PICICA: "As manifestações de rua, contra e a favor do governo Dilma, tendem a se
transformar em materializações daquilo que já rola nas redes sociais. O
que alguns chamaram de desvarios de radicais estampados em cartazes e
faixas na verdade circulam diariamente na internet. A análise dos
protestos não pode mais ser feita com base em valores e parâmetros da
era pré-internet porque estamos diante de uma nova realidade: a da avalancha de percepções,
opiniões e propostas de uma forma caótica porque respondem a contextos
muito diversificados e específicos. A internet alimenta as ruas e estas
retroalimentam as redes sociais."
O que a imprensa não viu nas manifestações de março
Por Carlos Castilho em 22/03/2015
Tudo indica que as manifestações de rua tendem a ocupar um espaço cada
vez maior na definição do impasse entre adeptos e críticos do governo da
presidente Dilma Rousseff. Isso obrigará a imprensa a repensar a cobertura de protestos de rua daqui
por diante. Nos dias 13 e 15 de março, a quase totalidade da imprensa
nacional enfocou as manifestações como se elas fossem uma espécie de
plebiscito, priorizando a contagem dos participantes e a comparação
numérica entre os dois eventos de rua. Uma abordagem editorial coerente
com a estratégia do terceiro turno apregoada por alguns políticos
oposicionistas.
Mas a mídia não prestou atenção ao fato de os protestos atuais marcarem uma nova fase em matéria de manifestações públicas.
Elas já não apresentam palavras de ordem unificadas, uma característica
obrigatória em todos os protestos anteriores comandados e organizados
por partidos ou organizações políticas. Agora cada pessoa leva a sua
palavra de ordem, fato que deu origem a slogans aparentemente
despropositados e fora de contexto. A imprensa deixou de ver os cartazes
e faixas como a expressão de um desejo pessoal e não de um slogan
político-partidário.
As manifestações de rua, contra e a favor do governo Dilma, tendem a se
transformar em materializações daquilo que já rola nas redes sociais. O
que alguns chamaram de desvarios de radicais estampados em cartazes e
faixas na verdade circulam diariamente na internet. A análise dos
protestos não pode mais ser feita com base em valores e parâmetros da
era pré-internet porque estamos diante de uma nova realidade: a da avalancha de percepções,
opiniões e propostas de uma forma caótica porque respondem a contextos
muito diversificados e específicos. A internet alimenta as ruas e estas
retroalimentam as redes sociais.
As próximas manifestações provavelmente proporcionarão novos elementos
para compreender por que quem saiu às ruas na primeira quinzena de março
foi mais por uma vontade pessoal do que pela convocação de algum
partido ou movimento político. Estamos ingressando numa era em que os
indivíduos começam a ter mais protagonismo do que as organizações. E
neste ambiente o caos é inevitável, porque não há mais palavras
de ordem determinadas hierarquicamente. Estamos na era da avalancha
informativa cujas consequências para nosso dia a dia político foram
exemplarmente definidas pelo cientista norte-americano Alex Pentland, no
seu livro Social Physics (Física Social):
“Para entender o nosso novo mundo, nós devemos ampliar ideias
familiares sobre economia e política para incluir os efeitos de milhões
de indivíduos aprendendo uns dos outros, influenciando-se mutuamente na
formação de opiniões. Não podemos mais pensar como indivíduos que tomam
decisões de forma cautelosa; somos obrigados a incluir em nossas
decisões individuais os efeitos da dinâmica social que gera bolhas
econômicas, revoluções políticas e a economia da internet”. [Alex
Pentland, Social Physics: How Good Ideas Spread (Física Social: Como as boas ideias se espalham) Editora Penguin Press, 2014. Citação traduzida por mim.]
Cobrir o caos das manifestações de rua transformou-se num grande
desafio para a imprensa, se ela desejar manter um mínimo de relevância
social. Caso contrário, as redes sociais tendem a ocupar cada vez mais
espaços na forma como as pessoas se comunicam e se influenciam
mutuamente. Quando os jornais e telejornais desprezam a parte socialmente mais interessante dos protestos, porque
se preocupam apenas com o lado politico dos eventos, a mídia não leva
em conta a diversidade de motivos que fazem as pessoas sair de casa para
gritar contra ou a favor do governo.
É evidente que na massa de gente que foi às ruas surgiram cartazes estapafúrdios como
o que pedia a execração do educador Paulo Freire dos currículos
escolares e os que exigiam a entrega do poder ao Ministério Público, à
Polícia Federal ou ao Exército. São expressões do caos cognitivo vivido
por pessoas que recém estão se acostumando com a avalancha de informações e
com a velocidade com que elas passam “de boca em boca” na internet. Se a
imprensa estivesse realmente preocupada em reconquistar a confiança de
um público perplexo com as consequências das mudanças tecnológicas,
deveria deixar de aguçar paranoias ou estimular atitudes plebiscitárias.
As pessoas querem saber por que as coisas acontecem, pois já estão a
par do que acontece.
Fonte: Observatório da Imprensa
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