Nota do blog: A mensagem do Arthur Leandro pela aprovação do Estatuto da Igualdade Racial (postagem anterior) me levou ao seu blog Criados-Mudos, nascidos na ditadura militar. Arthur narra um episódio da sua vida pessoal, em Belém-PA, em plena ditatura militar, quando um oficial das forças armadas o humilhou publicamente, tudo porque ele resolveu perguntar qual seria o futuro dos ribeirinhos e pescadores, que apareciam nas imagens mostradas pelo "milico", depois da construção da barragem de Tucuruí. Isso me levou a pensar sobre o futuro de uma das comunidades históricas que habitam as margens do Puraquequara-AM, abaixo de Manaus, na calha do rio Amazonas. A população vem enfrentando o mau-humor dos militares do Exército Nacional, ali instalados para a prática de guerra na selva. Manaus não só está de costas para o rio, como não conhece a história das suas comunidades. A história da pressão, humilhação e desrespeito à legislação brasileira está por ser contada. Gente humilde está sendo privada de plantar, fazer roçado, e até mesmo cultuar seus mortos. O pequeno cemitério do lugar teve suas terras "confiscadas". Uma criança morreu ao detonar, acidentalmente, um explosivo encontrado na região. Para não ser pressionada, a família da criança sumiu do lugar. Professores ministram aulas sob o barulho de balas. Os moradores são compulsoriamente envolvidos nos treinos de guerra na selva, sem que lhes tenha sido perguntado se eles desejam ser objeto de treinamento. Desta vez, perdeu-se a compostura. Os ribeirinhos e pescadores estão sendo pressionados a sair da região que lhes pertence. Há títulos de propriedade de 1903. Sob a alegação de que esses títulos caducaram, a população está sendo convidada a se instalar em um assentamento do INCRA. Esse flagrante desrespeito aos direitos humanos será contado aqui neste blog, pela narrativa de uma das lideranças da região, cujo pai, idoso, depois de ter sido humilhado, migrou para a Colônia Antônio Aleixo, no lago do Aleixo, onde morreu de tristeza. O Ministério Público certamente só se pronunciará se provocado. Lástima!
Sobre o 'Criados-Mudos'
Criado-mudo, móvel quase sem utilidade... O termo "criado-mudo" se deve ao fato de que a mesa de cabeceira serve como auxiliador, portando objetos os quais não se pretende carregar. Tal função era cumprida por mordomos e criados entre pessoas ricas. Por ser um objeto inanimado e ter utilidade prática equivalente à de um mordomo, é chamado de criado mudo.crado, de criação....criado de criadagem..., subserviência...
Eu nasci em 1967, e cresci sob o regime do medo...
Lembro de um fato na escola, devia ter uns 11 anos, foi tipo em 78... era na época que o governo fazia palestras nas escolas publicas do Pará sobre a construção da hidroelétrica de Tucurui. Eu estudava no Núcleo Pedagógico Integrado que é a escola da UFPA, universidade onde minha mãe era professora de filosofia [departamento monitorado como foco de resistência]. E quando vieram palestrar no NPI eu me arvorei a fazer 1 única pergunta.... Nas imagens que mostravam de Tucurui apareciam vários pescadores e outros ribeirinhos, e eu perguntei o que iria acontecer com essas pessoas. O palestrante - depois soube que era oficial das forças armadas - me levou pra frente da plateia de 300 estudantes e me apresentou como 'representante do pensamento que quer o atraso nacional', e passou uns 10 minutos - pra mim uma eternidade onde eu tentava o controle emocional pra não chorar - falando como gente como eu impedia o progresso... Depois que voltei pro meu lugar, perguntou a platéia se peferiam manter 20 pescadores em suas palafitas num fim de mundo ou o progresso da eletricidade que ia beneficiar milhares de pessoas... A aclamação pela eletricidade é óbvia, e eu passei um tempo sendo chamdo de atraso nacional por lá.
Também era óbvio que eu nada falava desse epsódio, pra mim era constrangedor e não comentei nem em casa que eu havia sido ridicularizado e humilhado publicamente na escola. Mas uns 15 dias depois minha mãe chega possessa em casa perguntando o que eu tinha feito.... Ela - que não sabia do fato - tinha sido convocada a comparecer na sala do reitor, onde estavam presentes o dito oficial palestrante e policiais federais que lhe pediam explicações da minha pergunta...., pois aquilo não era pergunta para uma criança de 11 anos, e se eu tinha me manifestado daquele jeito era porque eu escutava essas coisas em casa e a origem do questionamento deveria ser ela, que era do 'antro subversivo' da filosofia e ciências humanas... Ela, deveras astuta, se livrou da pressão na reitoria da UFPA dizendo qualquer coisa assim 'eu não sei o que está acontecendo com esse menino, nem quem pode ter colocado essas coisas na cabeça dele, mas fiquem tranquilos que eu vou tomar providências, pois vocês estão certos e isso não é pergunta que se faça'... E a mim ela disse que se orgulhava da minha percepção humanista diante da propaganda técno-progressista, mas que esses questionamentos fossem feitos a ela ou a pessoas de confiança dela, jamais em público... Que vivíamos numa ditadura e questionamentos críticos em público podiam prejudicar todos ao meu redor.
Pra mim a coisa toda foi entendida mais ou menos assim.... 'se eu falar o que não se fala minha mãe será presa e demitida, eu posso até pensar, mas não posso falar'.... dai em diante fui 'criado mudo'....
Dessa experiência pessoal é que vem a idéia de fazer os criados-mudos... E também é evidente que quando eu senti que eu podia, comecei a falar... e a esculachar..., pois se eu tive que ser subserviente pra sobreviver, isso foi apenas um período da minha vida, aliás um período da história brasileira que eu faço questão de relembrar e de tornar conhecido das gerações mais novas. http://www.criados-mudos.blogspot.com/2009/03/imprima-copie-cole.html
O trabalho é coletivo, e até posso dizer que é anônimo, pois recebo fotos de gente que eu não conheço e vindas de várias cidades, mas eu imagino que essas pessoas tenham vivido situações semelhantes, pois aderem a proposta - se manifestam.
E como os cartazes estão disponíveis na internet, espero que sejam impressos e colados em lugares públicos, e que ter contato com os cartazes nesses lugares possa provocar a reflexão sobre os anos de chumbo...
O Criados-Mudos é parte de uma mobilização nacional de artistas e eu posso dizer que o que nos une é a valorização [e contra qualquer violação] dos Direitos Humanos, e a preservação da memória da história recente brasileira. Nossa articulaçnao começou numa conversa minha com a Lúcia Gomes, ela havia se manifestado quando da prisão da adolescente na cela com 20 homens em Abaetetuba, e tava fazendo um trabalho nos banheiros públicos de Belém, e esse trabalho tem a memória da ditadura como tema... e ambos estamos indignados com a publicação de textos saudosistas e que amenizam a violência dos [governos] militares, e resolvemos provocar a reação, afinal os artistas também foram peça-chave para a reação. contestação da ditadura.
E viva Cacilda Becker, estamos todos na Roda-viva....
Arthur Leandro
PICICA - Blog do Rogelio Casado - "Uma palavra pode ter seu sentido e seu contrário, a língua não cessa de decidir de outra forma" (Charles Melman) PICICA - meninote, fedelho (Ceará). Coisa insignificante. Pessoa muito baixa; aquele que mete o bedelho onde não deve (Norte). Azar (dicionário do matuto). Alto lá! Para este blogueiro, na esteira de Melman, o piciqueiro é também aquele que usa o discurso como forma de resistência da vida.
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