maio 19, 2008

Nordestinas reagem firme contra invasão antiabortista


Para Zefofinho de Ogum (consultor do PICICA - Observatório dos Sobreviventes) , a Igreja Católica já deveria ter ido para o banco de réus
Mulheres de Olho

Nordestinas reagem firme contra invasão antiabortista

17 May 2008

O Movimento Nacional em Defesa da Vida – Brasil Sem Aborto se ramifica em comitês locais que têm estimulado a realização de audiências públicas por vereadores e deputados estaduais. Começando pelo Nordeste, este grupo tem também usado shopping centers como local para uma exposição itinerante que impressiona pelo caráter terrorista e panfletário de sua estética e composição.

Na matéria “Ceará: autocrítica sobre a parcialidade da mídia”, publicada pelo Mulheres de Olho (leia aqui), comentamos sobre a primeira dessas exposições, realizada em Fortaleza no mês de janeiro. Depois disto veio a montagem em João Pessoa, Paraíba, sob protestos das organizações feministas locais. No final de abril a exposição se transferiu para a capital do Rio Grande do Norte, motivando um indignado artigo no Diário de Natal, assinado pela educadora e pesquisadora Maria Cândida de Carvalho, da equipe do Coletivo Leila Diniz, organização que desenvolve importante trabalho educativo na região. A exposição foi instalada no Norte Shopping, entre 23 de abril e 4 de maio, segundo vídeoreportagem que pode ser visualizada aqui. O artigo foi publicado no sábado passado, 11, após muitas tentativas para apresentar à opinião pública um contraponto, ainda enquanto a exposição estivesse no ar.

“A vida das Outras - A pretexto de defender a vida, uma exposição segue pelas capitais do país, geralmente em espaços onde circulam famílias, estudantes e casais de namorados: os shopping centers”

Com esse título e frase inicial o artigo (clique aqui para ler na íntegra) relata o espanto da autora ao conferir do que se tratava: “superficial e negligente”, o material exibido é de péssima qualidade, com fotos rudimentarmente montadas para compor imagens “popularescas” –como se referiu Cláudia ao Mulheres de Olho. E ela prossegue, denunciando as supostas falas atribuídas aos fetos, numa linguagem apelativa que evoca o sentimento de horror frente à prática do aborto, desconsiderando totalmente a realidade de vida das mulheres.
As imagens mais chocantes estão escondidas dentro de caixas e podem ser visualizadas através de buracos, despertando ainda mais a atenção de adultos, jovens e crianças que circulam pelos corredores.

Há na sociedade brasileira uma corrente forte -pelo menos um terço da população- que compreende que a questão do aborto merece ser discutida não a partir do enfoque da criminalização das mulheres. Lembrando a estimativa de que mais de 1 milhão de mulheres se colocam nesta situação a cada ano, Cláudia denuncia que a exposição não contextualiza esta realidade: “… preterindo qualquer dado ou informação que situe suas [das mulheres] condições sociais e sua autonomia, além de omitir que uma gestação decorre, necessariamente, de um ato comum a mulheres e homens - estes, completamente eximidos do debate - é uma ficção demagógica porque induz a população a posicionar-se diante de um contexto falso, apresentado de forma a aparentar coerente”. E a articulista conclui:

“As que abortam não são as outras. Somos nós, todas e todos. É a partir de nós, das nossas vozes, que essa discussão precisa acontecer. Não espreitada através da estreiteza e simulacro de um buraco”.

Pernambuco permitirá?

No estado de Pernambuco o movimento de mulheres tem conseguido vitórias na resistência contra essas investidas, que têm no fundo um caráter religioso. Quem acompanha este blog deve se lembrar da mobilização no período do carnaval, para garantir a ação política estadual de distribuição das pílulas do dia seguinte, que a Igreja Católica tentou embargar. (leia matéria aqui)

A prefeitura do Recife, onde o petista João Paulo exerce seu segundo mandato, não chega a se posicionar explicitamente na questão do aborto, mas tem apoiado eventos neste campo e permitiu a publicação de um panfleto informativo, por sua Secretaria da Saúde, em 2007.
No final de 2007, o vereador petista e evangélico do Recife Luiz Eustáquio (suplente em exercício), que estava pré-candidato a presidente municipal do Partido dos Trabalhadores, fez ampla convocação para uma audiência pública por ele patrocinada, na Câmara, contrária ao aborto. Enviou inúmeras mensagens eletrônicas e espalhou convites pela cidade anunciando a presença de deputados federais do Rio de Janeiro, Minas e São Paulo. À véspera do evento o vereador foi intimado por mulheres de seu partido a suspender a audiência. Jadion Santos, que é Secretária Estadual de Mulheres do PT, coordenadora da Coordenadoria da Mulher de Olinda e também militante movimento negro, nos contou como foi:

“Audiências como esta aconteceram em vários lugares do país e Recife foi a única cidade que conseguiu evitar sua realização. Luiz Eustáquio é o único parlamentar do PT que é contra o aborto em Pernambuco. Ele é evangélico, homofóbico, preconceituoso. Fizemos uma reunião na Secretaria de Mulheres do PT e decidimos que o parlamentar tinha que respeitar o último congresso, onde a decisão foi que parlamentares não se pronunciassem publicamente contra o aborto em nome do partido. Se quiser se posicionar pessoalmente é outra coisa, mas não em nome do mandato!”

Na conversa, o vereador foi lembrado que estava desrespeitando uma diretriz do partido, e pondo em risco sua eleição para a presidência local, já que as mulheres são maioria. Eustáquio chegou a dizer que “não precisava dos votos das lésbicas, dos gays e nem dos macumbeiros”. Quanto à audiência pública, a sugestão oferecida a ele foi de transformae o evento em um seminário organizado em alguma igreja ou comunidade pelo cidadão Luiz Eustáquio, e não pelo parlamentar. “Ele concordou que nossos argumentos eram relevantes e suspendeu a audiência pública”, disse Jadion, lembrando que isto não evitou que o vereador perdesse a indicação para o cargo que pleiteava.

Nossa conversa com Jadion foi pelo celular, e ela se encontrava em Brasília, para participar do Encontro Nacional de Mulheres do PT, em que se fará, neste fim de semana (17 e 18), a eleição da nova Secretaria Executiva. A chapa por ela defendida, “Feminismo pra valer!”, está levando para este Encontro uma proposta radical, que vem sendo tentada há algum tempo, sem sucesso. Jadion explica que a proposta é expulsar do partido parlamentares que usam o mandato para combater a descriminalização do aborto. Ela compreende a dificuldade de colocar isto em prática, já que a legislação eleitoral -que garante o exercício do mandato eletivo- pela nova regra retira o mandato de parlamentares que mudam de partido. Mas argumenta que a decisão das mulheres do PT teria pelo menos um efeito de intimidação:

“Sou mulher, feminista e negra. O partido entra na minha vida como um lugar sagrado de exercício de poder. É o lugar que legitima meu poder, por isto estou em um partido. Mas o meu partido não pode deixar de fazer o que tem que fazer”.

Tudo indica que no Recife a entrada da exposição do Brasil Sem Aborto encontrará um somatório de resistências mais eficaz. Estaremos de olho.

Angela Freitas/ Instituto Patrícia Galvão

Fonte: Mulheres de Olho
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