Oleo do Diabo
Uma longa crônica self-service
11 May 2008
A leitura de "Décadas de Espanto e Uma Apologia Democrática", de Wanderley Guilherme dos Santos, tem sido uma magnífica aula de história e política. Santos fala sobre as origens das democracias modernas no mundo, compara-as entre si e com o Brasil, analisa os prós e os contras de cada uma, sempre deixando bem claro a sua opinião. Acrescente-se que o texto é redigido com prosa agradável, literária, uma abordagem elástica dos temas, e uma rebeldia alegre, com escapadelas do tema central para viajar em contextualizações que ajudam a compreender o todo.
É saudável observar como Santos desnuda a evolução problemática das nações mais tradicionais e "civilizadas", mostrando que, em termos de legislação eleitoral, muitas são mais atrasados que o Brasil, embora convivam harmoniosamente com seus problemas. Afinal, diz Santos, é preciso que as sociedades compreendam "o espírito" das leis, o que significa agir com justiça em linha com determinadas convicções, sem que seja necessário ao Estado usar de violência institucional.
Só quero deixar claro uma coisa. Os comentários que teço neste post são uma interpretação livre da minha leitura da obra citada.
Santos defende, com um entusiasmo discreto mas inegável, a democracia brasileira e o voto proporcional, e critica ferozmente os que procuram introduzir o voto distrital, e outras mudanças esdrúxulas na legislação eleitoral. Ele apresenta suas razões, mostrando que o voto proporcional é mais democrático, porque protege as minorias contra a tirania da maioria. Também aborda a questão dos partidos, observando que a legislação deve permitir a candidatura avulsa, sem partido, ou evitar que os partidos se oligarquizem, ou seja, se tornem propriedade de suas lideranças. O que me fez lembrar de certas lideranças partidárias escolhendo o candidato à República num restaurante cinco estrelas de São Paulo.
O livro foi escrito em 1998, e Santos já acusava a mídia de patrocinar campanhas que difamavam as instituições políticas. Difama e depois faz pesquisa junto a opinião pública para saber a opinião que têm dos políticos, os quais se tornaram "vilões" apenas por serem políticos. A jovem e ainda insegura democracia brasileira enfrentou, durante todos os anos 80 e 90, e enfrenta até hoje, uma incessante campanha da imprensa contra todos os seus principais pilares, Legislativo, Judiciário e Executivo. Santos analisa e vê aí uma revolta oligárquica contra os avanços democráticos no país.
O último livro político de Santos chama-se Paradoxo de Rousseau, e aborda questões mais recentes. Está esgotado em quase todas as livrarias e sites de compra. Aí vai um pito à editora. Tentei encontrá-lo em diversas partes e não o encontrei.
Ainda não terminei de ler o livro de que falo neste post (Décadas de Espanto). Volto a ele mais tarde. Acho que Santos é um autor que merece ser estudado com muita atenção por todo cidadão interessado em entender os complicados processos políticos brasileiros, desde seus primórdios. Assim os debates políticos poderiam ganhar qualidade e os segmentos avançados da opinião pública se tornariam mais exigentes em relação à mídia.
Santos denuncia ainda uma série de críticas econômicas e políticas da mídia à democracia brasileira. Por exemplo, há muito tempo (o livro é de 1998) que a mídia insiste em comparar o crescimento do PIB brasileiro à de seus vizinhos pequenos. Santos lembra que, em 1946, para pegar um ano aleatoriamente, Honduras cresceu 6,9% enquanto o Brasil cresceu somente 1%. O PIB per capita no Brasil era de US$ 195, contra US$ 205 em Honduras. Pois bem, em 1993, o PIB per capita no Brasil chegou a US$ 2.930, seis vezes acima do PIB hondurenho. Santos usa outros exemplos similares para mostrar como a mídia manipula dados econômicos para pressionar por reformas nem sempre prioritárias, nem sempre necessárias e que, em muitos casos, implicariam em retrocesso democrático.
O Brasil precisa reler sua história, precisa abordar sob outros ângulos a sua experiência democrática. Por exemplo, na República Velha, a média dos eleitores oscilou em torno de 2,5% da população brasileira. Em 1945, já correspondia a 16%. Em 1994 chegou a 65,4% da população.
Ou seja, a nossa democracia é jovem. Muito jovem. Isso não significa que caminhe seguramente na direção do Paraíso. Nada é tão fácil. É preciso que a população fique atenta para que o sistema eleitoral e as instâncias de poder realmente correspondam a seus anseios.
Em 1998, Santos denunciava o financiamento espúrio das campanhas eleitorais, que seria o equivalente à compra de votos do século passado. Esse fato traria distorções profundas ao processo eleitoral, porque implica em vantagens para candidatos e partidos que usufruem de recursos de origem duvidosa. Entretanto, a constatação do problema não diminui a confiança de Santos na democracia, que possui instrumentos para coibi-lo ou reduzi-lo a níveis mínimos.
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Eu já havia lido um livro de Santos, há alguns meses, intitulado Cálculo do Conflito, Estabilidade e Crise na Política Brasileira, que é uma excelente aula de história sobre a realidade política nos anos 50 e 60. Entendi um pouco mais o Brasil e o mundo. Entendi, por exemplo, que a razão da histeria das elites brasileiras nessa época advinha do fato de que os partidos da direita vinham perdendo espaço no sistema eleitoral. Os partidos de centro-esquerda e esquerda vinham ampliando sua participação nos colégios eleitorais, o que levou as elites, através dos órgãos midiáticos sob seu controle, a iniciarem uma campanha sistemática contra a política e a democracia, culminando na patética exaltação da virtude cívica e ética pública dos militares. Santos observa, com base no que diziam e depois no que fizeram, que os partidos de direita, na época, eram perigosamente subversivos, muito mais até do que qualquer representante da esquerda. À medida que eles - os partidos conservadores - se enfraqueciam, no entanto, mais apoio ganhavam da mídia. Coincidência com a época atual?
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O fato é que vivemos um momento curioso. A mídia vem promovendo uma verdadeira limpeza étnica em suas redações e mesmo fora delas, incentivando campanhas de difamação contra qualquer jornalista ou intelectual que não compactue com sua visão de mundo. Nos últimos anos, não houve um jornalista, intelectual ou artista, não digo nem de esquerda, mas que simplesmente não manifestasse, de forma muito explícita, afinidade com a ideologia e opiniões emanadas da grande mídia, que não fosse odiosamente caluniado ou difamado ou insultado. O próprio Wanderley Guilherme dos Santos foi vítima de uma dessas dentadas banguelas, no caso do senhor Demétrio Magnoli, historiador meia-boca contratado pelo Globo para falar mal do PT. Na época, eu já admirava Santos, por seus artigos e entrevistas. Agora, depois de ler alguns de seus livros, vejo como a dentadinha de Magnoli foi patética, apenas denegrindo a si mesmo e ao órgão para o qual trabalha.
Ao mesmo tempo em que essa limpeza étnica acontece, a esquerda continua crescendo. Pesquisas recentes mostram popularidade recorde de Lula e de seu governo. Em São Paulo, a candidata do PT, Marta Suplicy, ultrapassa Alckmin e Kassab. Enfim, a mídia, mesmo diante dos resultados contra-producentes de sua campanha histérica oposicionista, continua apostando na mesma estratégia. Não dá uma linha sobre as matérias de Nassif sobre a Veja. Pior, repercute a Veja. Onde isso vai dar?
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A mídia internacional especializada sabia, há meses, da existência do Campo Pão de Açúcar, na Bacia de Santos. Aí o Haroldo Lima, diretor da Agência Nacional de Petróleo vem à público declarar o que já era público e qual é a reação de nossos colunistas e âncoras tupiniquins? Condenar Lima por dar a informação! Miriam Leitão chegou a pedir que Lima seja investigado e condenado pela Comissão de Valores Imobiliários.
Um leitor do blog da Miriam mostrou o seguinte link, provando que a notícia circula desde fevereiro nos meios especializados. Quem não sabia era a grande mídia nativa, que despreza as conquistas brasileiras. Para ela, é irritante o Brasil descobrir petróleo. Engraçado, pela primeira vez, vejo a imprensa pregar a não-informação. O curioso é que ninguém no Globo, ao menos até agora, foi atrás de notícias mais consistentes sobre o novo mega-ultra campo. É isso que a sociedade quer saber. O mundo quer saber. Aliás, desde a descoberta do campo Tupi a imprensa vem sonegando informação sobre o potencial das reservas da região. Não foram pesquisar e agora ficam histéricos porque Lima lhes desnudou a ignorância. Reparem que, consultada, a Petrobrás não negou a notícia. Limitou-se, prudentemente, a observar que o potencial ainda está em estudo.
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A campanha da mídia contra o MST recrudesceu sensivelmente por conta dos ataques da entidade à Vale do Rio Doce, sobretudo no Pará. O fato é que a Vale vem lucrando bilhões com a exploração de minério de ferro na Ilha de Marajó, onde fica a maior jazida do mundo, enquanto o Pará ainda padece de problemas sociais terríveis, grande parte deles decorrente de déficit fundiário. O Pará é o segundo maior estado do país, com 1,2 milhão de km quadrados, o que corresponde a uma área quase quatro vezes maior que a Alemanha (357 mil km2) e quase 10 vezes maior que a Inglaterra (357 mil km2). Não é lógico, portanto, que haja problema de falta de terras no estado. A Vale é uma das maiores empresas do mundo e precisa entender que tem responsabilidades sociais bem maiores àquelas que propaga na tv. Tem condições financeiras e políticas para lidar com sem-terra ou garimpeiros sem apelar para lobbies pró-repressivos, conforme tem feito.
Fonte: Óleo do Diabo
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