A Crise na Indústria
PICICA: "Uma problemática posta nos termos de "recuperemos a indústria nacional" é balela. É preciso reinventar a indústria no Brasil, não aumentar a importância relativa de sua (super)produção em relação à (super)produção geral da nação. Se os planos de recuperação da indústria do governo atual parecem farsescos - e em certa medida demagógicos - sua macroeconomia tem sido sábia, embora falte muito para se conseguir praticar a reinvenção industrial que precisamos. No entanto, uma oposição que discursa - pela falta de discurso - sobre "desindustrialização" está, na verdade, sem discurso."
A cena clássica de Tempos Modernos |
Em um
primeiro momento, a questão industrial brasileira não é um problema
exclusivamente macroeconômico e atual, mas parte relevante da nossa
problemática histórica. Vejamos, o Brasil se industrializa tarde demais,
depois dos esforços homéricos de Mauá contra toda uma legião de
obscurantistas, uma República Velha inteira privilegiando os interesses
de cafeicultores em detrimento de todos os demais setores e, só nos anos
30, há algum oxigênio.
A
radicalização do processo de industrialização em Vargas é a combinação
de várias coisas: a doutrina de gestão estatal direta e total somada, ao
sabor da época, à construção de um mercado interno para substituir um
mundo que ruía por conta da crise de 29. É também o início do casamento
entre o capitão-da-indústria do Sul Maravilha com o Coronel do Norte, o
segundo enviando mão-de-obra barata para se aliviar da pressão por
reforma agrária, o segundo abrindo os braços.
O
desenvolvimento no pós-guerra encontra algumas chaves, a primeira é a
entrada forçada do capital internacional depois da morte de Vargas - em
um processo conexo -, o modelo carrocêntrico de JK - que é fator
determinante para o escoamento da produção e, ao mesmo tempo, para
determinar a própria dinâmica de produção - e, como fecho, a organização
corporativista encabeçada pela Ditadura em articulação com a FIESP, a
modernização do sistema financeiro com a instituição do BACEN entre
outras coisas.
O tripé
capital estatal/capital nacional/capital estrangeiro, a política de
Estado nacional-desenvolvimentista e tudo mais fale em um determinado
momento: para além dos boicotes estrangeiros para o desenvolvimento de
uma indústria de ponta no Brasil, o fato é que aquilo que sai de todo
esse processo é um indústria ineficiente, dependente da tutela estatal -
e do constante financiamento - pouco competitiva.
O dilema
dos anos 90 para cá é o que fazer com a indústria. Collor e FHC
preferiram abrir a economia, dar um choque de mercado fazendo-as
competir com a indústria internacional - muito mais eficiente e, ainda,
gozando de condições macroeconômicas mais vantajosas - para produzir uma
seleção natural. O impacto geral foi a modernização do grande capital
industrial, em geral o multi ou transnacional, o colapso da pequena
indústria, uma maré de desemprego que pôs em xeque o mercado interno já
atrofiado. Controle de preços a um custo alto.
O fato é que existe de um lado uma demanda não só por mais e melhores produtos como, também, por preços equilibrados no mercado interno - o que nem sempre a indústria nacional deu conta, diga-se. Por outro lado, é necessário manter empregos e renda, não é possível desmobilizar a indústria nacional ou a expor como feito nos anos 90, de Collor a FHC.
O governo petista conseguiu um equilíbrio grande nisso, ainda que surjam n problemas. Foi beneficiado, inclusive, pelo boom do setor de serviços - o que é uma tendência real e presente da economia capitalista - e da agricultura - em termos não muito satisfatórios em termos da organização do trabalho nas zonas agrícolas, mas que representou equilíbrio dos preços de produtos alimentícios e, ainda, gerou saldo positivo na balança comercial.
A indústria, nesse sentido, perdeu espaço relativo de forma indolor porque os preços estão estáveis e o desemprego está baixo. O maior problema dela é, hoje, sua ineficiência em gasto de energia e toda problemática que envolve o modelo de transporte da produção - que importa em produção de transporte também.
Não é um fenômeno exclusivamente brasileiro, diga-se de passagem, essa tendência - com a indústria chinesa recepcionando fábricas de todas as bandeiras e marcas - é global. A corda da superprodução - cuja origem é a criação de demandas socialmente inúteis - em escala global, é claro, passa pelo esgotamento ambiental e social, principalmente por parte da indústria.
Uma problemática posta nos termos de "recuperemos a indústria nacional" é balela. É preciso reinventar a indústria no Brasil, não aumentar a importância relativa de sua (super)produção em relação à (super)produção geral da nação. Se os planos de recuperação da indústria do governo atual parecem farsescos - e em certa medida demagógicos - sua macroeconomia tem sido sábia, embora falte muito para se conseguir praticar a reinvenção industrial que precisamos. No entanto, uma oposição que discursa - pela falta de discurso - sobre "desindustrialização" está, na verdade, sem discurso.
Fonte: O Descurvo
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