maio 15, 2008

Da pílula ao Viagra

OPINIÃO FSP: Da pílula ao Viagra
(13/5/2008)

Folha de São Paulo
MARCOS NOBRE

FOI COM O surgimento da pílula anticoncepcional nos anos 1960 que a vida sexual se separou pela primeira vez da reprodução e da família.

Mas a independência que a pílula possibilitou às mulheres não significou que a decisão autônoma sobre o corpo fosse aceita pela cultura machista dominante. Homossexuais conseguiram se contrapor à censura secular da desvinculação de sexo e reprodução, mas isso não eliminou a violência contra sua opção sexual.

Muito do reconhecimento social alcançado hoje se deve às lutas de movimentos de mulheres e de homossexuais contra a discriminação e o preconceito. Mas, curiosamente, também aos interesses comerciais dos laboratórios.

Tratar o sexo como questão médica foi o que tornou em boa medida socialmente aceitável a desvinculação de sexo e reprodução. Pois do outro lado da trincheira estavam nada menos do que religiões importantes que se opunham -e se opõem até hoje- ao uso de métodos contraceptivos.

Quarenta anos depois do surgimento da pílula, o mesmo se deu com os medicamentos para combater a chamada disfunção erétil, dos quais o primeiro foi o Viagra.

Também aqui os interesses dos laboratórios conflitaram com um preconceito persistente que vem da velha ligação entre sexo e reprodução: o de que envelhecer é sinônimo necessário de fim da vida sexual. E é mais uma vez o discurso médico que vem socorrer quem não aceita que o sexo acaba aos 60.

Mas essa história tem também retrocessos importantes. Entre a pílula e o Viagra surgiu a Aids e, com ela, um sem-número de políticas contra as liberdades sexuais. A Aids foi e continua a ser utilizada pelo conservadorismo como estratégia para tentar cimentar novamente sexo e reprodução.

Também nesse caso a preservação das liberdades sexuais não depende apenas da mobilização social. Depende, em grande medida, dos interesses da indústria farmacêutica e do discurso científico da medicina, mesmo se uma vacina é hoje um sonho ainda distante.

A encenação contestadora da década de 1960 não poderia imaginar que suas bandeiras viriam a depender do mercado e do discurso científico para seguirem sendo atuais.

Porque há de fato um conflito de base entre essas duas lógicas. Um exemplo recente é o do licenciamento compulsório de anti-retrovirais (que a indústria farmacêutica chama de quebra de patente) para tratamento da Aids.

Pode ser que chegue o dia em que os interesses comerciais e a ciência não sejam mais necessários para defender liberdades. Mas, por ora, uma coisa está imbricada na outra. E não só no caso da vida sexual.

nobre.a2@uol.com.br

MARCOS NOBRE escreve às terças-feiras nesta coluna.
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