abril 29, 2012

"Sobre Quotas e o STF", por Hugo Albuquerque

PICICA: "A um primeiro olhar, aquilo que se constitui em uma derrota do DEM, somado a uma simultânea vitória do movimento negro, só pode se tratar de uma boa nova, mas, para variar, o buraco é mais embaixo. Vemos aqui, o velho problema do agigantamento gradual do STF como espaço de captura do debate político."

Sobre Quotas e o STF 

Plenário do STF durante o julgamento
A notícia do momento trata do fato de que o STF decidiu, por unanimidade, que as quotas raciais são constitucionais ao julgar ação movida pelo Democratas contra o referido mecanismo de inclusão  -  o que, provavelmente, já deve ser a quinta  morte do referido partido, se contarmos a queda de José Roberto Arruda do governo do Distrito Federal, a hecatombe eleitoral sofrida nas eleições de 2010, o racha que deu origem ao PSD e a implosão de Demóstenes Torres no escândalo Cachoeira.

A um primeiro olhar, aquilo que se constitui em uma derrota do DEM, somado a uma simultânea vitória do movimento negro, só pode se tratar de uma boa nova, mas, para variar, o buraco é mais embaixo. Vemos aqui, o velho problema do agigantamento gradual do STF como espaço de captura do debate político.

Para muito além do aumento da importância daquele tribunal em virtude da Emenda nº 45 de 2004, existe uma tendência à neutralização, até mesmo, das arenas de mediação política do próprio Estado para a redução da luta ao meramente judicial - a retirada dos embates do campo da disposição, ainda que mediada, para a sua reinscrição na linguagem da dívida infinita. 

O governo não compra brigas, não entra em polêmicas, apenas defende certas posições via AGU - junto com sua capacidade ímpar de fazer lobby junto aos ministros - e resolve as questões por meio máquina transcendente do STF. A oposição não confronta diretamente nada, mas apela para a transcendência da lei: uma confrontação que, no campo da política, jamais seria inciada pela inevitável pecha de racismo, acaba mascarada pelo aparato legal.

O que parece uma astúcia interesantíssima do atual governo, dadas as suas posições razoáveis no campo social e dos direitos civis, é, na verdade, uma redução que se envereda por um caminho perigoso: as decisões do STF variam entre o óbvio e o descalabro, mas elas estão disfarçadas pela névoa neutra da lei  (isto é, o pendulo que varia entre o poder de veto dos sábios até a benevolência da outorga). 

A Constituição, enunciada como uma divindade pelos ministros-oráculos, poderia dizer que os negros continuariam apartados da Universidade, mas também poderia, como o fez, tomar a voz dos excluídos e fazer uma luta ganha pelos próprios quotistas - que desmistificaram toda sorte de argumentos contra si nos últimos anos - passar a ser sua: o STF ratificou as quotas e só isso importa.

Na prática, a verdade histórica produzida pelos quotistas negros e pelos quotistas do Prouni, enquadrados por critério social - em que pese a consideração étnica em enquadramento subsidiário - é que eles próprios constituiram a desmistificação da névoa ideológica usada contra si e por isso forçaram o sistema, por meio dessa ratificação, a absorver-lhes na tentativa de lhes capturar pela impossibilidade de uma exclusão estanque determinada pela sua própria resistência.
Essa absorção é estratégia de sobrevivência da Ordem, mas gera um risco dentro de si, ao seu funcionamento interno, com o qual ela será obrigada a conviver de agora em diante. No mais, ainda resta o bônus que o presente processo ajudou a levar consigo o que há de mais ofensivo em termos de partido grande brasileiro.
 
Fonte: O Descurvo

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