PICICA: Há muito o que aprender com o movimento gay, companheiros da luta antimanicomial. Sem ocupar os espaços públicos não reverteremos o avanço do higienismo no país. No curso da história a Parada Gay incorporou novas categorias, radicalizando a defesa dos direitos humanos.
Direitos humanos: Ousar vale a pena
Saiu neste domingo, no New York Times, uma reportagem de muito interesse
para todos os que estão ligados em direitos civis e, especialmente, em
cidadania LGBT. O texto é longo, cheio de recovecos, estilo New York
Times de domingo, razão pela qual prefiro fazer uma breve paráfrase e
partir para as conclusões que quero tirar. Antes que alguém me lembre,
deixo claro que estou consciente de que Brasil e EUA são dois países
diferentes. Creio, no entanto, que essas diferenças reforçam, em vez de
debilitar, as conclusões que quero oferecer aqui. As razões se seguem.
No dia 24 de junho de
2011, o parlamento de Nova York aprovou o casamento gay. Quatro
senadores Republicanos (nos EUA os estados possuem Senados) romperam com
o partido e votaram a favor da medida, oferecendo a margem necessária
para a aprovação da lei. Todos eles haviam sido eleitos com o endosso do
Partido Conservador, de ultra-direita – o mais influente entre todos os
“terceiros partidos” no estado de Nova York. Dois deles, pelo menos,
não teriam sido eleitos sem esse endosso.
Stephen Saland, Roy
McDonald, Jim Alesi e Mark Grisanti, os quatro Republicanos que
garantiram a aprovação do casamento gay em Nova York, estão bem longe de
serem progressistas. No Brasil, eles estariam transitando na órbita do
DEM, do PR, do PP, ou seja lá qual for o partido considerado de direita
neste momento no Brasil, um país onde ninguém se diz de direita.
McDonald é banqueiro, Alesi é empresário e Grisanti só derrotou o seu
adversário, afro-americano e democrata – num distrito em que os
democratas são uma maioria de 5 por 1 contra os Republicanos e 40% da
população é negra – porque, na época, ele se declarou contrário
ao casamento gay, defendido pelo seu oponente. O apoio ao casamento gay
é baixo entre a população negra e Grisanti teve uma porcentagem do voto
afro-americano impensável para um Republicano branco.
Todos os quatro foram
declarados cadáveres políticos quando deram seu voto no dia 24 de junho
e, de todos eles, Grisanti é o único cuja reeleição está em perigo. A
reeleição de qualquer Republicano estaria em perigo num distrito em que
os Democratas são maioria de 5 por 1. Mas, se Grisanti for reeleito,
terá sido justamente porque mudou de ideia e votou a favor do casamento gay.
Hoje, nos EUA, já é possível dizer que o casamento gay é uma bandeira palatável para conservadores. O apoio ao casamento igualitário subiu, em menos de dez anos, de 32% em 2004 para 53% hoje. Em estados como a Califórnia, esse apoio chega a 59%.
Como o poder aquisitivo entre a população gay é superior à média, os
quatro Republicanos que desobedeceram seu partido se viram recebendo
doações eleitorais inauditas. A conclusão do New York Times, depois de
longa pesquisa: votar a favor
do casamento gay, mesmo que você seja um político Republicano do
interiorzão, não é o risco que costumava ser há uns anos. Os quatro
dissidentes não têm a reeleição garantida. Mas, se eles perderem,
provavelmente será apesar, e não por causa, de seu voto pelo casamento
igualitário.
O contexto brasileiro
é diferente, mas as lições ficam. Nota-se hoje, no Brasil, a mesma
tendência a sobreestimar o conservadorismo da população, a mesma boba
premissa de que as posições conservadoras no eleitorado, se
majoritárias, serão inamovíveis, a mesma pintura exagerada do poder dos
teocratas e, no caso das forças chamadas progressistas, a mesma covardia
que caracterizou o Partido Democrata nestas questões até alguns anos
atrás (e que continua caracterizando-o em outras matérias, como o tema
Israel, por exemplo).
Pois bem, em pesquisa
realizada em meados do ano passado, depois de toda a fúria teocrata das
eleições de 2010, antes de qualquer campanha educativa, sem nenhuma
discussão arejada do assunto nos meios de comunicação de massa, em plena
neura acerca do misterioso “poder” de uma bancada religiosa que reúne
pouco mais de 10% da Câmara (e menos de 10% do Senado), quase a metade da população brasileira (45%) apoiava a união civil de homossexuais aprovada pelo STF.
Alguém imagina qual seria esse percentual se as lideranças da chamada
esquerda resolvessem realmente liderar uma campanha de esclarecimento
sobre o assunto? Alguém pode medir o impacto de uma declaração de figura
importante da política brasileira que repetisse o conservador Roy
McDonald, do Partido Republicano de Nova York, que afirmou que a
marginalização que sofriam seus dois netos autistas, por analogia,
tornou para ele impossível votar de forma a marginalizar gays e
lésbicas? Alguém já parou para pensar o que aconteceria se o governo
realmente tomasse iniciativas que garantem direitos iguais para gays e
lésbicas, fundamentando-as com remissão sistemática ao texto da
Constituição Federal, que estabelece a igualdade de todos perante a lei?
Este blogueiro
acredita que é muito mais produtivo fazer e cobrar essas perguntas que
ficar eternamente justificando a inação governamental com o argumento de
que estamos em um governo de coalizão e que a população é conservadora.
A população é menos conservadora do que se imagina, e seu
conservadorismo só se conserva porque aqueles que supostamente seriam
responsáveis por transformá-lo se acomodam aos limites do possível.
Fonte: Outro Olhar
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