dezembro 30, 2013

"Origens do ódio entre árabes e judeus na Palestina", por Bernardo Kucinski

PICICA: "Sob todos os ângulos, o moral, o político e o histórico, o conflito entre árabes e judeus é complexo Para mim, que vivi em Israel e lá tenho amigos e família, é também  repleto de cargas emocionais e simbólicas. Relutei em escrever este artigo. Ocorre que estive há poucas semanas nos territórios palestinos da Cisjordânia, sob ocupação parcial de Israel,  para ver com meus olhos e descrever a saga dos palestinos que precisam passar por postos militares de controle todos os dias ao transitar entre suas próprias vilas, campos e cidades."

Origens do ódio entre árabes e judeus na Palestina 2009-01-08

 

Sob todos os ângulos, o moral, o político e o histórico, o conflito entre árabes e judeus é complexo Para mim, que vivi em Israel e lá tenho amigos e família, é também  repleto de cargas emocionais e simbólicas. Relutei em escrever este artigo. Ocorre que estive há poucas semanas nos territórios palestinos da Cisjordânia, sob ocupação parcial de Israel,  para ver com meus olhos e descrever a saga dos palestinos que precisam passar por postos militares de controle todos os dias ao transitar entre suas próprias vilas, campos e cidades.
   

O ataque a Gaza atropelou meus planos. A solução que encontrei foi adotar o ângulo mais geral  da violência em si, do ódio crescente entre árabes e judeus. Pensar sobre suas raízes; Mesmo antes do ataque a Gaza houve uma nova escalada nessa espiral de ódio. Em Jerusalém , há poucos meses, um operário árabe de uma construção subiu num trator e num gesto de fúria jogou a máquina contra carros de passeio, matando e ferindo. Dias depois outro operário árabe fez o mesmo. No Cisjordânia, judeus religiosos do movimento ultra -nacionalista Israel Beitenu atacaram agricultores árabes e cortaram  oliveiras. Em Naharia, cidade aprazível à beira-mar, no Norte de Haifa, houve há algumas semanas choques de rua entre moradores árabes e judeus. “Vai haver uma terceira intifada, desta vez dos moradores árabes de Israel”, prognosticou meu amigo Levy, um carioca que hoje mora num subúrbio de  Tel Aviv.
   

O ataque a Gaza com a morte de tantas crianças, não só vai realimentar essa espiral de ódio recíproco, como o ódio pode ter sido um dos seus motivos. É a tese de  Gideon Levy, importante jornalista israelense, que critica sistematicamente as autoridades no  Haaretz. Indignado com a indiferença da maioria silenciosa israelense  diante da violência do ataque a Gaza, ele diz que “racismo e ódio habitam os porões de suas mentes, assim como o impulso por vingança e a sede de sangue.”
   

Quando e como nasceu esse ódio recíproco?A pergunta é relevante porque foi entre os povos árabes que os judeus gozaram de mais liberdade religiosa e comunitária, e maior acesso ao saber, às artes e á medicina. Amos Oz, o grande escritor israelense defensor da paz  toca o tempo todo  no conflito entre as comunidades árabe e judaica em seu principal livro, o autobiográfico “Do amor e trevas”. Ele era um menino em Jerusalém quando se deu uma brutal escalada no conflito e é com os olhos de uma criança que ele vai rememorando fatos e cenários.
   

No começo do século XX, Jerusalém já era a maior cidade da Palestina, então uma província do Império Otomano, e lá viviam em harmonia pelo menos quatro grandes etnias, sendo a maioria os  35 mil judeus. Entre os outros vinte mil havia árabes cristãos árabes muçulmanos,  armênios e  gregos. Na  Palestina como um todo,  a maioria da população, não mais que meio milhão, eram árabes.
   

Em  1922 e 23 ,  em seguida à derrota da Turquia na grande guerra e em meio ao processo de outorga da controle da região à Grã Bretanha, eclodiram os primeiros  levantes  em Jaffa, e Jerusalém  de  árabes incomodados com a crescente presença de judeus disputando seus empregos e comprando suas terras, mas mais incomodados ainda pela demora dos ingleses em lhes dar a independência, como haviam sido prometido se eles se levantassem  contra o s turcos, primeiro ao Sheik de Meca, depois ao Rei do Iraque.
 

Era o nascimento do novo nacionalismo árabe, dirigido pelo movimento político  Irmandade Muçulmana. Mas os conflitos tinham pequeno porte, manifestações eu viravam arruaças. Ninguém falava em jogar os judeus no mar.
  

Nos anos 30 os conflitos recrudesceram, já então dirigidos pelo maior autoridade religiosa árabe da Palestina, o mufti de Jerusalém, Haj Amin al Husaini, -  que aderiu á causa nazista.. Nascia a vertente xenófoba do nacionalismo árabe. Hoje em na  forma do fanatismo religioso do Hamas e  do Hezbola. Entre os judeus demorou mais, porque os ortodoxos em sua maioria eram anti-sionistas., Ms são religiosos e fanáticos os membros do grupo judeu de extrema direita  “Israel Beiteinu.
 

Em 1937, a comissão do governo britânica que investigou os conflitos estimou em 1 milhão a população árabe e 400 mil a judaica, não havendo  “nada comum entre as duas.” Essa comissão colocou-se contra  criação de um Estado de caráter judeu, endossando a posição das lideranças árabes. Os governos árabes admitiam um Estado multi - étnico, sem que nenhuma etnia mandasse na outra, mas não um Estado de caráter judeu.
  

O judeus de Jerusalém , lembra então Amos Oz,  pareciam personagens de um romance de Tolstoi vindos diretamente do século XIX. Alguns pareciam o próprio Tolstoi, intelectuais extravagantes,sonhadores barbudos, poetas. A maioria viera da Rússia, como seu tio Joseph Klausner, que passou a vida trabalhando na sua tese de que Jesus de Nazaré foi um moralista judaico por excelência, nunca deixou de ser judeu e nem fundou uma nova religião. Em 1929 o bairro Talpiot em que moravam Klausner e o escritor Agnon , lembra Amos Oz,  foi atacado por árabes e a biblioteca dos dois parcialmente queimada.
    

Amos nasceu em 39, ano em que os nazistas atacaram a Polônia  dando início à segunda guerra mundial. Aviões italianos jogaram bombas em Haifa e Jerusalém. Os tanques de Rommel chegaram quase às portas do Cairo. Antes do final da guerra a  mãe de Amos já sabia que toda sua família, suas amigas e seus professores haviam sido mortos por alemães e poloneses nas florestas de Rovno. A maioria dos 60 mil habitantes de Rovno eram judeus e ali já 1919 haviam sido criadas escolas voltadas ao ensino em hebraico.
  

Em 1947, quando a ONU mandou uma comissão para estudar uma eventual partilha da Palestina em dois Estados um árabe e um judeu, Jerusalém já tinha cem mil habitantes judeus,  e mais 65 mil das  demais etnias. Em todo o país a população judaica crescera muito, apesar dos ingleses terem imposto uma a quota que limitava a entrada dos sobreviventes dos campos de concentração.
  

Aconteceu então o ataque da organização terrorista judaica de extrema direita, chamada Irgun à aldeia árabe, Deir Yassin, nas proximidades de Jerusalém, no dia 4 de abril. Era dia de feira.  mais de 110 árabes foram mortos. Uma chacina sem precedentes.O líder do Irgun  era Menachen Begin o ídolo do tio pai de Amos Oz. Quatro dias depois,  veio a retaliação: um comboio de que levava professores  para a da universidade de Jerusalém, situada no Monte Scopus e isolada do bairro judeu, foi emboscado por árabes e todos os seus 77 passageiros mortos, sob o olhar indiferente cúmplice  da polícia britânica. Entre os mortos , o diretor do hospital Hadassa,  o fundador  da faculdade de medicina,  chefes de departamento da universidade e professores ilustres.
 

Nesse incidente aparece claramente o outro gene do ódio entre comunidades, a política britânica de “dividir para governar.” Em quase todas colônias do Império Britânico, ficou a herança do ódio entre comunidade, na Índia, na Guyana inglesa, na Palestina. O pai de Amoz Oz, era bibliotecário da Universidade e só não foi morto porque naquele dia teve uma febre e não se juntou ao comboio. No dia seguinte, um novo massacre de 50 prisioneiros judeus que já haviam se rendido depois de derrotados numa batalha pela abertura do cerco de Jerusalém, em Gush Etzion.
 

Esses três massacres num espaço de apenas cinco dias, todos  totalmente injustificáveis e explicáveis apenas pelo ódio estabeleceram a natureza violenta das relações entre as duas comunidades pelos tempos a fora.
  

No ano seguinte,  a assembléia da ONU aprovou a proposta da comissão de criação dos dois estados  por 33 votos contra 13. Entre as dez abstenções estava a Grã Bretanha.  União Soviética e Estados Unidos votaram a  favor. Brasil também. Surgiu  então a segunda e mais importante fonte da violência na região: a assimetria  entre os planos dos judeus, que haviam se preparado há anos para a proclamação do Estado judeu, e  os  das lideranças países árabes que mantinham o veto à implantação na região de um estado de caráter judeu.
   

Exércitos árabes dos cinco paises vizinhos, e mais o Iraque que não tinha fronteiras,  invadiam a Palestina . O  resultado sabemos: Os judeus perderam Jerusalém ( que reconquistariam depois na guerra de 67), e os árabes perderam na maioria dos outras frentes, incluindo grandes cidade de população mista: Jaffo, Tiberíades, Sfad. Israel passou a controlar um  território 40% maior do que o originalmente proposto pela ONU e não permitiu o retorno dos palestinos que haviam fugido de suas casas. Surgiram os primeiros campos de refugiados palestinos na Jordânia, Líbano e faixa de Gaza, quase 700 mil só daquela guerra.
  

Seguiram-se três guerras relativamente convencionais e no contexto da guerra fria, em 1956, em 1967 e em 1973. Israel sendo apoiado pelas potencias Ocidentais e o Egito pela Rússia.As leis de guerra foram em geral respeitadas.Mas o ódio foi crescendo. Entre os judeus foi se aprofundando a síndrome de Metzada, como é chamada s sensação de que estão cercados e serão um dia destruídos. Daí nasceu a política de expansão territorial, ataques preventivos e a desproporcionalidade dos revides.
 

Entre os árabes foi se dando um racha, de início leve, hoje profundo, entre os que acabaram por admitir a existência do estado judeu, assinando tratados de paz ( Egito e Jordânia), e os que mantém a tese de que o estrado judeu é uma usurpação de seus direitos e deve se extinto: Hezbolla, no Líbano e  Hamas, na faixa de gaza sendo os grupos principais, como governo do Irá apoiando .Em 2000 Arafat rejeitou no ultimo minuto uma ampla proposta de paz de Ehud Barack, de medo de uma revolta das bases liderada pelos grupos mais radiclidos.
   

O fracasso de Camp David reforçou a estratégia israelense de procrastinação, negociações de paz que nunca levam a nada, da qual se aproveitam para expandir a presença de novas colônias na Cisjordânia. Na faixa de Gaza isso também foi tentado, mas a idéia da absorção de mais 1,5  milhões de árabes para expandir o território em escala ínfima  fez com que o governo decidisse pelo oposto: retirada os colonos judeus, e o fez à força.
  

Na Cisjordânia, o quadro é desolador. Foi onde estive  com  a ONG israelense de defesa dos direitos humanos, chamada Machson Watch, criada em 2001, exclusivamente por mulheres. Ali , além do estabelecimento de colônias judaicas de modo ilegal, estão tão embaralhadas as fronteiras entre três tipos de administração provisória, palestina, israelense e compartilhada, que logo se desconfia haver um projeto israelense, não só de expansão, também  inviabilização de um Estado palestino. É oque diz indignada, apontando para as cercas, a minha guia a israelense Racheli Bar Or, uma psicoterapísta militante do Machson Watch.”È como o plano tentado na áfrica do Sul, de criar bolsões da população negra,”, diz ela.
 

Além dos retalhamento dos territórios há estradas, com a que tomamos para chegar lá,  a Rodovia N. 5, que  chega um dos maiores assentamentos judaicos na Cisjordânia, Ariel, na qual só podem circular veículos de chapa israelense; outras onde os oficiais da autoridade palestina podem circular, mas os particulares não, além de restrições de horários e outras, que mudam constantemente.
  

Meu amigo Dov, um paulista que hoje também mora perto de Tel viv e que quis nos acompanhar, servindo de fotógrafo, explica sem muito entusiasmo as estradas exclusivas surgiram porque carros israelís vinham sendo apedrejados.
  

No checking point principal que ficamos observando, um dos casos mais absurdos foi dia foi a detenção por várias horas de um veterinário que inadvertidamente havia entrado por havia tomado uma estrada num horário em que não podia. Nesses casos, os soldados telefonam para uma central de controle. Esse  controles foram instalados para impedir a entrada de homens-bomba, explica o Dov,apontando para uma instalação especial ao lado, na todos os pacotes e bolsas maiores dos árabes passam pelo raio xis.
  

O fato é que todo um sistema de controle foi sendo montado, que tinha como pretexto original não deixar eu entrassem em Israel os homem-s bomba, mas que hoje se vê que é um sistema que vive por si mesmo e vão consolidando o controle israeli. “Já fazem  41 anos, diz a minha  guia Racheli, lembrando que a ocupação da Cisjodânia se deu na guerra de 1967. Ou seja, muitos daqueles jovens estudantes árabes e até os mais adultos nunca viram outro cenário senão o da ocupação.
  

Nesse posto de controle, dezenas de lotações estacionados de cada lado, para  trazer e levar de volta as pessoas ás suas vilas e aldeias, de um lado, ou levando e trazendo de volta de Nablus, no outro lado. A  maioria são jovens, que vão a Nablus estudar, mas há gente de todo tipo, senhoras carregando grandes sacolas, mães que levaram seus filhos a hospitais. Nablus tem 160 mil habitantes e 18 mil estudantes, grande parte deles, de cidades menores e vilas da s adjacências.
 

Não se pode dizer os soldados do check-point maltratam deliberadamente os árabes.Há até uma passagem especial – em parte depois das reclamações da Machson , chamada passagem humanitária, por onde passam todas as mulheres e idosos sem muita apurrinhação. Mas nada disso consegue minimizar a humilhação sentida pelos árabes, que precisam passar por esse vexame todos os dias em suas próprias terras centenárias. Essa humilhação só pode alimentar ainda mais o ódio. Entre os soldadinhos israelenses – e são soldadinhos mesmos, jovens de não mais que 18 ou 19 anos – a desmoralização , por se verem  convertidos em agentes da repressão e da ocupação.
 

O que mais me impressionou  nessa vigília nos postos de controle, foi a beleza e a soberba das jovens árabes. Lindas, fazendo questão de se vestir com elegância, com o corpo todo coberto exceto o rosto, realçado pelos belos lenços de seda,elas passam pelos controles passam silenciosas mas de olhos erguidos , como quem diz. Nós somos bonitos e educados  e vocês o que são?
Fonte: Kucinski

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