janeiro 04, 2011

Dilma: a esquerda chega ao poder (Congresso em Foco)

Missão cumprida - Imagem postada no álbum do FB de Vanessa Ottoni de Brito

Dilma: a esquerda chega ao poder

Para o deputado Arlindo Chinaglia, a nova presidenta é a primeira representante de esquerda de fato a chegar ao poder no país. A dimensão disso na condução do país, porém, dependerá do peso que terão as forças mais conservadoras num governo de coalizão

Fabio Pozzebom/ABr
Dilma é a primeira chefe de Estado brasileira de origem socialista revolucionária
Rudolfo Lago

O deputado Arlindo Chinaglia (PT-SP) disse que só um momento o emocionou de fato no discurso de posse da presidenta Dilma Rousseff: a menção que ela fez à memória daqueles que tombaram na luta contra a ditadura militar. No coquetel oferecido para convidados no Itamaraty na noite de sábado, após as solenidades da posse, Chinaglia repetia que era a primeira vez, desde a derrubada da ditadura e a redemocratização do país, que um chefe de Estado homenageou em discurso aqueles que morreram no combate ao regime de arbítrio dos militares. Mais do que isso, Dilma demonstrou todo seu orgulho de ter participado da geração que pegou em armas contra ditadura, seja pelas palavras no seu discurso, seja por gestos, como o convite que fez às suas 17 companheiras de cela no período em que ficou presa em são Paulo no Departamento de Ordem Política e social (Dops) em São Paulo.

- É a primeira vez que se dá o devido valor à importância que essa resistência à ditadura teve – comentava Chinaglia.

No discurso de Dilma, na presença das senhoras que estiveram presas com ela, Chinaglia enxergava a chegada ao poder, pela primeira vez, de uma representante de fato do que se convencionou chamar de esquerda: o grupo de pessoas que acreditou numa saída revolucionária, socialista, para o mundo. Gente como o próprio Chinaglia.

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A história da reconstrução democrática brasileira começa com Tancredo Neves. Tancredo era um político conservador. Combatia a ditadura pelo fato de ser um democrata convicto, por acreditar que o melhor para a condução de um país é o sistema de pesos e contrapesos da democracia, com suas vozes de apoio aos governos e de oposição. Tancredo morreu antes de chegar ao poder e entregou o país a quem nem mesmo essa convicção tinha. Antes de romper com o regime militar e formar a coalizão que o tornou vice de Tancredo, José Sarney era ninguém menos que o presidente do PDS, o partido que apoiava a ditadura.

Fernando Collor não tinha qualquer ligação com qualquer grupo que tenha combatido a ditadura. Chegou a ser filiado ao PMDB, mas depois de redemocratização. Sua vitória na primeira eleição direta após a ditadura foi produto especialmente da inovação que trouxe: o uso do marketing, capaz de captar e produzir as frases de efeito que melhor traduzem no momento o que o povo quer ouvir. Artificial como um refresco de pacote, Collor durou o tempo que duram as coisas artificiais. Dois anos depois, estava deposto do poder. Sucedeu-o Itamar Franco, outro político de caráter mais conservador e convicção democrata, semelhante a Tancredo.

A primeira guinada mais à esquerda deu-se com Fernando Henrique Cardoso. Intelectual que produziu alguns dos principais conceitos acadêmicos usados pela esquerda para explicar o Brasil durante a ditadura, Fernando Henrique, porém, optou por uma aliança mais liberal e conservadora, ao se unir ao PFL no governo.

Mesmo para um petista como Chinaglia, a chegada de Lula não representou exatamente a chegada da esquerda ao poder. “Lula é, como todo sindicalista, um reformista. Ou seja, alguém que luta para obter ganhos para a sua classe, mas sem romper com as estruturas. Ele nunca foi um revolucionário”, explica Chinaglia. “Sua visão socialista é mais a de um verdadeiro cristão”, diz Chinaglia. Ou seja: alguém que luta por melhorias sociais com a visão de que a desigualdade é algo cruel e injusto.

“Dilma é a primeira presidenta brasileira que, pelo menos em um momento da sua vida, acreditou que a saída para o país e para o mundo era revolucionária”, analisa. “Nesse contexto, sua trajetória política é ainda mais rica que a de Lula. Ela pagou um preço mais caro pela defesa das suas convicções”. Quando jovem, Dilma engajou-se em duas organizações clandestinas de esquerda que pregavam a revolução marxista e a luta armada no combate à ditadura militar na década de 60: o Comando de Libertação Nacional (Colina) e a Vanguarda Armada Revolucionária Palmares (VAR-Palmares). Foi por esse envolvimento que Dilma foi presa e torturada primeiro na Operação Bandeirantes e depois no Dops.

Durante a campanha, a exploração do passado revolucionário de Dilma foi explorado de modo esparso. Foi usado para designar que ela era uma mulher de coragem, mas com uma certa desidratação do aspecto político, para agradar a parcela majoritária conservadora da sociedade brasileira. Os discursos e os gestos da posse mostram, porém, que Dilma não tem agora nenhum intenção de esconder seu passado. No trecho de “Grande Sertão, Veredas”, de Guimarães Rosa, que citou em seu discurso, ela fala em “coragem”. Um dos encontros reservados que teve após a posse, antes do coquetel no Itamaraty, foi com suas 17 companheiras de cela. Um político de oposição recebeu dela tratamento especial: o deputado José Aníbal (PSDB-SP), seu companheiro de clandestinidade do movimento político em Belo Horizonte, na década de 60. “Faço questão que você conheça minha mãe”, convidou Dilma, dirigindo-se a Aníbal. O que ele representará, porém, no contexto da condução do governo dependerá da força política que terão seus parceiros mais conservadores num governo de coalizão.

Chinaglia exemplifica com um dos pontos mais delicados do acerto de contas que o país precisa fazer com seu passado: a abertura dos arquivos da ditadura. Países que viveram regimes militares ainda mais duros que o brasileiro, como Argentina e Chile, fizeram esse acerto, com a publicação de documentos e a punição dos que cometeram abusos. No Brasil, o acerto político feito na redemocratização não apenas anistiou envolvidos de ambos os lados pelo que fizeram durante a ditadura. O mais grave é que gerou uma zona de sombra sobre mais de vinte anos de história brasileira: o que se fez, como se fez, em nome do quê, e mesmo quem morreu, em que circunstâncias, de que forma, é algo que o país não sabe. O perfil de Dilma poderia vir a significar uma aceleração, afinal, desse processo de abertura desses arquivos. Chinaglia, porém, não acredita nisso. “Isso é um assunto que não deve partir dela, como presidenta da República. Tem de vir da pressão da sociedade”, considera. 

http://congressoemfoco.uol.com.br/noticia.asp?cod_canal=21&cod_publicacao=35731

Fonte: Blog da Dilma

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