maio 23, 2008

De como induzir justificativa para manutenção dos hospitais psiquiátricos

Nota do blog: O parecer abaixo do CFM, que não parece ter sido revogado, se constitui num belo exemplo dos interesses em jogo na cena política da Reforma Psiquiátrica brasileira. Ele é de 1998. Não há sutilezas linguísticas, mas "preste atencão como o consultante induz o itinerário de perguntas para obter a resposta que quer: a justificativa da manutenção dos Hospitais Psiquiátricos!"

Pela pesquisa, valeu, Gaby!


PROCESSO-CONSULTA CFM Nº 2868/97PC/CFM/Nº 14/98
INTERESSADO: Dr. José Carlos Naitzke
ASSUNTO: Procedimentos para internação de pacientes portadores de distúrbios psiquiátricos.

RELATOR: Cons. Rubens dos Santos Silva

EMENTA: O alcoolismo como doença mental é passível de atenção médica em regime de internação hospitalar, cabendo ao médico decidir sobre o tipo e duração do tratamento com respeito à autonomia e livre escolha do paciente quanto à instituição de internação.

1- O uso, abuso, ou dependência de álcool e outras drogas é considerada doença mental?
1. Sim – CID 10 (f 10 – F19)

2- Sendo considerada como tal, qual é o profissional médico que está preparado para cuidar de tal nosologia médica?
2- Em tese qualquer médico no exercício regular da profissão está apto a prestar tal assistência; o psiquiatra, o intensivista ou urgentista, o neurologista e o clínico, dependendo da fase da doença e do quadro clínico apresentado, estarão mais capacitados para tal tarefa.

3- O hospital geral encontra-se preparado para cuidar de pacientes mentais? principalmente de alcoolistas ou toxicômanos?
3- O hospital geral pela própria denominação deveria ter condições de atender a pacientes portadores de quaisquer patologias, evidentemente aí incluídos os portadores de transtorno mental. Ocorre que muitos não dispõem de estrutura adequada e nem de profissionais qualificados para isso; na área da psiquiatria o fato é mais evidente, daí não podermos prescindir dos hospitais psiquiátricos, que além da estrutura física, conta com médicos psiquiatras e com equipes de apoio treinados para tal assistência.

4- Existem equipes multidisciplinares já em funcionamento nos hospitais gerais?
4- Não dispomos desses dados.

5- Poderá uma resolução governamental dizer quantos dias teremos que realizar um tratamento médico? 10, 20, 30 dias? cada caso não é um caso? o psiquiatra, tem ou não autonomia para determinar quanto tempo deverá o paciente ficar sob tratamento?

6- Poderá, esta mesma resolução, determinar que um paciente só possa adoecer de 90 em 90 dias, e 3 vezes por ano?
5 e 6- O médico tem autonomia profissional e autoridade legal para decidir quanto a duração de tratamento que institua, estando no entanto sujeito aos mecanismos de revisão e supervisão e auditoria previstos na legislação vigente e no Código de Ética Médica (art. 8º, 16, 21, 44 e 142). No caso de psiquiatria deve o médico seguir a Resolução 1.405/94 CFM (mormente principio 8-1, principio 14-2, principio 15-2).

7- Não pode o paciente escolher seu próprio hospital para se tratar?
7- Sim; o paciente ou seu representante legal tem o direito de escolher não só o local onde será tratado como os profissionais que o assistirão.

8- Qual a posição que o médico assistente e diretor clínico de um hospital psiquiátrico deverão tomar diante esta situação?
8- As responsabilidade do diretor clínico são no sentido de prover adequadas condições hospitalares para uma boa assistência ao paciente, enquanto ao médico assistente cabe zelar pela boa prática médica em benefício do paciente. É recomendável, quando houver discordância das normas emanadas pelas autoridades sanitárias ou quando estas prejudicarem a assistência aos pacientes, encaminhar justificativas para o seu não cumprimento ou sugestões para aprimorá-los.

9- Se algo acontecer ao paciente ou a outrem, quem será responsabilizado juridicamente se "obedecermos" tal resolução?
9- A apuração de responsabilidades em caso de danos a pessoas cabe à justiça e é aconselhável que os médicos registrem todas as ocorrências, de qualquer ordem, para que em demandas dessa natureza possam comprovar a sua isenção de culpa.

10- O médico não tem mais autonomia quanto a internação do paciente, é, ou, quanto tempo deverá permanecer internado para seu total restabelecimento e orientação?
10- Ver resposta 5.

11- Existe a infra-estrutura já montada e tão decantada, a disposição do paciente mental em nossos municípios?
11- A municipalizarão da assistência à saúde ainda não atingiu, na maioria dos municípios brasileiros, um nível assistencial pleno; em particular na psiquiatria, onde há enorme carência de profissionais, o que faz com que as capitais e as principais cidades recebam toda a massa de desassistidos de um estado ou região, o que dificulta a assistência, seja ambulatorial ou hospitalar.

12- O hospital psiquiátrico faz parte ainda do arsenal terapêutico? Ou não?

13- Será que a doença mental poderá ser extinta por decreto?


12- 13- O hospital psiquiátrico permanece imprescindível para uma assistência que se queira completa. A assistência extra-hospitalar não tem se mostrado suficientemente capaz para o enfrentamento de grande número de quadros psiquiátricos, principalmente os agudos ou mesmo crônicos nas reagudizações, e ainda há a situação da pequena quantidade de tais serviços à disposição dos pacientes. O hospital não deve ser descartado.

- Conselho Federal de Medicina, através da Resolução nº 1.407/94, adotou os "princípios para a proteção de pessoas acometidas de transtorno mental e para a melhoria da assistência à saúde mental" aprovados pela Assembléia Geral das Nações Unidas em 17.12.91 como guia a ser seguido pelos médicos do Brasil.

- O Código de Ética Médica preconiza a autonomia e a liberdade profissionais (artigos 7º, 8º, 16) dentro dos princípios de obediência à legislação e ao conhecimento científico (artigos 21, 44) e o respeito ao direito do paciente em relação aos meios diagnósticos e a terapêutica a ser instituída (art. 56). este é o parecer, SMJ.

Brasília, 11 de fevereiro de 1998

RUBENS DOS SANTOS SILVA
Conselheiro Relator
Parecer aprovado em Sessão Plenária do dia 19/06/98
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