janeiro 11, 2009

No papel almaço

Anibal Beça
No papel almaço

Anibal Beça ©

Todos chegam ao seu destino
exceto os meus passos ao meu país.”

Murid Al-Barghouti
trad. de Albano Martins

Oh, quão grande é o desejo de viver
para aqueles que irão morrer.”

Lea Goldberg

Trad. Eliana Rosa Langer

It is equal to living in a tragic land
To live in a tragic time.”


Wallace Stevens
.

À frente a lauda em risca do papel almaço
essa invenção antiga para letras tortas
que eu fui buscar temendo pelo descompasso.

Caneta-fonte à mão abre essa comporta
a borboleta azul pousa na espuma d’água
e um rio nervoso passa o fio da faca às costas

e penteia ou melhor, escarifica mágoas.
em cabeças de pelos rebeldes em cachos.
melenas enroladas de anjos sem suas asas.


Meus olhos não suportam mais a claridade
as sombras se aninharam pássaros no albergue
e os ouvidos só ouvem coma sem alarde

semitonando tons desafinando estepes.
São uivos e assovios de lobos seculares
que sabem da carniça no concerto breve.

Zíngaros violinos sangrando nas tardes
para ventres dançantes de salomés anêmicas
estas mães parideiras de parentes primos.

Vizinhos e irmãos seremos para sempre
mesmo sem o bom-dia cordial dos dias
não há tijolos para se fazer paredes

O barro somos nós em nossas cercanias
essa argila animando o cimento vital
para esse palco único, a sós, nas coxias.

Talvez por mal-traçada, essa rima atonal
não vingue nos ouvidos bem-aventurados.

A Fé desses foguetes cheira muito mal.
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