PICICA: "Quem quer mudar o mundo, quem quer
resistir a esta ordem injusta na qual vivemos, precisa estar pronta para
ser chamada de terrorista, ainda que seja o oposto disso. Deve
preparar-se para ser marginalizada e seguir em luta contra todas as
formas de marginalização. Mandela e a vitoriosa luta coletiva contra o
Apartheid na África do Sul nos ensinam: “não é da docilidade dos
poderosos, mas dos ardores irredutíveis da insubmissão” (como dizia
García Linera, outro ex-guerrilheiro e preso político), que nascem os
direitos, a liberdade igualitária, a dignidade."
É preciso libertar Nelson Mandela
AO LONGO DE DÉCADAS, Nelson Mandela
liderou um movimento de combate ao Apartheid racial da África do Sul por
meio de diversos métodos, com destaque para os de ação direta, como
greves, manifestações de massas e, inclusive, para se contrapor à
violência sistemática do governo, resistência armada. Madiba participou
da fundação do braço guerrilheiro do Congresso Nacional Africano (CNA), o
“Umkhonto we Sizwe”
(Lança da Nação). Preso por 27 anos, recusou-se a aceitar a “liberdade”
em troca da rejeição incondicional da violência como instrumento de
luta política. Enquanto o governo prosseguisse reprimindo violentamente a
população negra, não poderia aceitar tal condição. A luta de Madiba e
de milhões de sul-africano(a)s, afinal, era por sua libertação coletiva,
e não simplesmente pela liberdade de lideranças individuais.
Não por acaso, Mandela permaneceu como
preso político por tanto tempo. Não por acaso, Margaret Thatcher, a
poderosa Primeira-Ministra Britânica, amiga e aliada de ditadores como
Augusto Pinochet e ícone do neoliberalismo, não apenas recusava-se a
sancionar o regime do Apartheid, mas declarou,
em 1987, que o CNA (partido de Mandela) era “uma típica organização
terrorista”. Parlamentares do partido conservador da “Dama de Ferro”
chegaram a pedir publicamente pela morte do líder da resistência ao
Apartheid, na mesma época. Um ano antes, em 1986, o Partido Republicano
de Ronald Reagan, nos EUA, votara contra
uma resolução para reconhecer o CNA como partido político e apelar ao
governo para libertar Nelson Mandela. O líder da luta contra o regime de
segregação racial só saiu da lista de terroristas do governo
norte-americano em 2008.
.Esse
Mandela, o radical, é o que faço questão de lembrar, hoje, em tempos
nos quais, no Brasil, a luta coletiva por direitos ganha cada vez mais
corações, mentes, pés e braços; em tempos nos quais um morador de rua é condenado à prisão por porte de pinho sol em manifestação; tempos nos quais uma gari morre em Belém do Pará, em junho, como uma das vítimas do gás lacrimogêneo jogado aos montes pela PM contra manifestantes;
tempos nos quais partidos governistas e da oposição conservadora
mobilizam-se para aprovar, no Congresso, uma lei que cria o tipo penal
de “TERRORISMO CONTRA COISA” e agrava penas de “incitação ao terrorismo” (contra coisa?) quando cometidas pela internet…
Quem quer mudar o mundo, quem quer
resistir a esta ordem injusta na qual vivemos, precisa estar pronta para
ser chamada de terrorista, ainda que seja o oposto disso. Deve
preparar-se para ser marginalizada e seguir em luta contra todas as
formas de marginalização. Mandela e a vitoriosa luta coletiva contra o
Apartheid na África do Sul nos ensinam: “não é da docilidade dos
poderosos, mas dos ardores irredutíveis da insubmissão” (como dizia
García Linera, outro ex-guerrilheiro e preso político), que nascem os
direitos, a liberdade igualitária, a dignidade.
O que temos a aprender com o Mandela
conciliador, bem comportado, muitas vezes o único mostrado e incensado
pelos discursos oficiais e grande mídia? A estratégia da conciliação com
o capitalismo tem sido capaz de aprofundar as conquistas democráticas e
em oposição ao racismo, ao capitalismo e ao neocolonialismo na África
do Sul e no continente africano? Parece-me que não. Não entro nesta
discussão agora, porém.
Tampouco interessa-me idealizar
acriticamente o Mandela guerrilheiro, ou o movimento armado de que
participou. Certamente, ele acertou e errou em diversas medidas em
vários momentos, e devemos aprender com suas vitórias e fracassos – não
como indivíduo quase beatificado, mas como alguém profundamente
comprometido com a ação política coletiva.
É preciso promover a libertação póstuma
de Nelson Mandela. Agora, da falsa imagem que têm buscado construir para
ele nas últimas décadas e mais ainda na hora de sua morte,
enquadrando-o como representante máximo de impotentes exortações morais
de combate bem comportado, disciplinado e conciliador ao racismo. Não
podemos deixar que se oculte e silencie a memória do Madiba insurgente,
militante político da luta coletiva contra o racismo entranhado na
colonialidade capitalista.
Fonte: Imaginar para revolucionar
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