maio 30, 2008

Amazônia: Mito e Realidade

Jefferson Péres
Amazônia: Mito e Realidade (1)

Jefferson Péres

Mitos são difícil extirpação, porque se enraízam nas mentes e ganham o imaginário popular. Situam-se no campo da emoção, por isso, resistem aos fatos e não se rendem aos argumentos racionais. Os psicólogos sabem que chega a ser doloroso o processo mental de desmistificação, pelo qual alguém finalmente se convence da falsidade de suas mais arraigadas crenças.

E a nossa Amazônia tem sido fértil na geração de mitos, graças à sua grandiosidade, singularidade e potencialidade. Essa tríade, por força do movimento ambientalista, transformou esta região numa grife de prestígio mundial, a despertar fascínio e preocupação em quase todos, em todos os lugares.

Esse interesse universal, por sua vez, reforçou em milhões de brasileiros – de todas as categorias – a suspeita, fronteiriça da paranóia, e o temor, quase fóbico, de uma conspiração externa para tirar a Amazônia do Brasil.

Trata-se de um grande mito, que não resiste a uma elementar análise, factual e lógica, mas que persiste, com muita força, porque adquiriu caráter emocional, que escapa à razão.

Como todo mito, apóia-se em pressupostos – no caso, três – igualmente falsos, como tentarei demonstrar, a seguir, num gigantesco esforço de síntese, tendo em vista a minha limitação de espaço. (2)

1. A COBIÇA INTERNACIONAL. Deixou se ser ameaça, em razão da profunda mudança no contexto histórico. Os países ricos não têm mais interesse em se apossar de fontes de matériasprimas, e os países pobres deixaram de opor barreiras aos investimentos estrangeiros, os quais, ao contrário, lutam para atrair. Não há nada, portanto, que impeça legalmente a exploração dos recursos naturais da Amazônia pelas multinacionais, cuja fome de lucro pode ser tranquilamente satisfeita por meios lícitos e pacíficos.

2. O MOVIMENTO AMBIENTALISTA É NOSSO INIMIGO. Nada mais falso. Tirante os exageros de alguns xiitas, a causa ecológica defende os nossos interesses, porque decorre da tomada de consciência de um grave problema, que, se não for logo enfrentado, em longo prazo levará a Amazônia e o mundo inteiro a um desastre.

3. A INTERNACIONALIZAÇÃO (3). Outra falácia aceita sem nenhum senso crítico, mas destituída de fundamento, porque não se sabe de onde surgiu, não é sustentada a sério por ninguém e seria impraticável jurídica e politicamente. Os que a temem apegam-se a coisas
absolutamente irrelevantes, como frases isoladas, fora de contexto, de posicionamentos feitos por alguns políticos europeus e americanos. Mas não há e nunca houve em parte alguma qualquer movimento com objetivo tão estapafúrdio, que não poderia ser efetivado nem mesmo pela ONU, muito menos por qualquer país ou grupo de países. A mim isso não preocupa nem um pouco. Não há o menor risco de a Amazônia (brasileira) deixar de pertencer ao Brasil.

Sustento, assim, que, salvo prova ou evidência em contrário, a tal conspiração internacional, contra nós, é um grande mito. E a realidade, qual seria?

Creio que a primeira coisa a ser feita, para se entender a realidade amazônica – ou de qualquer outra região – é exatamente uma limpeza de mente, com o abandono de preconceitos e mitos, que deformam o mundo real e torna impossível enxerga-lo com lucidez para poder transformá-lo. Eis uma constatação óbvia, porque um diagnóstico errado resultará fatalmente numa terapia também errada.
Feito esse processo prévio de desmistificação, será necessário, a seguir, encarar o desenvolvimento regional pela óptica correta, uma vez que é possível examiná-lo sob dois prismas: o espacial e o demográfico.

Visto pela óptica espacial, como costuma acontecer, o desenvolvimento da Amazônia é um problema insolúvel, pela sua enormidade e pelos seus complicadores, capaz de desanimar até os mais otimistas.

Por essa óptica equivocada, trata-se de um desafio de dificílimo enfrentamento ocupar este imenso vazio, de mais de cinco milhões de quilômetros quadrados, para ficarmos apenas com a Amazônia brasileira. E mesmo restrito ao Estado do Amazonas, ainda seria um colosso, equivalente ao território da Espanha multiplicado por três.

Os que vêem a questão por esse ângulo, ainda acrescentam, como complicadores adicionais, as limitações impostas pelas restrições ambientais e pelas demarcações das terras indígenas, que implicam uma grande renúncia à exploração dos nossos recursos naturais.
Lamentam, por igual, como fator limitante, a inexistência, no interior, de uma infra-estrutura políticoadministrativa capaz de executar com eficiência os projetos e programas de um plano de desenvolvimento regional.

Tudo isto somado leva à conclusão pessimista de nos encontrarmos diante de um insolúvel a curto e médio prazo. Conclusão equivocada, resultante de um erro original que é a óptica utilizada.

[Assim,] correta me parece olhar o problema pela óptica demográfica, pela qual se verifica que a solução é infinitamente mais rápida e mais fácil do que se imagina. [Isto é,] parece um erro encarar pela óptica espacial o desenvolvimento da Amazônia ou qualquer outra região, porque não se faz desenvolvimento para ocupar espaços, mas para melhorar pessoas. E, no caso da Amazônia, a ocupação de vazios não é sequer desejável, porque poderia ser um desastre.

[Portanto,] se restringirmos o campo de estudo ao Estado do Amazonas, com baixíssima densidade populacional, veremos que, sob a óptica demográfica, o nosso desenvolvimento, longe de ser um problema complexo, chega a ser relativamente fácil. Porque não se trata de ocupar essa imensidão de um milhão e quinhentos mil quilômetros quadrados, mas de melhorar a vida de um milhão e oitocentos mil pessoas, uma população menor que a do Distrito Federal. E se reduzirmos o campo ao Interior, mas fácil ainda, porque o público-alvo ficará em torno de modestos novecentos mil habitantes.

Alguns haverão de indagar por que excluir a capital. Pela razão óbvia de que Manaus, com todas as suas mazelas, pelo menos tem vida econômica própria (4). Além disso, grande parte dos seus males decorre do êxodo rural. Assim, desenvolver o Interior significa minorar, indiretamente, os problemas da capital.

Voltando a falar do Interior, novecentos mil habitantes representam aproximadamente duzentas mil famílias. Destas, será razoável supor que cerca de um quarto, vale dizer, em torno de cinqüenta mil, já estão com suas vidas arranjadas, com ocupação garantida em empregos públicos e privados.

Haverá, portanto, algo como sento e cinqüenta mil famílias em estado de indigência, com todos os seus membros desempregados ou precariamente ocupados no mercado informal. Este o real e diminuto universo de pessoas a terem sua cidadania resgatada por políticas públicas eficazes e não-paternalistas.

Nada a ver com mega-projetos ambientalmente predatórios e socialmente excludentes.

Tais políticas consistirão em investimentos em capital humano, mediante o uso de três instrumentos:

a) Bolsa-escola;
b) Micro-crédito (5); e,
c) Agentes comunitários de saúde.

A primeira elimina a fome no presente e garante o futuro com a escola; o segundo gera emprego e renda através das microempresas; e os terceiros melhoram consideravelmente os padrões de higidez dos mais pobres. Em suma, alimentação, saúde, educação e renda para os que vivem hoje literalmente na miséria.

Tudo isto seria alcançado com o dispêndio de menos de vinte por cento da recita tributária estadual. Por que não se faz? Porque se teima em ver o desenvolvimento, erradamente, em termos estritamente econômico, e não, de forma correta, humanamente, como processo de melhoria da qualidade de vida das pessoas. [Portanto,] o problema do desenvolvimento da Amazônia – e particularmente do Amazonas – se torna infinitamente menor, e de mais fácil solução, se o encararmos pela óptica demográfica, em vez da óptica espacial, comumente utilizada. Só isso, nada mais.

E quanto aos obstáculos representados pelas restrições ambientais e pelo aparato administrativo ineficiente e corrupto? Como removê-los?

[Sim,] um plano de desenvolvimento social – ou humano, se preferirem – esbarra aparentemente em três grandes obstáculos: a viciada estrutura político, as restrições ambientais e a falta de uma fonte permanente de recursos financeiros. Na verdade, dos três, um não existe, e os outros dois dão facilmente superáveis.

Comecemos pelo suposto obstáculo representado pelas restrições ambientais. Só mesmo uma visão distorcida e imediatista podem vê-las como impeditivas do desenvolvimento. Porque são ao mesmo tempo um ônus e um bônus. Um pequeno ônus em curto prazo e um imenso bônus a médio e longo prazo. (6)

O ônus de curto prazo é constituído pelos condicionantes e limitações impostos à exploração dos nossos recursos naturais, com o objetivo de evitar a sua extração predatória e a degradação do meio ambiente. Com isso, ocorre a chamada renúncia econômica, na forma de interdição de atividades, antes exercidas livremente, que proporcionavam grandes lucros a uns poucos, mas também asseguravam a sobrevivência, embora precária, de milhares.

Em compensação, se adotadas as necessárias práticas de manejo, e feitos os prévios estudos de impacto ambiental – quando for o caso – temos à nossa disposição um riquíssimo patrimônio hídrico e florestal, a ser explorado, racionalmente, em nosso benefício e de toda a humanidade.

Recursos madeireiros – em florestas públicas, arrendadas por 30 anos 7-, vendidos com certificados do FSC 8 para o ávido mercado mundial.

Recursos florestais não-madeireiros, tradicionais, explorados em regime comunitário e vendidos com selo verde, facilmente, também para o mundo inteiro.

O fabuloso novo mundo dos negócios da biodiversidade e da biotecnologia, a ser expandido pela pesquisa, que transformará em riqueza um potencial estimado em trilhões – eu disse trilhões – de dólares.

A aqüicultura e a piscicultura, especialmente a criação de gaiolas, capazes de garantir ocupação e renda permanentes a muitos milhares de interioranos.

O ecoturismo que, graças à grife Amazônia, poderá injetar em nossa economia milhões de dólares, uma boa parte dos quais retida no Interior.

Tudo isso, no bojo de um planejamento estratégico 9, acompanhado de políticas públicas no setor de infra-estrutura e no campo social, promoverá um consistente processo de desenvolvimento da nossa região. E como remover o gargalo, representado pela nossa viciada estrutura político-administrativa?

[Claro,] por melhor que seja o plano elaborado, o desenvolvimento da Amazônia não terá sucesso assegurado enquanto não forem removidos os óbices representados pela precária estrutura políticoadministrativa, ineficiente e corrupta, e pela deficiência dos mecanismos de fiscalização e controle.

Como é impossível, em prazo previsível, a remoção desses obstáculos, torna-se indispensável contorná-los mediante a adoção de métodos não convencionais na execução do plano.

Se depender das repartições públicas federais, estaduais e municipais, o mais bel elaborado dos planos, feito com a melhor das intenções, vai ser mais uma grande frustração, ao se transformar num sorvedouro de recursos, a escoar pelo ralo da corrupção e do desperdício. Quando nada, dificultado pelos costumeiros entraves burocráticos. (10)

Creio que a única maneira de minimizar esses problemas será mediante a utilização, ao máximo, de quatro tipos de agentes, ou atores, para empregar a terminologia em moda:

1. ONG’s;
2. Conselhos Comunitários;
3. Forças Armadas; e,
4. Auditorias Externas.

Muita gente coloca um pé atrás quando ouve falar em ONG’s, por mero preconceito. Mas a experiência mostra que as ONG’s idôneas – e existem muitas – são ótimos instrumentos de execução de programas sociais. No micro-crédito, por exemplo, suprem a ausência ou superam a rigidez das agências bancárias, dando capilaridade ao sistema, que se torna acessível aos mais pobres, com
rapidez e facilidade.

Os conselhos comunitários – compostos de padre, pastor, juiz, promotor e outros – são órgãos ideais para estabelecer prioridades e fazer o acompanhamento de programas e projetos, a fim de evitar desvio de finalidade. Deviam ser instalados em todas as sedes municipais, com representantes, também da União, do Estado e do Município, mas em caráter minoritário.

Nossas Forças Armadas, principalmente o Exército, estão subutilizadas como agentes prestadores de serviços à população civil. Sua excelente estrutura, dotada de quadro técnica e moralmente qualificados, precisa ser plenamente usada, mediante convênios, na execução de programas e até de obras.

Finalmente, há de se reconhecer que os Tribunais de Contas não estão aparelhados para controlar em tempo real a execução de cronograma físico-financeiro dos projetos. Essa tarefa deve ficar a cargo de empresas de consultoria, contratadas por licitação, com total independência para agir.

Eis a fórmula, que nada tem de mágica, para se executar obras e políticas públicas com eficiência e eficácia, isentas de corrupção, desperdício e clientelismo eleitoral. (11)

A esta altura, dirão alguns que eu delineei os caminhos do desenvolvimento da nossa região, mas omiti o principal, que são os recursos. De onde virão?

Nenhum plano de desenvolvimento regional (12)– da Amazônia ou de qualquer outra região – terá êxito se não contar com uma fonte regular e firme de recursos financeiros. Daí a necessidade de se criar um Fundo com resguardo na Constituição (13), a fim de evitar que o fluxo sofra cortes ou estancamentos, à discrição do Poder Executivo, por força de Decretos ou Medidas Provisórias.

No que toca a mim, como parlamentar, fiz a minha parte, ao propor a Emenda Constitucional n° 19, que cria o Fundo de Desenvolvimento da Amazônia Ocidental, já aprovado pela Constituição e Justiça do Senado, e ora na pauta de votação do Plenário (14).

Referida proposta tem como relator o senador Bernardo Cabral, que apresentou parecer favorável, na forma de substitutivo que, no meu entender, melhorou o projeto original. Eis, a seguir, um resumo do seu conteúdo.

O Amazonas é o único Estado da região Norte que, graças à Zona Franca, tem saldo negativo na troca de receitas com a União. Nos dois últimos exercícios, de 1999 e 2000, o superávit ficou em torno de R$ 1,2 bi (um bilhão e duzentos milhões de reais) por ano.

Por outro lado, o nosso Estado – em particular o interior – sofre a chamada renúncia econômica, por força das restrições ambientais, que impedem, de imediato, a exploração de muitos dos nossos recursos naturais. Em nome do futuro, é verdade, mas com prejuízo no presente.

Por isso, proponho, como justa compensação – e não como favor – que parte daquele superávit anual seja canalizado para um Fundo destinado ao desenvolvimento do interior dos quatro Estados da Amazônia Ocidental – Amazonas, Roraima, Acre e Rondônia – excluídas as capitais.

O montante do Fundo dependerá da área preservada, numa relação de 2 por 1, ou seja, a cada ponto percentual de área protegida, dois pontos percentuais do saldo do Amazonas com a União. Como a Amazônia Ocidental tem hoje, cerca de 40% de seu território como áreas de proteção ambiental, significa dizer que o Fundo seria constituído de 80% do saldo, aproximadamente novecentos milhões de reais por ano.

A aplicação desses recursos será definida na lei ordinária que regulamentará o Fundo. De minha parte, entendo que uma destinação racional priorizaria quatro setores 15, a saber:

a) Infra-estrutura (energia, transporte e saneamento);
b) Programas-sociais (bolsa-escola e micro-crédito);
c) Capital humano (educação e saúde); e,
d) Pesquisa (principalmente biotecnologia).

Como a duração do Fundo vai até 2013 16, supondo-se que a execução comece em 2003, teremos onze anos de aplicações, tempo suficiente para erradicar a miséria no Interior, abrir-lhe perspectivas econômicas e criar uma alternativa para a Zona Franca. Ou melhor ainda, se o Plano alcançar êxito na conjugação afortunada de preservação ambiental com inclusão social, teremos uma bela justificativa para assegurar a prorrogação dos incentivos da ZF por mais dez ou vinte anos.

[Portanto, entendo que o] modelo de desenvolvimento possível e desejável para a nossa região, especialmente o Interior [exposto nesta] série de artigos, seria suficiente para erradicar a miséria em dez anos ou menos.

Por que não se faz? Por causa do subdesenvolvimento mental de grande parte dos nossos homens públicos, sem grandeza, medíocres, absolutamente incapazes de fazer política com P maiúsculo. Mas, para esse problema, infelizmente, eu não tenho solução.

15 Prioridade muito próxima à defendida no meu livro Projeto ZFM: vetor de interiorização ampliado!. Vejam o
que digo no quarto parágrafo do tópico Esclarecimentos: A possibilidade [de um ponto de inflexão do Projeto
ZFM] está representada na aplicação de recursos não reembolsáveis em projetos de infra-estrutura econômica,
de pesquisa e desenvolvimento e de capacitação de recursos humanos na lógica do conceito de competitividade
sistêmica enquanto política pública de interiorização do desenvolvimento na Amazônia Ocidental. A diferença é
que os Critérios de Aplicação dos recursos da Suframa prioriza a produção, deixando investimentos em saúde
para os órgãos de competência vinculada. De qualquer sorte, já andei sugerindo a possibilidade de transformar
parte dos recursos contingenciados da Suframa em um Fundo reembolsável para fins de financiamento dos
projetos de produção de associações e cooperativas, o que convergiria para o item do micro-crédito, mas
enquanto programa econômico e não social.
16 Naturalmente prorrogável na própria esteira do prazo constitucional do Projeto ZFM, que hoje está fixado até
2023.

1 Transcrição de um conjunto de sete artigos do professor Jefferson Peres publicados no Jornal A Crítica entre maio e junho de 2001, como homenagem de Antônio José Botelho ao ilustre amazonense por ocasião de sua morte ocorrida neste maio de 2008.

2 Reflexões sistemáticas em jornais contam com espaços limitados.

3 O senador Jefferson Péres foi meu professor na disciplina Formação Econômica do Brasil. Cursá-la sob sua orientação foi uma das melhores oportunidades de instrução graduada durante a realização de exatos 439 créditos entre 1978 e 1984, quando cursei Engenharia Civil e Administração na UFAM. Sua metodologia é inesquecível: na primeira aula da semana exponha a matéria; na segunda seus alunos iam defendê-la, oportunidade em que ele próprio sentava para ouvir e avaliar. Defendi o Ciclo do Ouro, oportunidade de percepcionar a pilhagem histórica que sofreu o Brasil colônia. Sua presença na minha vida acadêmica e profissional está ainda associada ao fato de ter tido a honra de atuar na qualidade de professor substituto entre 1991/1992 na sua vaga de catedrático na Faculdade de Estudos Sociais da UFAM. Mais recentemente, escreveu com a sua ética de sempre a apresentação da minha brochura “Projeto ZFM: vetor de interiorização ampliado!”, publicada em 2001. Mesmo assim, tomo a liberdade, nesta singela homenagem, de discordar do memorável mestre neste quesito. Entendo que há sim a possibilidade política da INTERNACIONALIZAÇÃO da Amazônia, contemporaneamente mitigada pela adoção do conceito de desenvolvimento sustentável pelo Brasil. Embora tenhamos desfrutado de um período de trégua, sendo a pressão permanente, formas recorrentes de abordagens intimadoras voltam à tona. Vide reportagem-capa da Isto É de 28 de maio de 2008, intitulada “A Amazônia é nossa!”, registrando nova investida hegemônica e cobrando uma postura política firma e definitiva do governo/Estado brasileiro. O professor e senador haverá de aceitar o contraditório porque um acadêmico e um democrata.

4 Sobre a atividade econômica de Manaus, o professor alentou a mesma percepção deste ex-aluno que lhe presta homenagem, qual seja de que representa um enclave industrial. Sua obra publicada, O Modelo Zona Franca: Uma Economia de Enclave, é da década de oitenta do século passado. As minhas reflexões, estrutura no conceito de clusters, datam do início deste milênio. E como ainda há controvérsias, ou melhor não há consenso frente às evidências do crescimento econômico de Manaus, está longe o dia em que o nosso capital social terá uma mesma visão de futuro, a partir da qual se poderá construir políticas públicas consentâneas com a perspectiva da liberdade política e independência econômica. Na apresentação do meu livro Projeto ZFM: vetor de interiorização ampliado! [vide nota de roda pé anterior], o terceiro parágrafo está assim escrito: “Parece consistente o seu argumento de que o Pólo Industrial de Manaus – PIM, por se sustentar em capital e tecnologia exógenos, de empresas multinacionais, só terá condições de permanência, após o desaparecimentodos incentivos fiscais, se conseguir enraizar-se fortemente no interior. Tese, aliás, que não é nova. O próprio autor destas linhas, em artigo publicado há mais de trinta anos, na revista da antiga Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade do Amazonas, já apontava que o modelo da ZFM havia gerado uma economia tipicamente de enclave. O parque industrial de Manaus apresenta um caráter de artificialidade e transitoriedade, na medida em que absorve insumos importados e seus produtos se destinam a mercados ex-regionais”.

5 O empreendedorismo, junto com a inovação, constituem vetores fundamentais para a construção de um capitalismo endógeno. Mas antes devemos cuidar de moldar nossa gente interiorana para a concorrência, para o risco e para ambição ao progresso social, substrato imanente do capitalismo global.

6 Apesar de ter utilizado o conceito de desenvolvimento sustentável para justificar a condescendência dos países hegemônicos para com o Brasil no que concerne ao nosso desenvolvimento, neste viés da questão da INTERNACIOALIZAÇÃO, concordo com o professor Jefferson Peres. Ou seja, ainda que o desenvolvimento sustentável tenha sido subliminarmente imposto ao Brasil, que por sua vez toma corretamente consciência dessa exigência humanitária, trata-se de uma oportunidade histórica de se construir um novo marco civilizatório para a humanidade a partir da Amazônia. Neste sentido, tenho trabalhado o conceito de AMAZONIDADES, pegando carona do Armando Mendes e nas pegadas de Ozório Fonseca. A tese se assenta no mesmo pressuposto adotado por Roberto Pompeu de Toledo, no ensaio intitulado “Amazônia: premissas para sua entrega”, publicado na Veja de 28 de maio de 2008: “A internacionalização só será aceitável quando se cumprirem duas premissas. Primeira: que desapareçam os estados nacionais. Segunda: que os grupos, ou comunidades, ou sociedades que restarem, mantenham entre si relações impecavelmente eqüitativas”. Até lá, como tenho defendido, deveremos construir nosso próprio capitalismo, que pressupõe capital e tecnologia amazônicos, isto é, com empreendedorismo e inovação realizar no mercado AMAZONIDADES.

7 Não tenho convicção dessa estratégia de governo – no limite, em minha opinião, não representa uma estratégia de estado. Para escrevi a reflexão “Manifesto Contra a Linearização dos Incentivos”, que atachei na página www.argo.com.br/antoniojosebotelho , novembro de 2005, quando sugeri a realização de plebiscito [sugestão logicamente não observada].

8 “A certificação é um processo voluntário em que é realizada uma avaliação de um empreendimento florestal, por uma organização independente, a certificadora, e verificado os cumprimentos de questões ambientais, econômicas e sociais que fazem parte dos Princípios e Critérios do FSC”. Vide http://www.fsc.org.br/ .

9 Bem que o atual Plano Amazônia Sustentável, sob a liderança do Ministério de Ações de Longo Prazo, poderia observar alguns itens dessa reflexão-síntese do senador Jefferson Peres.

10 A experiência do venerável mestre não isenta nem mesmo a organização onde formato minha profissionalidade, a Suframa.

11 Sempre fui convicto de que as decisões de financiamento de projetos do Programa de Interiorização da Suframa deveriam sair da esfera político-partidário e migrar unicamente para a dimensão técnico-estratégico. Muita institucionalidade já foi construída com o estabelecimento de Critérios de Aplicação e seu respectivogrupo técnico de observância, mas muito ainda há de ser providenciado para a consecução da fórmula sugeridapelo senador Jefferson Peres.

12 Já há tempo nutro o entendimento de que essa terminologia é inadequada com a tese do desenvolvimento sustentável o qual deve brotar da consciência local, ainda que ferramentas de maior autonomia estejam sendo induzidos [vide o Conselhos Comunitários comentados pelo professor Jefferson Peres]. A lógica interna do desenvolvimento regional sugere intervenção de cima para baixo, pois foi assim o planejamento ao longo especialmente do século XX, quando se criou o mito do desenvolvimento.

13 O quinto parágrafo de sua apresentação ao meu livro Projeto ZFM: vetor de interiorização ampliado!, transcrito abaixo, o professor Jefferson Peres já vivia a sua idéia quanto ao fundos constitucional, que na oportunidade defendia: “Tendo a experiência demonstrado a impossibilidade de se gerar um fluxo expressivo de investimentos privados para essas duas vertentes [de criação de um pólo de componentes em Manaus – que avança na medida da conquista da escala por firmas líderes; e de implantação de um pólo de indústrias absorvedoras de matérias-primas regionais, criadoras de vínculos de mercado entre interior e a capital – que igualmente avança com as oportunidades de negócios sugeridas com a recente aprovação do Processo Produtivo Básico – PPB para incentivar produtos que utilizem insumos da nossa biodiversidade], o autor preconiza, acertadamente, a instituição de incentivos especiais com tais objetivos, de par com a aplicação de vultosos recursos públicos, a fundo perdido, em obras de infra-estrutura e em capital humano. A origem desses recursos e os mecanismos de aplicação ficam em aberto, como questões a serem decididas politicamente, mas que entendo deva passar pela criação de um fundo constitucional”. De forma inequívoca, o senador Jefferson Peres entende que os recursos financeiros da Suframa destinados a projetos do Programa de Interiorização para o desenvolvimento sustentável dos locais da Amazônia Ocidental e que os Critérios para sua Aplicação, ambos abordados no meu livro, eram insuficientes e/ou incompletos. Este ex-aluno entende que quanto aos recursos, embora insuficientes, são importantes, e que quanto aos Critérios, embora incompletos, oferecem uma margem para o tratamento técnico-estratégico necessário [vide nota de roda pé nº. 11].

14 O Fundo ainda não aprovado até o presente, pelo menos que seja do meu conhecimento. Sua aprovação talvez fosse a maior homenagem que o Senado da República poderia dedicar ao senador Jefferson Peres. No site http://www.congressoemfoco.com.br/ , a reportagem intitulada Parlamentares querem priorizar agenda verde, matéria atualizada naquele site em 29.05.07 [exatamente um ano antes da data em que escrevo esta nota de rodapé] traz a seguinte informação: “O relatório também recomenda a aprovação da proposta de emenda constitucional (PEC 19/00) do senador Jefferson Peres (PDT-AM), que cria o Fundo de Desenvolvimento da Amazônia Ocidental, destinado a promover o desenvolvimento econômico da região de forma que a preservaçãodo meio ambiente não seja esquecida. O senador deve requisitar o desarquivamento da PEC, remetida ao arquivo com a mudança de legislatura”.

15 Prioridade muito próxima à defendida no meu livro Projeto ZFM: vetor de interiorização ampliado!. Vejam o que digo no quarto parágrafo do tópico Esclarecimentos: A possibilidade [de um ponto de inflexão do ProjetoZFM] está representada na aplicação de recursos não reembolsáveis em projetos de infra-estrutura econômica, de pesquisa e desenvolvimento e de capacitação de recursos humanos na lógica do conceito de competitividade sistêmica enquanto política pública de interiorização do desenvolvimento na Amazônia Ocidental. A diferença éque os Critérios de Aplicação dos recursos da Suframa prioriza a produção, deixando investimentos em saúde para os órgãos de competência vinculada. De qualquer sorte, já andei sugerindo a possibilidade de transformarparte dos recursos contingenciados da Suframa em um Fundo reembolsável para fins de financiamento dos projetos de produção de associações e cooperativas, o que convergiria para o item do micro-crédito, mas enquanto programa econômico e não social.

16 Naturalmente prorrogável na própria esteira do prazo constitucional do Projeto ZFM, que hoje está fixado até 2023.
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