PICICA: "A um primeiro olhar, aquilo que se constitui em uma derrota do DEM, somado a uma simultânea vitória do movimento negro, só pode se tratar de uma boa nova, mas, para variar, o buraco é mais embaixo. Vemos aqui, o velho problema do agigantamento gradual do STF como espaço de captura do debate político."
Sobre Quotas e o STF
Plenário do STF durante o julgamento |
A notícia do momento trata do fato de que o STF decidiu, por unanimidade, que as quotas raciais são constitucionais ao julgar ação movida pelo Democratas contra o referido mecanismo de inclusão - o que, provavelmente, já deve ser a quinta morte do referido partido, se contarmos a queda de José Roberto Arruda
do governo do Distrito Federal, a hecatombe eleitoral sofrida nas
eleições de 2010, o racha que deu origem ao PSD e a implosão de
Demóstenes Torres no escândalo Cachoeira.
A um
primeiro olhar, aquilo que se constitui em uma derrota do DEM, somado a
uma simultânea vitória do movimento negro, só pode se tratar de uma boa
nova, mas, para variar, o buraco é mais embaixo. Vemos aqui, o velho
problema do agigantamento gradual do STF como espaço de captura do
debate político.
Para muito além do aumento da importância daquele tribunal em virtude da Emenda nº 45 de 2004, existe uma tendência à neutralização, até mesmo, das arenas de mediação política do próprio Estado para a redução da luta ao meramente judicial - a retirada dos embates do campo da disposição, ainda que mediada, para a sua reinscrição na linguagem da dívida infinita.
O governo
não compra brigas, não entra em polêmicas, apenas defende certas
posições via AGU - junto com sua capacidade ímpar de fazer lobby junto
aos ministros - e resolve as questões por meio máquina transcendente do
STF. A oposição não confronta diretamente nada, mas apela para a
transcendência da lei: uma confrontação que, no campo da política,
jamais seria inciada pela inevitável pecha de racismo, acaba mascarada
pelo aparato legal.
O que
parece uma astúcia interesantíssima do atual governo, dadas as suas
posições razoáveis no campo social e dos direitos civis, é, na
verdade, uma redução que se envereda por um caminho perigoso: as
decisões do STF variam entre o óbvio e o descalabro, mas elas
estão disfarçadas pela névoa neutra da lei (isto é, o pendulo que varia
entre o poder de veto dos sábios até a benevolência da outorga).
A Constituição, enunciada como uma divindade pelos ministros-oráculos,
poderia dizer que os negros continuariam apartados da Universidade, mas
também poderia, como o fez, tomar a voz dos excluídos e fazer uma luta
ganha pelos próprios quotistas - que desmistificaram toda sorte de
argumentos contra si nos últimos anos - passar a ser sua: o STF
ratificou as quotas e só isso importa.
Na
prática, a verdade histórica produzida pelos quotistas negros e pelos
quotistas do Prouni, enquadrados por critério social - em que pese a
consideração étnica em enquadramento subsidiário - é que eles próprios
constituiram a desmistificação da névoa ideológica usada contra si e por
isso forçaram o sistema, por meio dessa ratificação, a absorver-lhes na
tentativa de lhes capturar pela impossibilidade de uma exclusão
estanque determinada pela sua própria resistência.
Essa
absorção é estratégia de sobrevivência da Ordem, mas gera um risco
dentro de si, ao seu funcionamento interno, com o qual ela será obrigada a
conviver de agora em diante. No mais, ainda resta o bônus que o
presente processo ajudou a levar consigo o que há de mais ofensivo em
termos de partido grande brasileiro.
Fonte: O Descurvo
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