o oitavo dia do mês de março através do índice de
viés da mídia. Notem que a ausência de matérias favoráveis (igual a
zero) vai sempre determinar um número negativo na cobertura. Observem:
Sem nenhuma matéria favorável ao Governo, Dilma e o PT, o viés da imprensa foi negativo. Ele desceu mais fundo no Jornal Nacional da
TV Globo porque foi o único a publicar uma única matéria de capa contra
a oposição (Aécio, PSDB e PSB). O jornal da TV levou ao ar 31 matérias
contra o a atual administração, o PT e Dilma. Quase 20 (18) foram
neutras no Globo.
O caso dos jornais impressos explica bem ao público com é calculado o indicador. Tomemos, por exemplo, o jornal carioca O Globo–
que publicou três matérias contra a situação, nenhuma a favor, e quatro
indiferentes. A conta então é: (zero-três) ÷ quatro. Nenhuma favorável
(0) menos três contrárias é igual a -3; a divisão do resultado obtido
pelas quatro neutras (-3/4) assinala o índice de viés da mídia (- 0,75).
Confiram o gráfico acima.
O Manchetômetro não
explica muita coisa. Por isso muita gente foge dele. Uma ferramenta
poderosa se perde na pressa. Estatística demanda explicação e paciência
ao público. Séries numéricas sem explicação textual são tediosas e de
difícil compreensão. O Wikileaks não teria ido longe sem jornalistas para transformar extensas bases de dados em narrativas estruturadas.
Por isso veremos
mais um exemplo ilustrativo. Como se comportaram os periódicos
paulistanos? Nenhum deles publicou conteúdo neutro em suas capas e cada
um publicou uma matéria contra o governo. Nada foi publicado contra o
Aécio, PSDB e PSD. Então a conta é muito simples: como não houve nenhuma
matéria a favor de Dilma, o Governo Federal e o PT, o valor é igual a
zero. E depois?
A Folha e o Estado de São Paulo publicaram
uma matéria de capa contra a situação. A valência (valor) então é igual
a um (1). A conta é muito simples (0-1). O resultado é -1. Quando não
há conteúdo neutro, a simples subtração simples resolve: não se pode
dividir nenhum numero por zero.
As coberturas da Folha e do Estadão
apresentaram o mesmo resultado porque não houve espaço em suas capas
para conteúdos neutros ou indiferentes ao atual governo, Dilma e o PT. A
cobertura dos jornais paulistanos foi menor e mais desequilibrada que o
Jornal Nacional da TV Globo, que publicou o maior número de matérias neutras (18). O Jornal Nacional apresentou o desvio menos gritante entre todas as coberturas da grande imprensa aqui analisadas. Mau sinal.
O Globo
impresso também apresentou uma cobertura muito tendenciosa. Incluiu três
artigos contra a situação e quatro neutros. A cobertura dos periódicos
paulistanos foi linear e uniforme: todas foram contrárias à situação e
não houve conteúdo neutro que pudesse ser dividido entre governo e
oposição.
Três perguntas
Aqui cabem as seguintes questões importantes:
(1ª) como o
Manchetômetro separa os conteúdos publicados? Como o pessoal do
laboratório da UERJ identifica o que é contrário, favorável ou neutro a
situação ou oposição? A metodologia empregada utiliza dois analistas que
fazem uma primeira leitura e decidem se a matéria apoia, contraria ou é
neutra em relação à situação ou oposição. Se persistir dúvida, um
terceiro pesquisador é convocado para tomar a decisão final sobre o
conteúdo examinado;
(2ª) por que a cobertura das capas dos jornais parece tão pequena? O Globo
(que registrou maior volume de publicações, compareceu com sete
matérias no estudo: três contra a situação e quatro neutras. O
Manchetômetro da UERJ anotou apenas uma publicação de capa publicada no Estadão e outra na Folha de São Paulo? Uma para cada um. Parece pouco. Por que esta impressão?
As coberturas
jornalísticas, caro (a) leitor (a), “são predominantemente neutras” como
um todo, ensinou o laboratório da UERJ. Explico antes da reclamação:
por “cobertura jornalística” aqui entendemos a soma de todas as notícias
publicadas em um periódico informativo, em todas as editorias. É neste
sentido que as coberturas são “neutras”: a maior parte do conteúdo
publicado nos veículos pesquisados não tem relação com Dilma, Lula, PT,
Aécio, PSDB ou PSB. Mesmo que a Lava Jato consuma no momento grande
parte do nosso conteúdo noticioso, a luta feroz entre oposição e
situação ainda é pequena, quando comparada com ao espaço editorial total
envolvido da produção de uma edição diária um periódico.
O Manchetômetro
também cuida para que o número final do viés de imprensa não seja
elevado. Ao dividir o resultado das notícias favoráveis e contrárias
pelas neutras, ele assegura um número pequeno e representativo da
tendência de imprensa em relação à política. Esta é importante, mas não é
tudo no mundo das notícias;
(3ª) Como esperar
coberturas favoráveis da imprensa um governo em que não consegue
governar? Podemos esperar análises, editoriais e notícias favoráveis a
situação em um momento de tanto desequilíbrio político e econômico? Há
espaço para o governo e Dilma nos meios de comunicação? A Lava Jato,
impulsionada pela imprensa hostil ao governo Dilma, distorceu a
percepção do público? Ou o poder de agendamento da grande imprensa vem
distorcendo diariamente a realidade?
A resposta está nos
retratos negativos de nossas instituições captadas na apuração do
Manchetômetro sobre a Operação Lava Jato. O que a imprensa tem
publicado, e como ela tem avaliado os três poderes do Brasil desde seu
início? Observem o gráfico abaixo. É um registro da percepção negativa
da nossa mídia sobre o Executivo, o Legislativo e o Judiciário divulgado
nas capas dos principais jornais do país (aqui o Jornal Nacional
ficou de fora). Observem que o gráfico mostra um forte desequilíbrio
entre os três poderes encontrado nos últimos três meses nas capas dos
três jornais impressos. À esquerda no gráfico (eixo de y) encontramos o
número de matérias negativas contra os três poderes. Na linha horizontal
(eixo de x) estão as 12 últimas semanas investigadas pelo projeto:
Editei o mapa, caro
(a) leitor (a). Deixei de fora o Ministério Público e a Polícia Federal
para ressaltar as publicações da imprensa sobre os três poderes da
república. O judiciário aparece muito bem avaliado (cor laranja): só uma
publicação contrária publicada no final de dezembro de 2015. O
executivo registrou sete conteúdos negativos contra ele: três na última
semana de fevereiro. Contra cinco desfavoráveis ao legislativo. Este,
mesmo com os líderes Eduardo Cunha (PMDB-RJ) e Renan Calheiros (PMDB-AL)
encrencados (no judiciário) só recebeu uma manchete negativa de capa da
semana final de fevereiro.
O retrato do Brasil,
no momento, é o de uma República em que o poder judiciário aparece
muito bem cotado na avaliação popular, segundo as publicações das
notícias de capa dos nossos três maiores jornais. Executivo e
legislativo não vão bem aos olhos da imprensa e dos leitores.
Esta é uma distorção
que só foi abordada de forma pontual pela imprensa: o excesso de
esperança do público neste poder desafia os próprios comandantes da
Operação. Acreditar que a Lava Jato vai passar o Brasil a limpo e deixar
nossas instituições mais fortes é uma ilusão que poderá nos custar
muito caro no futuro.
É através do
Legislativo que a população exerce sua cidadania. Sem ele não há poder
público que traduza os anseios do povo em capacidade de transformação
política. Como as coberturas de nossa imprensa, os poderes da nossa
república também estão em desequilíbrio. Imprensa desequilibrada não
sugere nada tão perigoso quanto à falta de sincronia entre os três
poderes da república. A ideia de um país com instituições fortes está em
questão neste momento. Onde está o equilíbrio entre os poderes?
Se ninguém sabia o que esperar depois do depoimento de Lula na sexta-feira (4/3), agora tudo piorou, depois da acusação
do Ministério Público contra o ex-presidente. Seja lá o que vai
acontecer, a imprensa vai publicar e o Manchetômetro vai registrar. É
este o melhor cenário que podemos esperar no momento: a manutenção da
garantia das nossas liberdades estabelecidas pelo texto constitucional e
da liberdade de imprensa. O resto é incerteza e hostilidade sem fim a vista.
°°°
Sergio da Motta e Albuquerque é mestre em planejamento urbano, consultor em urbanismo, professor universitário e tradutor.
Nenhum comentário:
Postar um comentário