abril 24, 2012

"Santo Antonio e Jirau: hidrelétricas malditas", por Telma Monteiro

Santo Antonio e Jirau: hidrelétricas malditasImprimirE-mail
ESCRITO POR TELMA MONTEIRO   
QUARTA, 11 DE ABRIL DE 2012

PICICA: "No início de 2012 ficou evidente que havia algo muito errado com as obras da usina de Santo Antônio. A abertura das comportas criou um aumento da força das águas contra as margens do rio Madeira. O desbarrancamento acelerado da margem direita, que recebe diretamente a força das águas que passam pelos vertedouros, destruiu moradias e desalojou dezenas de ribeirinhos. Um vídeo mostrou a formação de ondas provocadas pela força das águas na passagem pelas comportas".

Em 2001 teve início a saga "Complexo Hidrelétrico do Madeira". Do projeto idealizado inicialmente pela Construtora Norberto Odebrecht (CNO) constavam duas hidrelétricas, eclusas para navegação e um grande sistema de transmissão para levar a energia ao Sudeste. Furnas Centrais Elétricas foi convidada a participar do projeto, em 9 de janeiro de 2003, depois de uma reunião dos representantes da Odebrecht com o Ministério do Planejamento. O governo Lula, recém empossado, encampou o complexo que passou a ser apresentado a autoridades, instituições e organizações do Brasil e dos países vizinhos.

Os estudos de inventário e os estudos de viabilidade técnica e econômica foram feitos por Furnas e Odebrecht. A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) aprovou e o Ibama foi o órgão licenciador que emitiu a versão final do Termo de Referência, em setembro de 2004. Os empreendimentos deveriam ser tratados como um complexo e os estudos ambientais desenvolvidos de forma conjunta. Mais tarde, as eclusas foram excluídas e o sistema de transmissão licenciado separadamente, a pedido de Furnas.

Os desenvolvedores optaram por escolher as turbinas tipo bulbo para gerar energia, baseados no regime hidrológico do rio Madeira. Segundo eles, essas turbinas serviriam em baixas quedas, mas com uma vazão regular para que operasse sem restrições no rio Madeira.

Na época, Furnas e Odebrecht, defensores das turbinas tipo bulbo, argumentaram que a tecnologia era plenamente dominada pela indústria nacional. A usina de Tadami, no Japão, foi citada como referência, pois as turbinas teriam as mesmas características de capacidade individual, próxima a 70 MW (megawatts).

As 44 (esse era o número no projeto original) turbinas do tipo bulbo, nas dimensões previstas, para gerar energia na UHE Santo Antônio e as outras 44 em Jirau, ainda, são inéditas no parque gerador brasileiro e no mundo. Na usina de Tadami, no Japão, foi utilizada, em 1989, apenas uma única turbina, num rio plácido, de águas transparentes e com características completamente diferentes de um rio amazônico e indomável como o rio Madeira.

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Usina Tadami, Japão

As outras experiências mundiais com turbinas do tipo bulbo estão listadas no quadro abaixo:
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Tabela que consta no Estudo de Viabilidade da UHE Santo Antônio

Nenhuma delas, no entanto, atinge a vazão unitária de 561 m³/s ou tem o diâmetro do rotor de 8,15 metros, como as turbinas planejadas para as usinas do Madeira. Seria inédito, um tiro no escuro e mesmo sem estudos conclusivos três fabricantes garantiram que funcionariam. Pelo menos essa conclusão foi descrita no capítulo 14 dos estudos de viabilidade (2004) da UHE Santo Antônio.

O Grupo Industrial do Complexo RioMadeira (GICOM), responsável pelo fornecimento de equipamentos eletromecânicos para a obra, tem 32,3% do Consórcio Construtor Santo Antônio (CCSA). O Gicom é formado pelas empresas Alstom, Andritz, Areva, Bardella, Siemens e Voith.

O teste da turbina que não deu certo

Tudo estava preparado, em dezembro de 2011, para o teste de performance da primeira turbina tipo bulbo da UHE Santo Antônio. Conta-se que a presidente Dilma Rousseff e o ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, estariam presentes para a inauguração da unidade geradora bulbo.

Alguma coisa, porém, não deu certo. Já na terceira tentativa o funcionamento ou teste acabou ficando para janeiro de 2012. Também não deu certo. Informações dadas pelos responsáveis atribuíram a um defeito do mancal (suporte da turbina) que empenou e não deu conta do recado. Muito estranho, pois com um time de primeira linha como o grupo Alstom, Andritz, Areva, Bardella, Siemens e Voith, dificilmente se esperaria problemas técnicos. Mas c'est la vie!

O teste foi então transferido para março de 2012, e até o final deste mês nada havia sido definido. Outras informações, não oficiais, vindas do canteiro de obras, atribuem os problemas à vazão do rio Madeira e aos sedimentos que teriam danificado o rotor.

O Consórcio Construtor Santo Antônio certamente vai resolver os problemas que possam afetar o funcionamento da usina. A sociedade espera ansiosa, pois o custo social e ambiental decorrente das obras já está muito além daquilo que foi prometido ou licenciado no governo Lula. E Dilma acabou de assinar uma MP, alterando limites de Unidades de Conservação em Rondônia, para acomodar o reservatório da UHE Santo Antônio.

No final de 2006, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) contratou a consultoria de Sultan Alam (International Hidropower Association) um especialista internacional em sedimentos. Em seurelatório (página 46) ele deixou a seguinte observação:

"Em um Projeto Hidrológico de Queda Baixa (hidrelétrica Santo Antônio, no rio Madeira), a malha de ar arrastado entra diretamente na câmara do rotor (da turbina) causando violenta flutuação de pressão resultando em grave vibração das turbinas e das estruturas da usina. Por isso, é recomendado que modificações estruturais adequadas que eliminariam ou atenuariam essa formação de turbilhões sejam desenvolvidas usando um modelo físico em 3D adequado" (grifo meu).

A destruição das margens do rio Madeira

No início de 2012 ficou evidente que havia algo muito errado com as obras da usina de Santo Antônio. A abertura das comportas criou um aumento da força das águas contra as margens do rio Madeira. O desbarrancamento acelerado da margem direita, que recebe diretamente a força das águas que passam pelos vertedouros, destruiu moradias e desalojou dezenas de ribeirinhos. Um vídeo mostrou a formação de ondas provocadas pela força das águas na passagem pelas comportas.

No início, os representantes do Consórcio Construtor Santo Antônio (CCSA) - Odebrecht Engenharia e Construção (líder); Consórcio Santo Antônio Civil (CSAC), formado pelas Construtoras Norberto Odebrecht e Andrade Gutierrez; e Grupo Industrial do Complexo Rio Madeira (Gicom) – tentaram se eximir da culpa. Depois iniciaram um trabalho de proteção das margens, com pedras, para evitar o progresso da erosão.

A Justiça, provocada por ações dos ministérios públicos de Rondônia, obrigou o consórcio a fazer as mudanças e hospedar em hotéis os desalojados do bairro Triângulo, o mais atingido. O problema continua sem solução e pode ter sido causado por alterações no projeto construtivo.

Quando o especialista internacional Sultan Alam foi contratado pela Aneel para acabar com as dúvidas sobre a vida útil e o assoreamento dos reservatórios das usinas, ele fez algumas considerações sobre o projeto da UHE Santo Antônio. Recomendou e desenhou um arranjo melhor das estruturas, que está em seu relatório, que pouparia recursos e problemas futuros a jusante.

O projeto de engenharia da UHE Santo Antônio parece confuso. Há três versões diferentes do desenho das estruturas da barragem e a que está sendo construída pode ser responsável pelos impactos de destruição da margem direita do rio Madeira.

Profissionais da área, que não quiseram ser identificados, apostam que o problema é do atrito dos sedimentos e vibração nas turbinas. Também sugeriram que a alteração na posição do eixo do barramento se deu para que mais turbinas pudessem ser adicionadas.

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Imagem Google Earth

Agora as hidrelétricas Santo Antônio e Jirau estão, mais uma vez, paralisadas pela greve de trabalhadores. As greves, violência e destruição têm sido uma rotina nas hidrelétricas em construção no rio Madeira.
Os impactos sócio-ambientais se acumulam nas Hidrelétricas Malditas.

Telma Monteiro é ativista sócio-ambiental e pesquisadora na área de energia e infra-estrutura na Amazônia.
  
Fonte: Correio da Cidadania

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