março 25, 2015

"Belém: entre a riqueza e o submundo", por Lúcio Flávio Pinto

PICICA: "A jornalista Ana Célia Pinheiro, no seu blog, A Perereca da Vizinha, e em seguida o Diário do Pará, denunciaram uma situação chocante: o prefeito de Belém possui mais assessores (118) do que o de São Paulo (114). Daria um assessor para cada 114 mil habitantes de São Paulo e um para apenas 12 mil habitantes de Belém, com um exército de assessores 10 vezes maior do que o gestor da capital paulista, o petista Fernando Haddad.
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É um escárnio diante da situação de pobreza de Belém, 628ª no ranking do IDHM (Índice de Desenvolvimento Humano Municipal), atrás, inclusive, de capitais sempre mal posicionadas, como São Luís do Maranhão e Teresina (Piauí), além de cidades menores. No entanto, a assessoria do prefeito é um longo cabide florido por gente que parece bem sucedida num meio no qual não falta a exibição de riqueza."

Belém: entre a riqueza e o submundo

A população de Belém é de 1,4 milhão de habitantes, oito vezes menor do que a de São Paulo, com seus quase 12 milhões de moradores. Já o orçamento da capital paraense é 18 vezes menor do que o paulista, indicador da pobreza ainda maior da cidade, que completará 400 anos em 2016.

O prefeito de Belém dispõe de quatro reais por dia de receita pública para aplicar em benefício de cada um dos belenenses. É menos do que gasta o trabalhador que precisa pegar dois ônibus para ir e voltar do emprego. Enquanto São Paulo dispõe de orçamento anual de pouco mais de 50 bilhões de reais, o de Belém fica em R$ 2,8 bilhões.

Com essa receita, fazer uma boa administração municipal é tarefa que desafiaria o melhor, mais honesto e mais competente dos gestores públicos. Com desperdício, mau uso ou desvio de finalidade (sem falar na presença, cada vez mais agigantada, da corrupção), é desafio impossível de ser encarado. São justamente essas as características dos últimos governos da capital, incluindo o atual, de Zenaldo Coutinho, do PSDB.

A jornalista Ana Célia Pinheiro, no seu blog, A Perereca da Vizinha, e em seguida o Diário do Pará, denunciaram uma situação chocante: o prefeito de Belém possui mais assessores (118) do que o de São Paulo (114). Daria um assessor para cada 114 mil habitantes de São Paulo e um para apenas 12 mil habitantes de Belém, com um exército de assessores 10 vezes maior do que o gestor da capital paulista, o petista Fernando Haddad.

A assessoria de comunicação da prefeitura procurou relativizar a dramaticidade desses números com argumentos sofismáticos e insatisfatórios. De fato, parte desse pessoal aparece no gabinete de Zenaldo Coutinho, mas trabalha (ou pelo menos está alocado) em outros órgãos da prefeitura.

Foi assim que ele preencheu nada menos do que 68 cargos no Departamento de Administração, 15 no Promazen (o programa – andando a passos de cágado – de saneamento da bacia da Estrada Nova, iniciado pelo seu antecessor, Duciomar Costa, do PTB) e 14 na Junta Militar. Só 10 aparecem como lotados especificamente em seu gabinete. No entanto, 17 assessores lotados na Secretaria de Administração foram deslocados para o gabinete do prefeito e da sua vice, que ainda tem espaço para abrigar 25 em lotação direta.

O abuso não é só o quantitativo: é também o da destinação desses assessores (como explicar que seis deles estejam no cerimonial e cinco no Amabelém?) e sua condição, parte deles da classe média alta e média, detentores de um QI especial, o de vaticinados pelo Quem Indica. São da confraria do prefeito e do seu principal auxiliar, o secretário de administração, Augusto Coutinho, seu irmão. E de famílias colunáveis, provavelmente aparecendo mais nas colunas sociais do que nas sinecuras públicas.

É um escárnio diante da situação de pobreza de Belém, 628ª no ranking do IDHM (Índice de Desenvolvimento Humano Municipal), atrás, inclusive, de capitais sempre mal posicionadas, como São Luís do Maranhão e Teresina (Piauí), além de cidades menores. No entanto, a assessoria do prefeito é um longo cabide florido por gente que parece bem sucedida num meio no qual não falta a exibição de riqueza.

Por Belém trafegam mais de 100 motocicletas Harley-Davidson, as mais caras do mercado, importadas dos Estados Unidos. Apesar dessa frota invejável, ainda não há uma revenda dessa joia dos motoqueiros abastados. Para motos (e carros) BMW já há uma loja específica, que colocou muitos veículos num mercado no qual, antes, uma Mercedes era raridade.

Um dos dois Porsches que serviram de carro-madrinha na Fórmula 1, foi comprado no ano passado pela dona de uma franquia de produtos de beleza em Belém. A máquina custou 700 mil reais e mais 200 mil para blindar. Com a blindagem, diversos sensores foram desajustados. Mais serviço e mais gastos.

O filho de um magnata local resolveu exibir, na sede da Assembleia Paraense, um Audi importado que o pai comprou. Antes de chegar ao clube dito aristocrático, passou por dentro de um alagamento ao lado da adutora da Cosanpa, na avenida João Paulo II. A água cobriu o veículo e causou perda total do motor (o bloco explodiu). Como o jovem se apavorou e abriu a porta antes de chegar o guincho, a água invadiu o automóvel e molhou todos os sistemas eletrônicos. Com dois dias estava coberto de mofo.

Se o dono do carro conseguisse comprar um motor usado na Espanha, teria que pagar 75 mil dólares, segundo um especialista no assunto. O dinheiro teria que sair do seu bolso porque o seguro não cobriu o acidente. O magnata removeu o automóvel para seu sítio, na área metropolitana, onde a preciosidade pode ter virado peça de museu.

Os dois exemplos mostram que a classe média está comprando carros de Primeiro Mundo para rodar em uma metrópole de Terceiro Mundo (ou abaixo). A esposa de um magistrado, que dirigia um Honda Civic, passou por um dentre as centenas de alagamentos que se formam ao longo da BR-316, em Ananindeua. Água entrou no motor e causou um calço hidráulico.

O dono desse carro teve mais sorte: conseguiu que o seguro cobrisse as despesas da recuperação como se fosse um sinistro (com o tempo isso repercute nos prêmios dos seguros). Em uma das oficinas que procurou, o seu carro era o quarto automóvel que lá chegava com esse problema. A tomada de ar fica a uns trinta centímetros do solo e alagamentos dessa profundidade são rotina ao longo da BR-316.

O contraste é visível no dia a dia da cidade: uma infraestrutura incapaz de atender a demanda, que cresce. E por que cresce, se a cidade é pobre? Certamente em função de ilhas de riqueza e ostentação. De onde vem o dinheiro que as forma e mantém? Só uma parcela menor da economia formal, organizada e legalizada. Esse submundo econômico existe e funciona rotineiramente, embora sem ser captado pelos indicadores econômicos e sociais. Um economista, que reconhece esse submundo, acredita que, em algum momento, ele se comunica com o mundo econômico visível e mensurável, da superfície aparente.

Por sua importância, essa economia paralela precisa ser quantificada para se inserir no PIB de Belém e, dessa maneira, ser vista, analisada e se tornar suscetível a uma intervenção do poder público. A economia dos produtos piratas, por exemplo, já responde por boa parte do comércio do centro da cidade. Os vendedores desses produtos, estabelecidos normalmente na avenida João Alfredo e algumas transversais, são organizados e protegidos por autênticas máfias, que têm esquemas próprios de segurança, além da cobertura policial, apesar de operações de repressão realizadas eventualmente.

Os comerciantes tradicionais já foram deslocados. Muitos fecharam suas lojas, mesmo as tradicionais, abandonando o comércio ou passando a viver do aluguel dos imóveis para pessoas do comércio informal. Vários desses prédios, como o da Rofama, que vinha conseguindo manter seu armazém de ferragens por décadas, até capitular, se tornaram depósitos de mercadoria de ambulantes.
O economista observa que o grupo Yamada se adaptou a esse novo cenário vendendo para a classe C e alcançando o mesmo público dos camelôs, que encorparam e se transformaram numa questão de difícil enquadramento e solução. As saídas tentadas não deram certo ou ficaram comprometidas pela falta de seriedade e de persistência, desfeitas a cada nova eleição.

Esse mundo subterrâneo não é, contudo, privilégio do pequeno ou micro comércio. O maior grupo de comunicação do Estado (e do norte do país) mais se esconde do que se retrata nos seus balanços anuais. Os números não traduzem a grandeza visível da corporação, o que leva o público a deduzir das suas demonstrações financeiras que há uma economia paralela à margem do grupo Liberal (como certamente do grupo RBA, só que de perfil ainda menos devassável por não assumir a forma jurídica de sociedade anônima da Delta Publicidade, responsável pelo jornal O Liberal).

É notório também que as empresas de transporte coletivo de passageiros têm parte de suas receitas desviadas para um caixa 2 que alimenta a corrupção e uma parte remunera os próprios trabalhadores (motoristas e cobradores recebem uma jornada em espécie, diretamente da gaveta do cobrador).

Certa pessoa envolvida em um episódio de lavagem de dinheiro, em processo criminal que tramita até hoje, sem definição, pela justiça estadual, adquiriu e mantém funcionando um resort de praia dentro da mais perfeita legalidade. Vai continuar assim, se depender do ritmo da tramitação do processo.

Cada uma dessas histórias exemplares forma um complexo que, contado e medido, acredita o economista (que, obviamente, preferiu não ser identificado), explicaria essa exuberância de Belém que não gera receita pública. Uma conclusão óbvia é que esse tipo de negócio – narconegócios, pirataria, contrabando, corrupção, lavagem de dinheiro, boom imobiliário – não gera receita pública. Demonstrar isso é o problema.

Mas como o tamanho desse submundo é gigantesco, ele não pode mais ser ignorado. Se não é considerado, é porque alguma coisa vai muito mal na administração pública, como todos sabem, mas raros estão dispostos a levar em consideração para alguma iniciativa prática.

Pior para o futuro de Belém do Pará.

Fonte: Lúcio Flávio Pinto

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