setembro 05, 2013

"Carta de repúdio ao Terror de Estado e apoio aos manifestantes criminalizados" (DAS LUTAS)

PICICA: "O Terror de Estado é um modo de governar mediante a intimidação, um sistema de governo que emprega o terror para governar.[1] Na América Latina, o Terror de Estado foi largamente utilizado entre as décadas de 1960 e 1980, aplicando-se as orientações da Doutrina de Segurança Nacional ou DNS, onde os Estados desempenharam um papel fundamental, “a partir da utilização racional de refinados mecanismos e tecnologias de controle – componentes do seu aparato coercivo e ideológico”.[2] Uma das premissas da DNS era não reconhecer a existência da divisão de classes, tendo por objetivo inibir os antagonismos de classe produzidos pelas lutas populares, e produzir a despolitização e desmobilização social através da utilização do terror. Qualquer indivíduo ou grupo que se movesse fora do modelo de sociedade das elites locais e das prescrições das grandes corporações locais e internacionais podia ser identificado como portador de ideologias estranhas, normalmente associadas ao comunismo internacional, anarquismo ou ao bloco soviético. Os impactos da implantação da Doutrina de Segurança Nacional na América Latina acabaram por causar a “destruição das organizações revolucionárias, a eliminação de lideranças populares, o enfraquecimento e o isolamento da esquerda e o enquadramento dos setores reformistas”.[3]"

Carta de repúdio ao Terror de Estado e apoio aos manifestantes criminalizados

Batman das lutas
Manifestante vestido de Batman no Baile de Máscaras da Cinelândia, sacode sua identidade e diz que é cidadão, 03/09/2013 – Foto: Mariana Santos

Em meio ao caos político que se instalou no Estado do Rio de Janeiro após as jornadas de Junho a Agosto, o governo de Sergio Cabral e seus aliados lançaram mão de um velho expediente dos governos autoritários: O Terror de Estado. Na história do país, essa já é uma tradicional forma de defender a ordem social elitista frente a movimentações populares que se rebelam a essa dominação.

O Terror de Estado é um modo de governar mediante a intimidação, um sistema de governo que emprega o terror para governar.[1] Na América Latina, o Terror de Estado foi largamente utilizado entre as décadas de 1960 e 1980, aplicando-se as orientações da Doutrina de Segurança Nacional ou DNS, onde os Estados desempenharam um papel fundamental, “a partir da utilização racional de refinados mecanismos e tecnologias de controle – componentes do seu aparato coercivo e ideológico”.[2] Uma das premissas da DNS era não reconhecer a existência da divisão de classes, tendo por objetivo inibir os antagonismos de classe produzidos pelas lutas populares, e produzir a despolitização e desmobilização social através da utilização do terror. Qualquer indivíduo ou grupo que se movesse fora do modelo de sociedade das elites locais e das prescrições das grandes corporações locais e internacionais podia ser identificado como portador de ideologias estranhas, normalmente associadas ao comunismo internacional, anarquismo ou ao bloco soviético. Os impactos da implantação da Doutrina de Segurança Nacional na América Latina acabaram por causar a “destruição das organizações revolucionárias, a eliminação de lideranças populares, o enfraquecimento e o isolamento da esquerda e o enquadramento dos setores reformistas”.[3]

Essa contextualização histórica nos ajuda a compreender as atuais posturas do Estado em relação às mobilizações populares. Os mandatos de prisão executados na manhã de hoje (04/09/2013) contra quatro administradores da página de facebook “Black Bloc RJ” são apenas parte de uma grande movimentação estatal no sentido de organizar suas forças coercivas para repressão e criminalização dos movimentos sociais legítimos. Em decreto de 19 de julho de 2013, o atual governo estadual criou a Comissão Especial de Investigação de Atos de Vandalismo em Manifestações Públicas – CEIV. Podemos destacar alguns parágrafos reveladores sobre a ação da comissão:

Art. 2º Caberá à CEIV tomar todas as providências necessárias à realização da investigação da prática de atos de vandalismo, podendo requisitar informações, realizar diligências e praticar quaisquer atos necessários à instrução de procedimentos criminais com a finalidade de punição de atos ilícitos praticados no âmbito de manifestações públicas.

Art. 3º As solicitações e determinações da CEIV encaminhadas a todos os órgãos públicos e privados no âmbito do Estado do Rio de Janeiro terão prioridade absoluta em relação a quaisquer outras atividades da sua competência ou atribuição.

Parágrafo único. As empresas Operadoras de Telefonia e Provedores de Internet terão prazo máximo de 24 horas para atendimento dos pedidos de informações da CEIV.

Portanto, operadoras de telefonia e provedores tornam-se obrigados a repassar os dados solicitados pela comissão em um curto prazo, não havendo nem mesmo a informação prévia aos autores do conteúdo em questão. Está claro que o conjunto de medidas e o nível de interação entre os orgãos de coerção e o Ministério Público constituem uma reorganização perigosa das forças de segurança com finalidade de cunho claramente político-ideológico.

No dia 2 de setembro de 2013, a magistrada da 27ª Vara Criminal toma uma decisão jurídica por meio de medida cautelar, à pedido da CEIV, que prevê a sistemática criminalização de elementos envolvidos na divulgação e administração de determinadas páginas que cobrem ou organizam manifestações políticas.Vejamos o trecho em que é autorizada a diligência para detenção dos grupos supracitados:

1-) Autorizo a identificação criminal de integrantes dos chamados grupos Black Bloc, Black Bloc Brasil, Black Bloc Rio, Anonymous e Anonymous Brasil e, ainda, de todos aqueles que estiverem usando máscaras, capuzes ou lenços em seus rostos, que se deslocarem, sob qualquer pretexto em manifestações populares, em qualquer número de participantes.

 2-) Determino às autoridades e agentes de segurança pública estadual, que uma vez constatado a presença de manifestantes com os objetos retro apontados, procedam, por óbvio, guardadas oportunidade e razoabilidade, a imediata abordagem e operem a imediata identificação criminal, se necessário, desde já autorizada a identificação datiloscópica e fotográfica, devendo todo o material coletado ser trazido aos autos de inquérito.

 3-) Autorizo de igual forma a condução coerciva à presença de Autoridade para a realização de identificação criminal.

A medida judicial vale para todas as manifestações, atinge menores e maiores de idade, e prevê identificação criminal mesmo que o “mascarado” não esteja em flagrante delito. Durante as diligências para detenção de quatro administradores da página Black Bloc RJ, os policiais tipificaram diferentes crimes, entre eles incitação a violência e formação de “quadrilha armada”, crime inafiançável. A página Anonymous Rio postou algumas horas depois informações de que os detidos haviam sido coagidos a entregar senhas das redes sociais. Vemos, portanto, o endurecimento do aparato coercivo que é reflexo da radicalização das demandas sociais. Tal endurecimento afeta diretamente à todos os setores inseridos nas lutas sociais. Podemos ver um claro exemplo disso na tentativa de suspensão da greve dos profissionais de educação do Estado do Rio de Janeiro. Nenhuma relação direta com a CEIV na medida tomada pelo TJ mas todas as relações de promiscuidade entre o poder político instituido e o poder judiciário expostos a olho nu. Diante de todas as medidas cautelares, comissões, desaparecimentos, detenções arbitrárias e abusos, há de se destacar o posicionamento em nota, ainda que tímido da OAB, em uma de suas páginas destinadas a orientar juridicamente os manifestantes:

Mas completamente ilegal a determinação judicial que permite condução coercitiva à autoridade policial (delegacia de polícia) para identificação criminal de pessoa simplesmente por estar mascarada. Só pode ser coercitivamente conduzido à autoridade policial quem está em flagrante delito, o que não é o caso de quem simplesmente está mascarado, por simples ausência de previsão legal.”

(Breno Melaragno Costa – conselheiro e presidente da comissão de segurança pública da OAB/RJ).

É desta forma que repudiamos a postura governamental em todos os níveis, repudiamos a postura do Ministério Público e, sobretudo, das corporações policiais. É inadmissível o processo de criminalização dos movimentos sociais utilizando o aparato do Estado e a divulgação ampla das corporações de mídia burguesas do discurso hegemônico e legitimador deste mesmo processo. Se integrantes de movimentos sociais muitas vezes precisam cobrir seus rostos e esconder suas identidades para exercer sua militância é justamente porque vivemos em uma organização social que historicamente persegue e elimina dissidências ideológicas. É precisamente esse o porquê de lutarmos e resistirmos, apesar de uma desigual correlação de forças entre aqueles que desejam conservar as desigualdades e aqueles que desejam elimina-las.

Exprimimos por meio desta carta o nosso profundo respeito a todos os companheiros que estão sendo perseguidos, presos e injustamente difamados. Exigimos o fim imediato de toda a perseguição política e a liberdade para todos os que são caçados por expressar seu posicionamento diante das desigualdades e injustiças que continuam em prática nos dias de hoje. Exigimos o fim do Terror de Estado e a dissolução de todo o aparato beligerante mobilizado contra as massas que se insurgem contra uma ordem que não é a delas. Massas que só carregam consigo o desejo de liberdade completa.

DAS LUTAS

[1] HERMAN, E.S. El patrocinio estadounidense del terrorismo internacional: un examen general. in: PIETERSE, J. et al. Terrorismo de Estado: el papel internacional de EE.UU. Navarra: Txalaparta, 1990.
[2] e [3] PADRÓS, Enrique Serra: A ditadura cívico-militar no Uruguai (1973-1984): terror de Estado e Segurança Nacional. In.Ditaduras Militares na América Latina. Org. WASSERMAN, Claudia. GUAZZELLI, Cesar Augusto Barcellos. Editora UFRGS, 2004.

Fonte: DAS LUTAS

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