PICICA: "Professor doutor da Escola de Comunicações e Artes da USP, Eugênio Bucci causou polêmica ao defender o valor jornalístico das informações obtidas através dos vazamentos da lava-jato logo depois da publicação, pela revista IstoÉ,
de trechos da delação do senador Delcídio Amaral, ainda não homologada
pela Justiça. “É garantido aos jornalistas que divulguem sigilos desde
que tenham acesso a eles”, diz o professor, explicando que foi em defesa
dessa prerrogativa que escreveu o artigo. “Na história da democracia,
não só do Brasil, a imprensa prestou seus grandes serviços quando teve
fontes que vazaram informações e muitas dessas fontes vazaram com desejo
de vingança. Agora, a responsabilidade do jornalismo é ouvir essas
coisas, selecionar essas coisas, escolher, hierarquizar e publicar o que
realmente e de interesse público”, pondera.
O jornalista que presidiu a Radiobrás no primeiro governo
Lula declarou-se “perplexo” com a divulgação da gravação de telefonemas
entre Lula e a presidente Dilma Rousseff mas afirmou que o ex-presidente
não pode se colocar no papel de vítima da imprensa e da Justiça porque
não é mais um operário, mas um homem poderoso. Para o colunista do
jornal O Estado de S. Paulo e do site Observatório da Imprensa,
a imprensa convencional tem afinidade ideológica com o PSDB, mas não há
elementos para afirmar que a mídia está fazendo uma cobertura pró-impeachment."
Bucci: Mídia não é imparcial mas Lula também não é vítima
Em entrevista à Pública, jornalista e professor Eugênio Bucci
diz que mídia convencional pende para o PSDB e que jornalismo brasileiro
“deixa muito a desejar” mas não vê viés pró-impeachment na cobertura da
mídia
Professor doutor da Escola de Comunicações e Artes da USP, Eugênio Bucci causou polêmica ao defender o valor jornalístico das informações obtidas através dos vazamentos da lava-jato logo depois da publicação, pela revista IstoÉ,
de trechos da delação do senador Delcídio Amaral, ainda não homologada
pela Justiça. “É garantido aos jornalistas que divulguem sigilos desde
que tenham acesso a eles”, diz o professor, explicando que foi em defesa
dessa prerrogativa que escreveu o artigo. “Na história da democracia,
não só do Brasil, a imprensa prestou seus grandes serviços quando teve
fontes que vazaram informações e muitas dessas fontes vazaram com desejo
de vingança. Agora, a responsabilidade do jornalismo é ouvir essas
coisas, selecionar essas coisas, escolher, hierarquizar e publicar o que
realmente e de interesse público”, pondera.
O jornalista que presidiu a Radiobrás no primeiro governo
Lula declarou-se “perplexo” com a divulgação da gravação de telefonemas
entre Lula e a presidente Dilma Rousseff mas afirmou que o ex-presidente
não pode se colocar no papel de vítima da imprensa e da Justiça porque
não é mais um operário, mas um homem poderoso. Para o colunista do
jornal O Estado de S. Paulo e do site Observatório da Imprensa,
a imprensa convencional tem afinidade ideológica com o PSDB, mas não há
elementos para afirmar que a mídia está fazendo uma cobertura pró-impeachment.
A entrevista à Pública foi realizada em dois momentos: na
semana passada, quando a crise política esquentou com a divulgação da
delação de Delcídio pela “Isto É” e a condução coercitiva do
ex-presidente Lula; e na quarta-feira passada, quando a presidente Dilma
Rousseff anunciou Lula como seu ministro-chefe da Casa Civil e o juiz
federal Sérgio Moro suspendeu o sigilo da investigação e divulgou
grampos telefônicos de ligações entre o ex-presidente e Dilma, incluindo
uma conversa ocorrida depois de o juiz já ter mandado a Polícia Federal
encerrar o monitoramento telefônico de Lula.
Como você vê a decisão de Lula de assumir a Casa
Civil e a divulgação das gravações de conversas entre ele e a
presidente Dilma Rousseff feitas pelo juiz Sérgio Moro, que comanda a
operação Lava Jato?
Com as informações de que disponho no momento, tenho uma
estranheza em relação a isso. Não entendo como um juiz pode tomar a
iniciativa deliberada de divulgar conteúdos de escuta telefônica que,
por definições da lei, devem ser mantidas em sigilo e sob a
responsabilidade da Justiça. Também não entendi se as escutas
divulgadas, inclusive no dia de ontem (quarta-feira, 16 de março),
estavam devidamente autorizadas. Estou um tanto perplexo. Quanto a Lula
[assumir a Casa Civil], isso é uma decisão que cabe a ele e à presidente
da República. Não é da minha conta, e ainda bem que não é. Há
contestações na Justiça, mas isso é matéria que cabe aos magistrados. Do
ponto de vista político, poderemos ter uma distorção hierárquica no
Planalto. Há uma possibilidade forte de que Lula passe a atuar como um
super primeiro ministro, função para a qual ele não tem mandato e que,
aliás, nem está prevista na Constituição.
E como analisa a cobertura da imprensa tanto sobre esse episódio como sobre o desdobramento das ruas?
Há muita irresponsabilidade nisso aí. Irresponsabilidade das autoridades – de
um lado (oposição) e de outro (governo). A fala da presidente Dilma
agora há pouco, hoje mesmo, chamando os brasileiros à serenidade, foi
positiva nesse sentido. As lideranças não podem estimular a polarização.
Se episódios de violência começarem a acontecer, piora tudo.
Você escreveu um artigo recentemente criticando o
governo por se queixar do que ele chama de vazamentos da operação
Lava-Jato. Na sexta-feira, o ex-presidente Lula foi levado a depoimento
sob uma condução coercitiva que já havia sido anunciada na madrugada por
jornalistas no Twitter. O que você pode falar sobre isso?
Há· rumores de que teria sido vazado ao próprio presidente
Lula também. Mas são coisas diferentes. Deixa eu tentar explicar. Eu
escrevi um artigo contra uma nota da presidente da República condenando
os vazamentos porque, no meu entendimento, o que motivou aquela nota foi
a publicação pela imprensa, pela revista Isto É em reportagem
de Débora Bergamasco, da delação premiada do Delcídio, com as acusações
que ele fazia. Quer dizer: O que levou a nota pública contra o vazamento
não foi o ato do vazamento, ou pelo menos não foi o ato do vazamento
apenas, mas a publicação do teor do vazamento. Era um documento do
governo assinado pela presidente Dilma, embora não fizesse menção
explícita à reportagem, foi a única reação do governo à publicação da
reportagem; um protesto contra o vazamento; e eu fiquei bastante
incomodado. É uma cortina de fumaça que se joga sobre a opinião pública porque acaba sendo lido como uma condenação indireta à reportagem.
Um funcionário público que lida com algo legalmente
considerado sigiloso, ele tem a responsabilidade funcional de zelar por
esse sigilo. Se ele negligenciar seu trabalho, precisa ser investigado,
deve ser responsabilizado, responder pelo seu desvio de conduta. Outra
coisa é o comportamento da imprensa. A imprensa não é alcançada pelos
dispositivos que regulam o sigilo do funcionalismo. É garantido aos
jornalistas que divulguem sigilos desde que tenham acesso a eles.
Isso já está pacificado pela Justiça, não é? O Supremo
julgou essa questão e garantiu aos jornalistas o direito de divulgação
de informação de interesse público.
Isso, exatamente. O entendimento, eu não diria que está
pacificado, mas vem sendo consolidado nessa direção, que é a correta.
Obtendo uma informação que seja de interesse público, o jornalista e o
veículo jornalístico devem, sim, considerar a pertinência da sua
publicação. Eu não digo que eles devem ser obrigados eticamente a
publicar. Eu digo que eles têm a prerrogativa de, se for imprensa,
avaliar e, se for o caso publicar. O jornalista não deve praticar um
crime para obter sua informação. Mas não é disso que estamos falando.
O jornalista ouviu essa informação, recebeu essa
informação e ela interessa para o país. Então a democracia deve
assegurar essa possibilidade. E vou lembrar que a figura do sigilo da
fonte, garantida pelo artigo quinto da Constituição, existe exatamente
por causa disso. Porque algumas informações chegam ao jornalista, ou o
jornalista as encontra junto a fontes que, por segurança, não poderiam
ser identificadas. E essa é uma matéria que gera controvérsias no mundo
inteiro.
Há casos recentes. Em Londres, por exemplo, as autoridades foram ao Guardian e saíram de lá com discos, com arquivos que teriam sido passados pelo Edward Snowden. O Guardian
guardou cópias, mas as autoridades foram lá numa intimidação
claríssima. Nos Estados Unidos deu-se uma intimidação monstruosa, não
apenas em relação ao Snowden, mas com relação a jornalistas e
não há dúvida nenhuma de que as informações vazaram, entre aspas,
porque eram do mais alto interesse público. Havia garantias individuais
sendo violadas por uma prática de Estado inaceitáveis.
No caso do WikiLeaks também, mas toda a documentação
foi divulgada integralmente, você pode consultar todo o material, toda a
troca de telegramas e fazer a busca online.
Sim. O material foi divulgado com toda a transparência, integralmente, mas foi hierarquizado.
A
política não se faz com boas intenções e o jornalismo sobre política se
abastece de fontes que não são um poço de boas intenções.
Os jornais que fizeram o acordo de publicação aqui no
Brasil divulgaram por temas, em reportagens que consideramos de
interesse público e esclarecemos os critérios de publicação.
Perfeito, nada contra isso. Não há reparo com relação a
isso, só que a notícia não é a publicação integral. A notícia ilumina
uma linha, um aspecto, um grupo de palavras. É isso que vai pra
manchete. É isso que grita na esfera pública. Depois a pessoa
interessada pode ir lá e encontrar milhões de documentos acessíveis. Mas
a notícia decorre de uma edição. Decorre de uma escolha, de uma
hierarquia e, pra usar a palavra, uma seleção. O jornalista seleciona o
que é realmente gritante.
Mas, voltando à delação, há um conjunto de 400 páginas
e, sem fazer juízo de valor de nenhuma publicação, cabe aos veículos
prestar contas ao leitor dos critérios da publicação? Porque a denúncia
abarca um conjunto de parlamentares e outros políticos. O veículo deve
dizer: tivemos acesso ao conjunto das páginas ou a parte delas?
Acho que é relevante, acho que é necessário que se preste
este tipo de informação. Mas antes de entrar nisso, eu queria concluir
um arco que eu tinha esboçado. Gostaria de lembrar os documentos do
Pentágono, que foram essenciais pra que se conhecesse o grau de violência
da incursão americana no Vietnã e é um documento que muda a história da
guerra. Também foi vazamento. O Watergate também foi vazamento. O
vazamento é movido por
interesses. Dilma usa um termo que é o uso de vazamentos como arma
política. Aquilo confunde a opinião pública porque cria a ilusão de que
alguma informação de alguma fonte que tenha se julgado acuada,
prejudicada, negligenciada ou rebaixada possa ser passada a um
jornalista sem que exista nenhum grau de ressentimento.
Toda informação vazada de um âmbito do poder mais interno
ou menos interno, ela vem junto com algum ressentimento, com algum
desejo de vingança. Não há nenhum vazamento que tenha se originado da
caridade, não é assim que funciona. A política não se faz com boas
intenções e o jornalismo sobre política se abastece de fontes que não
são um poço de boas intenções. Como democracia, dependemos de um
jornalismo livre, crítico; e o jornalismo livre e crítico escuta fontes
que têm desejo de vingança. Não é esse o problema.
O problema é a responsabilidade com que essas coisas são
colocadas. É isso que eu gostaria de deixar claro. Na história da
democracia, não só do Brasil, a imprensa prestou seus grandes serviços
quando teve fontes que vazaram informações e muitas dessas fontes
vazaram com desejo de vingança. Agora, a responsabilidade do jornalismo é
ouvir essas coisas, selecionar essas coisas, escolher, hierarquizar e
publicar o que realmente e de interesse público.
Mas não vai balizar, não vai buscar fatos para comprovar?
Mas é evidente que vai. Mas essa é a primeira parte do
raciocínio. Essa primeira parte do raciocínio precisa ficar muito clara.
Não podemos fazer a sociedade acreditar que exista um mundo em que a
imprensa não se abasteça de vazamentos. A imprensa precisa dos
vazamentos, que não é só documento. Pode ser uma inconfidência de uma
fonte, uma informação que deveria estar guardada e não está mais. A
imprensa se abastece disso. O problema acarretado pela publicação do
documento de delação premiada do senador Delcidio do Amaral não foi o
vazamento, e isso é o que me chamou a atenção. O problema é o que está
escrito lá, as acusações da mais alta gravidade. E essas acusações, se
forem todas verdadeiras, são um desastre. Se elas forem parcialmente
verdadeiras, o que há de falso nelas também é um desastre porque estamos
falando do ex-líder do governo no Senado por vários anos, que
desfrutava, frequentava o círculo mais restrito do poder do Palácio do
Planalto, conversava com os principais líderes do PT, e da base e tudo o
mais e é uma figura central. Se aquilo que ele disse é mentira trata-se
de um escândalo tão grande quanto se aquilo for verdadeiro. A resposta
que o governo dá pra esse problema, isso que é espantoso, não é a
discussão do que está escrito lá. É um protesto contra o vazamento. Foi
uma reação muito ruim.
Agora, como publicar um vazamento? Como deixar
transparente os critérios que orientaram a sua decisão de publicar? Que
nível de acesso aquela reportagem teve aos documentos a que ela se
refere? Foi integral? Não foi integral? Não foi parcial? Por que foi
parcial? Os lados que foram acusados, por exemplo, agora, parece que
está aparecendo o nome do Aécio Neves (senador, presidente do PSDB).
Pela quarta ou quinta vez contando outras delações.
Ele está aparecendo na delação do Delcídio. Se o nome do
Aécio aparece, ele precisa ser noticiado com destaque, sem dúvida
nenhuma.
Você usou a expressão “cortina de fumaça”, a mesma
expressão usada pelos procuradores da Lava Jato para rebater a crítica à
condução coercitiva de Lula, dizendo que a polêmica tentava anuviar as
investigações. O jornalista Elio Gaspari disse que não é por que ele
acredita que a investigação seja correta que eles não sejam passíveis de
cometer erros. Como você avalia a condução coercitiva do ex-presidente
Lula e a forma como isso está sendo tratado pela imprensa?
Vamos demarcar uma separação. Uma coisa é a publicação da
matéria do Delcídio. Outra coisa é a condução coercitiva do presidente
Lula. Se há uma relação entre esses dois fatos, ainda está por ser
esclarecida. Ou seja, se há uma relação calculada, premeditada por
alguém entre a publicação de uma reportagem na quinta e a ida da Polícia
Federal na sexta contra o ex-presidente Lula essa relação ainda está
pra ser mostrada. É possível que haja uma relação? E possível. Nós a
conhecemos? Até agora não. O que vou falar parte da premissa de que não
há uma relação entre uma coisa e outra, pelos dados disponíveis. Pois
bem, então vamos tratar da ida da Polícia. Houve excesso?
Eu não sou competente para dizer isso. Eu não estudo essa
questão. E não disponho de todas as informações que me permitiriam dizer
se houve abuso ou não. Essa é uma matéria para juristas. Vários
juristas responsáveis e até
ministros do Supremo disseram que não haveria necessidade da condução
naqueles termos. Parece que há gente de muita credibilidade falando que
pode ter havido um erro ali. Uma dose a mais, um excesso. No entanto,
mesmo que tenha acontecido um erro, esse erro não invalida o conjunto da
Lava Jato. Se houve um erro, esse erro tem de ser corrigido. As
autoridades responsáveis vão ter que responder por ele.
É importante levar em conta que o ex-presidente da
República não é uma figura desprotegida, frágil, uma parte vulnerável.
Ele não foi agredido na sua integridade. A imagem dele resiste mais do
que esse episódio. Não estou minimizando as possíveis consequências se
um erro tiver sido cometido. Mas eu estou dizendo que os erros judiciais
no Brasil produzem vítimas em circunstâncias muito mais graves.
Há pessoas que estão presas sem condenação. Há pessoas que
estão presas por erro de nome. Há tortura nas delegacias brasileiras e
nas instalações da polícia e há pessoas que são baleadas no meio da rua,
sem proteção alguma. Há muitas vítimas fatais, entende? Pessoas que
perderam a vida por causa do funcionamento insatisfatório da Justiça, do
sistema prisional, das condições do sistema prisional. Essas vítimas
sofreram agravos, males muitas vezes irreparáveis. Essas são as
verdadeiras vítimas.
Quero dizer que, se houve excesso na ação do presidente
Lula, e não descarto essa possibilidade, ele sofreu um agravo, ele terá
sofrido uma ação desmerecida, mas ele não é uma vítima. Ele não é alguém
desprotegido, alguém de baixo, vamos dizer. Objetivamente, o Lula hoje é
um milionário pelos valores declarados que ele recebeu alegadamente por
palestras. É um milionário, é alguém da elite brasileira, que desfruta
de todas as regalias de uma vida de gente muito rica. É uma pessoa de
poder, uma pessoa que, enfim, não tem mais nada a ver com alguém
oprimido, de baixo, desprotegido.
Janio de Freitas fez um artigo em que, ironicamente,
comparou essa fase da Lava Jato com a Operacão Bandeirantes (Oban),
falando que se tratou de um ato político. Embora você diga quem não
tenha havido efeitos físicos, nem levado a tortura ou prisão efetiva,
você vê um efeito político nisso?
Eu vejo. E vou repetir. Se houve um excesso ali, ele
precisa ser esclarecido e os responsáveis devem ser, sem trocadilho,
responsabilizados. Não descarto isso. Ele tem um efeito político? Tem.
Mas ele não é unilateral. Mancha a imagem do presidente Lula. Eu
concordo com essa caracterização. Nenhum cidadão, mesmo quando ele é
poderoso e rico, precisa
sofrer uma ação policial, desproporcional e indevida. Ninguém merece
isso. Não descarto esse efeito politico. Se há um desgaste da imagem
dele e isso pode ser uma propaganda anti-PT. Pode ser parte de uma
propaganda pró-impeachment, de uma estratégia de construção de uma
imagem de que o PT é irreversivelmente corrupto. É uma linha de
argumentação plausível.
Mas não podemos esquecer que há um outro lado. Aos
seguidores do Lula e do PT, a imagem do presidente Lula como líder da
esquerda saiu fortalecida do episódio. Ele também soube capitalizar o
acontecimento e recrudesceu seus discurso como candidato em 2018.
Convocou as pessoas pra irem para as ruas. Então, nesse sentido, teria
havido também uma ação de propaganda pró-Lula.
A imprensa deveria se preocupar em transmitir para a opinião pública a ideia de que ela não trata ninguém com favor
O ex-presidente Lula, agora de forma muito mais forte,
se queixa do trato dado a ele por meios de comunicação. A reclamação é
justa?
Eu acho que olhando um horizonte mais largo é justa, sim. O Os
editoriais, os espaços de opinião pendem, se nós fizermos uma análise
matemática, medindo espaço, tempo, ênfase, nós vamos entender que ha uma
identificação mais tucana que petista nessa média. E aí eu estou
falando de uma média, porque há exceções, há articulistas de esquerda,
que são mais próximos do PT, e aí há um parêntese porque o PT não é um
partido de esquerda e o governo Dilma não é um governo de esquerda, mas
vamos ficar na superfície. Há articulistas, há posições editoriais muito
corajosas que desafiam esse establishment tradicional. O próprio presidente Fernando Henrique Cardoso, por exemplo, mereceu muito destaque na Folha de S. Paulo, por causa da história envolvendo a ex-amante que alega que ele é pai do filho dela.
A gente não pode lidar com isso como se fosse um universo
chapado e binário porque ele não é. Mas podemos dizer que, na média, e
estudos que eu oriento e participo me autorizam a dizer isso, esse
conjunto de veículos que eu estou listando pende para uma identidade
mais próxima do cerne ideológico do PSDB do que do PT. Isso é real.
Dentro disso, existe manifestação de preconceito. É claro que há
momentos em que não há uma indignação como deveria ser com o que há de
preconceito racial no Brasil. Então, há preconceito na imprensa? Há.
Lula ja foi vítima de preconceito na imprensa? Já foi. Eu mesmo já
escrevi sobre isso. E não retiro uma vírgula do que eu escrevi.
Mas neste momento?
Nesse momento não. Ele não é uma pessoa fragilizada pelo
preconceito. Nesse momento ele é um ex-presidente da Republica que ficou
oito anos no poder, ele e o principal líder do partido que está na
Presidência da Republica. É alguém que detém muito poder, muito mais
poder do que o jornal. Então ele não é o lado fraco. Quando falamos de
preconceito, do preconceito que gera efeitos, estamos falando do lado
mais forte contra o lado mais fraco. Não teria cabimento.
Então, um grande grupo de mídia é mais fraco do que ele. É isso que o sr. está dizendo?
Lula comanda um poder que é mais poder do que alguns veículos. O Lula tem mais poder do que a Carta Capital, o Lula tem mais poder do que a revista Época.
Mas ele tem mais poder que o Grupo Globo, por exemplo?
Não. Aí…
Tem mais poder do que 40 minutos de TV?
Então esse discurso que ele faz: “Eles não querem um operário no poder”. Ele cola?
O Lula não é um operário. O discurso até cola, mas não se sustenta nos fatos.
E o discurso de que “Não querem o Lula no poder” é verdadeiro?
É. Acho que tem muita gente no Brasil que não quer o Lula no poder.
Hoje o senhor diria que a cobertura de algum veículo está tendenciosa, pró-impeachment, contra impeachment, pró-Lula, anti-Lula?
Eu não vejo uma cobertura orientada pró-impeachment, mesmo
no Jornal Nacional, que tem sido duro com relação ao governo e não tem
economizado nas notícias negativas. Eu não vejo esses elementos e sempre
que vi apontei porque não podemos perder de vista que o governo
objetivamente não é uma maravilha. Achar agenda positiva num governo que
não consegue nomear um ministro da Justiça é muito complicado. Nas
eleições O Estado de S. Paulo apoiou publicamente o candidato
Aécio Neves, em editorial. Não tenho nenhum problema com isso. Mas eu
não tenho elementos pra dizer que exista uma cobertura intencionalmente
orientada pra construir o impeachment. Me parece que não. Eu
acho que o desempenho do governo é que é desastroso e, no meu caso,
infelizmente, porque eu, pessoalmente, sou contra o impeachment.
Professor, o jornalismo independente está ganhando
bastante volume e espaço no país. Vocês têm estudado sobre isso em suas
pesquisas?
Estamos começando um estudo sobre conceito da imprensa, com a participação do Bruno Paes Manso, que é um dos idealizadores da Ponte, uma dessas novas alternativas. Eu tenho acompanho o trabalho do Bruno Torturra, acompanho um pouco o trabalho da Pública. Eu edito a Columbia Journalism Review
(CJR), pela ESPM. O que eu consigo avaliar porque acabo tendo contato
com isso, é que nunca o jornalismo foi tão lido. Nunca as matérias
jornalísticas circularam tanto. Artigos de opinião e artigos de
informação, de reportagem. E o modelo de negócio vive uma crise. É muito
possível que a gente encontre novas soluções. Eu torço por isso.
Em sua opinião o jornalismo dos meios convencionais,
dos veículos maiores, está bem? O jornalismo brasileiro vai bem em
termos de apuração, reportagem?
É claro que não. Poderia ser muito melhor do que é. E acho
que até já temos os ingredientes necessários pra torná-lo melhor. Mas
eu acho que o nosso jornalismo teria que se esmerar na
internacionalização, se dedicar mais a estudar as realidades da sua
cobertura. Acho que o jornalismo brasileiro deixa muito a desejar.
A cobertura do mensalão do PSDB deveria ter tido muito
mais destaque. É verdade que os valores do mensalão tucano são dinheiro
de pinga comparados aos valores do mensalão do PT e principalmente do
petrolão. Mas a imprensa deveria se preocupar em transmitir para a
opinião pública a ideia de que ela não trata ninguém com favor. Nosso
jornalismo é melhor agora do que era nos anos 70. Pega o Jornal Nacional
nos anos 80, nos anos 90. Pega o Jornal Nacional agora. É melhor agora.
Nó temos um jornalismo melhor e temos um jornalismo que é
muito renovador, que é o das novas iniciativas jornalísticas, a exemplo
do Pro Publica dos Estados Unidos, que é a Pública no Brasil.
Isso está arejando muito nosso jornalismo, dando vazão pra muitas coisas
que antes não apareciam. É muito mais difícil hoje o nosso jornalismo
não chegar ao público. A margem de manipulação ficou mais restrita. É
mais difícil hoje alguém esconder uma notícia. Isso fala a favor, mas
seria muito melhor que tivéssemos mais qualidade.
O Judiciário está se transformando em salvador da pátria, sobretudo na figura do juiz Moro?
Deus me livre de Judiciário salvador da pátria.
Mas é isso que esta acontecendo?
Alguns podem estar jogando lenha nessa fogueira, mas é uma
bobagem, estrategicamente. É um fetiche, uma mistificação. Primeiro, a
ideia de salvador da pátria é um perigo. E juiz salvador da pátria é
pior ainda. Juiz é juiz, não é um governante. Ele é treinado,
desenvolvido, preparado e a carreira já o vai moldando para julgar as
coisas e autorizar investigações. É aí que está a excelência. Um juiz
politico é uma contradição em termos e é muito perigoso. O juiz não deve
ser político, deve olhar a lei. Eu não acho que Joaquim Barbosa seja
salvador da pátria e não acho que Sérgio Moro seja salvador da pátria. E
espero que nem um nem outro embarque nisso.
Fonte: Agência Pública
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