abril 17, 2012

O coveiro da BICA


Bar do Armado, berço da BICA  
PICICA: Estávamos eu, Salgadinho e Adal no fundo da Igreja de São Sebastião na missa de sétimo dia do Armando, quando ouvimos um guerreiro-cansado-de-guerra depor as armas. Com o espírito do biqueiro que ainda existe em nós ensaiei a resposta abaixo para um debate público impensável: o fim da BICA. Algo assim como se o Bloco do Batata ou do Galo da Madrugada, em Recife, desaparecesse com a morte do seu fundador e os órfãos, passivos, aceitassem o fato como inevitável. Ora pois!

O coveiro da BICA (para Deocleciano Bentes de Souza)

Pura provocação, viu Deocleciano? Mas é a única resposta ao que, perplexos, ouvimos de na sua fala durante a missa do sétimo dia da partida do nosso querido Armando. Onde já se viu decretar a morte da Banda Independente da Confraria do Armando? Com que autoridade? Perdoe-me a impertinência, mas sou fundador da BICA e não fui consultado. 

Da perplexidade da cena que vimos com esses olhinhos que a terra há de comer, saímos para o Bar do Armando para aclarar as ideias, embotadas com o seu desabafo público e, pior, com o compromisso assumido com Frei Fulgêncio de que “a BICA jamais vai voltar a perturbar a Igreja de São Sebastião”. Égua, maninho! E eu que julgava que estávamos, sim, a perturbar a face escrota da política baré, em suas múltiplas manifestações de autoritarismo. Sinceramente, cheguei a pensar que a BICA era a coisa mais séria que existia na cidade, como argumentava um conhecido promotor de quem somos amigos comuns. 

Ora, se a constatação do fiscal da lei, como testemunha a acolhida carinhosa dos jornalistas amazonenses, baseava-se na incontestável aceitação popular da BICA, considerando que a República Livre do Armando foi uma prazerosa construção, por que cargas d’água fostes te meter a sepultar a mais rica tradição do carnaval amazonense?

Ah, os efeitos da metafísica da morte. Vai-se com o amigo uma parte de todos nós. Mas em sua memória, cabe-nos não ceder à impotência, curtir a dor e dar a volta por cima, pois se a morte nos levou o Armando, não nos levou a alegria de saber do seu desejo de manter vivo o seu gesto do amor à cidade: é isso que a BICA representa. Você não desconhece que era desejo dele – antes de perder a consciência dos seus atos – que a banda saísse nesse ano, ainda que estivesse hospitalizado, o que só não aconteceu por força da cultura moribunda que não resiste à morte, inevitável sem dúvida, mas que não triunfa sobre a autonomia dos espíritos livres.

Privar a cidade da força da resistência criadora que apaixonou a Multidão não pode ter abrigo nos corações e mentes nem mesmo dos que estão descendo a rampa como nós. 

O Armando foi um sujeito que viveu intensamente. Não podemos matá-lo duas vezes. Tolice investir contra a sabedoria de botequim: não permanecemos senão o que somos. Ademais, a BICA não nos pertence. Ela é da cidade. Mantê-la viva pode parecer um impulso vulgar, meu irmão. Mas o que está em questão aqui não é o sentido que damos à vida, mas o destino que damos à liberdade.

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