Foto publicada no jornal O Liberal
Escárnio: Fazendeiro mandante do assassinato de Dorothy Stang comemora absolvição
Casos como a absolvição de Bida e o embate na reserva indígena RaposaSerra do Sol mostram uma Amazônia de conflitos permanentes. Números revelam que mais de 70% dos casos não são sequer investigados.Bruno Calixto
Mais de 70% dos assassinatos registrados no Pará desde a década de 1970 não foram sequer investigados pela polícia, de acordo com um levantamento da Comissão Pastoral da Terra (CPT). Segundo a CPT, de 1971 a 2007, ocorreram 819 assassinatos no campo no Pará, sendo que apenas 22 foram julgados, com a condenação de sete mandantes e treze executores.
A CPT diz que apenas um único mandante estava preso. O fazendeiroVitalmiro Bastos de Moura, o Bida, que foi absolvido na noite de terça-feira (8) pelo Tribunal do Júri de Belém. Bida é acusado de ser o mandante do assassinato da freira norte-americana naturalizada brasileira Dorothy Stang, em fevereiro de 2005.
Dorothy Stang foi assassinada com seis tiros no dia 12 de fevereiro de 2005, em Anapu, no Pará. O fazendeiro Bida foi acusado de ser mandante do crime e condenado a 30 anos de prisão no dia 15 de maio de 2007. No julgamento desta terça-feira, foi absolvido por cinco votos a dois. A CPT e o Ministério Público Federal vão recorrer da sentença, inclusive pela suspeita de pagamento para que as testemunhas e suspeitos mudem seus depoimentos. "Durante o processo, sucedeu-se de uma forma incomum a criação de novas versões dos fatos em diferentes momentos. Um fato que levanta muitas suspeitas, Elizabeth Coutinho, esposa de um dos suspeitos, afirmou em juízo que recebeu cerca de R$ 100 mil de Bida, por supostas dívidas", informa a Comissão Pastoral da Terra em nota pública. A impunidade também preocupa a Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), que tem três bispos ameaçados de morte na Amazônia: Dom José Luiz Azcona, Dom Erwin Kräutler e Dom Flávio Giovenale. Dom Erwin, bispo de Altamira-PA, vive sob proteção policial, e denúncias indicam que ofereceram mais de 1 milhão pela morte dele. Em matéria publicada em março pelo Amazonia.org.br, o bispo explica que a ausência do estado e agrilagem resultam em conflitos pela terra. "Se assumimos a defesa pelo meio ambiente e pelos povos indígenas, contrariamos interesses de ruralistas", disse.
Outro estudo da CPT mostra que 54% de todos os conflitos por terra no Brasil ocorreram na Amazônia. A questão fundiária e a expansão do agronegócio são os principais acusados de aumentar a tensão na região, por afetar comunidades tradicionais e desmatar a floresta. Um exemplo de conflitos entre comunidades locais e setores produtivos está acontecendo em Roraima, na disputa por terras entre índios e arrozeiros na Reserva Indígena Raposa Serra do Sol.
Raposa Serra do Sol
O Conselho Indígena de Roraima (CIR) anunciou na quarta-feira (8) que os alunos de escolas indígenas de todo o estado de Roraima deixarão de assistir aulas por tempo indeterminado, como forma de protesto e repúdio aos atentados sofridos por membros da comunidade na Terra Indígena Raposa Serra do Sol. Essa medida foi uma resposta, por parte das comunidadesindígenas, dos atentados sofridos por índios da reserva no início dasemana.
Na segunda-feira (5), dez índios da reserva foram baleados por "jagunços do líder dos arrozeiros Paulo César Quartieiro", segundo o CIR. Quartieiro alegou que seus funcionários dispararam os tiros em legítima defesa a uma tentativa de invasão à fazenda Depósito, propriedade sua, mas que fica dentro da terra indígena. Segundo Quartieiro, que é prefeito do município de Pacaraima, os índios teriam chegado atirando flechas nos funcionários da fazenda.
Quartieiro foi preso no dia seguinte (6), em flagrante, por porte de artefatos explosivos de fabricação caseira. Segundo a Polícia Federal, é necessário autorização do Exército para manuseio desse tipo de artefato.
A Terra Indígena Raposa Serra do Sol foi homologada pelo governo federal no dia 15 de abril de 2005, mas até 27 de março de 2008, quando foi anunciada operação da Polícia Federal para a retirada dos não-índios, adecisão não tinha sido cumprida. Os não-índios, principalmente ligados a proprietários rurais que produzem arroz na terra indígena, resistem à retirada armados com coquetéis molotov, arcos, flechas e cassetetes.
Tensão e indignação
O clima de tensão vem aumentando na região no último mês. Os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), no dia 9 de abril, decidiram por unanimidade suspender a ação da Polícia Federal na reserva. A operação continua parada desde então. A ação foi baseada em um documento protocolado no STF que solicita que os não-índios fossem mantidos no local até que a Justiça decida sobre ações contra a homologação da terra indígena.
Ontem (8) o Ministro do STF Carlos Ayres Britto negou um pedido da União e da Fundação Nacional do Índio (Funai) para a expedição de um mandato de busca a apreensão de armas e explosivos na reserva. O ministro alegou que o pedido deveria abranger a busca e apreensão de armas que estivessem também em posse dos índios.
Na manhã de hoje (9) conselheiros da Ordem dos Advogados do Brasil sobrevoaram a reserva e colheram depoimentos sobre a situação na região. Espera-se que em até três semanas o STF tenha uma decisão sobre a legalidade da permanência de não-índios em Raposa Serra do Sol.
Segundo a Comissão Pastoral da Terra, casos como a absolvição do Bida e os desrespeitos aos direitos dos índios de Raposa Serra do Sol mantém a situação de impunidade na Amazônia. "É aí que a perplexidade se torna indignação", conclui.
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