PICICA: "Humaitá em chamas! – sobre o atual conflito em curso e a posição do Estado brasileiro. Por Vanessa Nicolav"
Amazonas: levante popular anti-indígena
27 de dezembro de 2013
Humaitá em chamas! – sobre o atual conflito em curso e a posição do Estado brasileiro. Por Vanessa Nicolav
Neste exato instante, a cidade de
Humaitá, no extremo sul do estado do Amazonas, vive um intenso conflito.
Como de costume, praticamente toda a informação a respeito desta
situação disponível na internet e nos meios de comunicação não dá conta
de sua complexidade e tampouco explicita o pano de fundo e as motivações
dos fatos que se desenrolam.
Primeiro acompanhe uma breve cronologia dos fatos que levaram à conflagração de um conflito de imensas proporções.
Nos
últimos dias os Tenharim foram surpreendidos com a controversa morte de
seu cacique Ivan Tenharim. Ele foi encontrado desacordado e ferido
próximo à Transamazônica, foi levado ao hospital e não resistiu. As
causas de sua morte ainda não foram averiguadas, o que tem gerado
profunda indignação entre os indígenas, já acostumados com o descaso do
governo brasileiro em relação às suas questões. Após esta fatalidade,
uma sucessão de fatos igualmente estranhos levou a um conflito sem
precedentes na cidade de Humaitá.
Correm rumores do desaparecimento, desde
o dia 16 de Dezembro, de três homens no KM 123 no trecho da BR –
Transamazônica, que atravessa a Terra Indígena (TI) Tenharim. Um
servidor da Fundação Nacional do Índio (FUNAI) conversou com as
lideranças indígenas, repassando o que estava acontecendo na cidade e as
acusações que pesavam contra eles. Nas duas vezes os índios negaram
qualquer envolvimento sobre os desaparecidos e ainda disseram que as
aldeias estavam abertas para averiguação, buscas e investigação por
parte da Polícia Federal (PF) ou do Exercito.
A população saiu às ruas exigindo maior
participação da PF para a busca e localização dos desaparecidos que,
segundo eles, encontram-se na Terra Índigena dos Tenharins.
Porém, ao invés de um protesto legítimo,
o que de fato está ocorrendo é um estado de terror, possivelmente
financiado pelos madeireiros, já que, muitas vezes, órgãos como a FUNAI e
a Fundação Nacional de Saúde (FUNASA) se colocam como empecilhos aos
interesses escusos desses.
Há dois dias servidores da FUNAI e a
população de Humaitá pedem apoio e ajuda da PF para conter as ações dos
populares, que, sem nenhum impedimento, já atearam fogo em carros,
barcos e no prédio da FUNAI e da FUNASA entre os dias 25 e 26 de
Dezembro. 11 carros e 2 barcos das FUNAI foram queimados, assim como sua
sede, a Casa do Índio e a Casa da Saúde do Índio – todas engolidas
pelas chamas e saqueadas sem que a Polícia Militar (PM) impedisse.
Esta ação coloca em risco a vida de
diversos moradores da cidade, que residem próximo aos locais
incendiados, dos servidores da FUNAI, que neste momento se encontram
escondidos em casas de conhecidos, temendo possíveis ataques dos
manifestantes e de diversos indígenas da etnia Tenharim.
É importante sabermos que esse conflito
oculta interesses econômicos e políticos disfarçados de comoção popular
legítima. Não se trata apenas de três pessoas desaparecidas, mas sim de
um longo conflito entre uma cultura ocidental, civilizatória e
desenvolvimentista, e a existência indígena que, objetivamente,
dificulta ou atrasa a realização de interesses do modo de produção
capitalista. O agronegócio agradece a cada vez que indígenas se
enfraquecem.
Humaitá é uma zona de intensos conflitos
com madeireiros, que procuram extrair ilegalmente madeira de áreas
protegidas (ou terras indígenas) para comercializá-las. São esses mesmos
madeireiros que possuem o poder econômico (e portanto político) na
região e, como sabemos, conseguem fazer com que seus interesses sejam
levados a cabo. Há indícios de que justamente esses indivíduos estejam
se aproveitando da comoção popular para patrocinar o caos, do
qual se beneficiam, acirrando o ódio e incendiando os ânimos –assim os
manifestantes (que têm sua razão para estar insatisfeitos) são
utilizados como massa de manobra para favorecer interesses de uma elite.
Afirma-se até que boa parte da gasolina que vem sendo utilizada aos
montes esteja sendo paga por eles ou seus representantes, que não
concordam, entre outras coisas, com os pedágios das terras indígenas, e
se organizam para combatê-los com todo o tipo de recurso.
A
PM e a PF, compactuando com esse ódio étnico, vêm sendo claramente
negligentes, afirmando até mesmo que não é a primeira vez que os índios
“causam” uma situação como essa e que até mesmo merecem a represália que
vêm sofrendo. Desde que o cacique Ivan foi morto, há mais de 15 dias, a
PF nem mesmo foi até a TI averiguar, simplesmente deixando a coisa
acontecer; eles se mexeram apenas quando desapareceram homens brancos. O
Estado brasileiro está sendo conivente; índios, cidadãos e servidores
da FUNAI estão em perigo e não são tomadas as medidas necessárias para
divulgar corretamente o que ocorre e conter a violência que se alastra
de maneira completamente irresponsável. Até as 14h30 do dia 26 de
Dezembro, não havia aparecido sequer uma viatura da PM para fazer
prontidão à porta da FUNAI; dezenas de pessoas mexeram na cena do crime,
tiraram fotos e pegaram o que quiseram do local, e após quase um dia
inteiro de distúrbios é que a polícia decide comparecer ao local.
Não se trata de defender ou atacar
indígenas, mas de denunciar a negligência do Estado e dos meios de
comunicação brasileiros, prontos a defender os interesses daqueles que
os mantêm: industriais, fazendeiros e a burguesia, passando por cima de
populações desfavorecidas e/ou marginalizadas.
Precisamos furar esse bloqueio midiático
e pressionar o Estado para que haja rapidamente. Centenas de indígenas
estão ameaçados apenas por serem indígenas e muitos deles estão sendo
conduzidos ao Batalhão de Infantaria do Exército para que possam ser
protegidos. Servidores da FUNAI têm sua vida em risco por serem
identificados como protetores dos índios.
Por favor, passe esse texto adiante, divulgue essa situação, entre em contato com quaisquer pessoas que você conhecer e que possam ajudar a mobilizar esforços para reverter essa situação calamitosa em curso.
Temos que colocar isso a limpo e no foco das notícias.
Há vidas em risco nesse exato instante. Contamos com toda ajuda.
Humaitá, 26 de dezembro de 2013
Fotografias de Idivan Assayag.
Fonte: PASSA PALAVRA
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