março 25, 2015

"O que a imprensa não viu nas manifestações de março". Por Carlos Castilho

PICICA: "As manifestações de rua, contra e a favor do governo Dilma, tendem a se transformar em materializações daquilo que já rola nas redes sociais. O que alguns chamaram de desvarios de radicais estampados em cartazes e faixas na verdade circulam diariamente na internet. A análise dos protestos não pode mais ser feita com base em valores e parâmetros da era pré-internet porque estamos diante de uma nova realidade: a da avalancha de percepções, opiniões e propostas de uma forma caótica porque respondem a contextos muito diversificados e específicos. A internet alimenta as ruas e estas retroalimentam as redes sociais." 


O que a imprensa não viu nas manifestações de março

Por Carlos Castilho em 22/03/2015
Tudo indica que as manifestações de rua tendem a ocupar um espaço cada vez maior na definição do impasse entre adeptos e críticos do governo da presidente Dilma Rousseff. Isso obrigará a imprensa a repensar a cobertura de protestos de rua daqui por diante. Nos dias 13 e 15 de março, a quase totalidade da imprensa nacional enfocou as manifestações como se elas fossem uma espécie de plebiscito, priorizando a contagem dos participantes e a comparação numérica entre os dois eventos de rua. Uma abordagem editorial coerente com a estratégia do terceiro turno apregoada por alguns políticos oposicionistas.

Mas a mídia não prestou atenção ao fato de os protestos atuais marcarem uma nova fase em matéria de manifestações públicas. Elas já não apresentam palavras de ordem unificadas, uma característica obrigatória em todos os protestos anteriores comandados e organizados por partidos ou organizações políticas. Agora cada pessoa leva a sua palavra de ordem, fato que deu origem a slogans aparentemente despropositados e fora de contexto. A imprensa deixou de ver os cartazes e faixas como a expressão de um desejo pessoal e não de um slogan político-partidário.

As manifestações de rua, contra e a favor do governo Dilma, tendem a se transformar em materializações daquilo que já rola nas redes sociais. O que alguns chamaram de desvarios de radicais estampados em cartazes e faixas na verdade circulam diariamente na internet. A análise dos protestos não pode mais ser feita com base em valores e parâmetros da era pré-internet porque estamos diante de uma nova realidade: a da avalancha de percepções, opiniões e propostas de uma forma caótica porque respondem a contextos muito diversificados e específicos. A internet alimenta as ruas e estas retroalimentam as redes sociais.

As próximas manifestações provavelmente proporcionarão novos elementos para compreender por que quem saiu às ruas na primeira quinzena de março foi mais por uma vontade pessoal do que pela convocação de algum partido ou movimento político. Estamos ingressando numa era em que os indivíduos começam a ter mais protagonismo do que as organizações. E neste ambiente o caos é inevitável, porque não há mais palavras de ordem determinadas hierarquicamente. Estamos na era da avalancha informativa cujas consequências para nosso dia a dia político foram exemplarmente definidas pelo cientista norte-americano Alex Pentland, no seu livro Social Physics (Física Social):

“Para entender o nosso novo mundo, nós devemos ampliar ideias familiares sobre economia e política para incluir os efeitos de milhões de indivíduos aprendendo uns dos outros, influenciando-se mutuamente na formação de opiniões. Não podemos mais pensar como indivíduos que tomam decisões de forma cautelosa; somos obrigados a incluir em nossas decisões individuais os efeitos da dinâmica social que gera bolhas econômicas, revoluções políticas e a economia da internet”. [Alex Pentland, Social Physics: How Good Ideas Spread (Física Social: Como as boas ideias se espalham) Editora Penguin Press, 2014. Citação traduzida por mim.]

Cobrir o caos das manifestações de rua transformou-se num grande desafio para a imprensa, se ela desejar manter um mínimo de relevância social. Caso contrário, as redes sociais tendem a ocupar cada vez mais espaços na forma como as pessoas se comunicam e se influenciam mutuamente. Quando os jornais e telejornais desprezam a parte socialmente mais interessante dos protestos, porque se preocupam apenas com o lado politico dos eventos, a mídia não leva em conta a diversidade de motivos que fazem as pessoas sair de casa para gritar contra ou a favor do governo.
É evidente que na massa de gente que foi às ruas surgiram cartazes estapafúrdios como o que pedia a execração do educador Paulo Freire dos currículos escolares e os que exigiam a entrega do poder ao Ministério Público, à Polícia Federal ou ao Exército. São expressões do caos cognitivo vivido por pessoas que recém estão se acostumando com a avalancha de informações e com a velocidade com que elas passam “de boca em boca” na internet. Se a imprensa estivesse realmente preocupada em reconquistar a confiança de um público perplexo com as consequências das mudanças tecnológicas, deveria deixar de aguçar paranoias ou estimular atitudes plebiscitárias. As pessoas querem saber por que as coisas acontecem, pois já estão a par do que acontece.

A repetição futura de novas manifestações não resulta apenas de uma estratégia da oposição mas principalmente porque as pessoas, contra e a favor, descobriram como compartilhar em carne e osso a insatisfação que já compartilham virtualmente na internet. Os protestos geraram o calor humano que as relações virtuais não permitem. A imprensa olimpicamente ignora esta realidade.

Fonte:  Observatório da Imprensa

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