PICICA: "Uma onda de
patriotismo, moralismo e correção inunda o país da falta d’água. Não se
quer mais corrupção e impunidade. E isso é ruim? Claro que não!
O mal é
utilizar o argumento não para buscar um acerto geral e sim para alcançar
maiores benefícios pessoais, ou seja, para alterar apenas aquilo que
incomoda ao projeto pessoal, indo-se nem sempre em uma direção
progressista das condições social e humana.
É assim, por
exemplo, que pelo argumento da existência da corrupção alguns tentam
chegar à justificativa para defender a diminuição dos impostos ou mesmo
para não pagá-los. Muitas pessoas, mas muitas mesmo, que criticam a
imoralidade na política sonegam impostos e aproveitam-se da imoralidade
alheia para justificar a sua conduta ilegal. Como dito pelo jornalista
Juca Kfouri, “Nós, brasileiros, somos capazes de sonegar meio trilhão de
reais de Imposto de Renda só no ano passado. Como somos capazes de
vender e comprar DVDs piratas, cuspir no chão, desrespeitar o sinal
vermelho, andar pelo acostamento e, ainda por cima, votar no Collor, no
Maluf, no Newtão Cardoso, na Roseana, no Marconi Perillo ou no Palocci.”"
Impeachment, corrupção, hipocrisia e terceirização
Uma onda de
patriotismo, moralismo e correção inunda o país da falta d’água. Não se
quer mais corrupção e impunidade. E isso é ruim? Claro que não!
O mal é
utilizar o argumento não para buscar um acerto geral e sim para alcançar
maiores benefícios pessoais, ou seja, para alterar apenas aquilo que
incomoda ao projeto pessoal, indo-se nem sempre em uma direção
progressista das condições social e humana.
É assim, por
exemplo, que pelo argumento da existência da corrupção alguns tentam
chegar à justificativa para defender a diminuição dos impostos ou mesmo
para não pagá-los. Muitas pessoas, mas muitas mesmo, que criticam a
imoralidade na política sonegam impostos e aproveitam-se da imoralidade
alheia para justificar a sua conduta ilegal. Como dito pelo jornalista
Juca Kfouri, “Nós, brasileiros, somos capazes de sonegar meio trilhão de
reais de Imposto de Renda só no ano passado. Como somos capazes de
vender e comprar DVDs piratas, cuspir no chão, desrespeitar o sinal
vermelho, andar pelo acostamento e, ainda por cima, votar no Collor, no
Maluf, no Newtão Cardoso, na Roseana, no Marconi Perillo ou no Palocci.”1
Claro que,
potencialmente, quem tem a obrigação de cuidar da coisa pública e se
aproveita da posição que ocupa para furtar o erário comete um erro
infinitamente maior do que aquele que se vale do argumento da
improbidade administrativa para se ver livre de obrigações legais. Ainda
assim, um erro não justifica o outro.
Além disso,
na prática de apontar os erros alheios nem sempre importa a coerência no
sentido de não cometer os mesmos erros ou outros equivalentes.
Mais ainda não impera o comprometimento real, propugnando-se soluções que apenas impõem sacrifícios alheios.
Vejamos.
Se a
economia vai mal, os congressistas e administradores pensam em soluções
que diminuem direitos dos trabalhadores, mas não pensam em diminuir os
próprios salários. Aliás, bem ao contrário, na mesma época em que se
retomam as falácias do “custo Brasil”, que se reforçam com a retórica da
“crise” eterna, os políticos aumentam2 os seus ganhos, sendo esta, aliás, a lógica que, necessariamente, se impôs ao Judiciário3
para impedir que sirva como “tábua de salvação” do respeito à ordem
constitucional, pautada, ainda que minimamente, por uma lógica
republicana destinada à realização da justiça social.
Da mesma
forma, muitos empresários (mais uma vez, reproduzindo o que vêm fazendo,
sistematicamente, na realidade brasileira, desde a década de 50)
reivindicam redução dos custos dos direitos trabalhistas, sendo que
antes o faziam sob a promessa de mais contratações de trabalhadores e
agora como a necessidade imperiosa para a manutenção dos empregos, mas
não anunciam redução dos ganhos de diretores, não divulgam os balanços
explicitando o peso dos encargos trabalhistas no orçamento e o real
efeito das reduções pretendidas, não efetivam auditoria para sanar as
contas, não aceitam que os trabalhadores tenham acesso às informações
sobre a administração e a saúde econômica da empresa, não admitem a
institucionalização jurídica da garantia de emprego contra dispensas
arbitrárias, ou seja, querem “segurança jurídica” para si, mas querem
manter os trabalhadores em extrema insegurança, que não é só jurídica,
mas também econômica e social, e tentam, então, utilizar o seu poder de
“mandar embora” o trabalhador para aí sim, estando este já com a corda
no pescoço, negociar condições de trabalho.
Fato é que
se existisse uma crise econômica estrutural, qualquer solução
minimamente séria somente poderia ser pensada de forma também
estrutural, ou seja, atingindo a todos os setores da sociedade, ou, mais
precisamente, a todas as classes da sociedade. E por incidência dos
princípios da isonomia e da justiça social, atendendo ao projeto
constitucional da diminuição das desigualdades, o sacrifício
eventualmente necessário deveria atingir em primeiro plano aqueles que
historicamente se beneficiaram dos momentos de bonança e os que ostentam
as melhores condições econômicas.
A
reivindicação de redução dos direitos trabalhistas, vista no contexto da
realidade histórica, é uma agressão aos trabalhadores, que são,
efetivamente, aqueles que produzem riquezas, e é, ao mesmo tempo, uma
desconsideração de que os direitos trabalhistas surgem como conquista
dos trabalhadores e como forma de regulação do próprio modelo de
sociedade capitalista.
Traduzindo
em palavras mais diretas, é como se o capital dissesse à classe
trabalhadora: “Bom, eu te explorei durante anos e com isso acumulei
riquezas, enquanto você sobreviveu com limitações. Agora, quando meu
lucro tende a diminuir, eu preciso te impor mais limitações, para manter
o meu padrão de vida, sendo que se não for assim não terei mais
interesse em continuar te explorando…”
Pois muito
bem, quando o setor econômico (com o apoio de políticos) vem a público
reivindicar, abertamente, a legalização da terceirização, com ampliação
irrestrita, o que está dizendo é exatamente isso, contendo, ainda, a
mensagem subliminar de que não quer que os trabalhadores se percebam
como classe e que tenham condições concretas de se organizar para a luta
sindical.
Claro, não
se fala isso expressamente. O que se diz é que “a terceirização é fruto
da reengenharia da produção, necessária para a competitividade, vez que
confere às empresas maior flexibilidade administrativa”, ou coisa que o
valha. Tenta-se, ainda, inverter plenamente a realidade, para justificar
a regulação da terceirização como forma de ampliar os direitos dos
trabalhadores, garantido-lhes segurança jurídica.
Mas o que
significam, de fato, essas palavras? “Flexibilidade administrativa” é o
poder de contratar e descontratar mão-de-obra, sem formar vínculos
pessoais e institucionais da empresa com os trabalhadores. “Maior
competitividade” é reduzir custos, o que se possibilita mediante a
contratação de uma empresa intermediária, de prestação de serviços,
desprovida de meios de produção, à qual o capital tem ampla
possibilidade de impor o valor e prazos para a execução dos serviços sem
sequer considerar o mínimo que seria necessário para satisfazer os
créditos trabalhistas. “Reengenharia da produção” é desvincular-se das
relações coletivas com os sindicatos dos trabalhadores, fragilizados na
pulverização promovida pelas subcontratações.
Que
segurança jurídica se garante aos trabalhadores? Nenhuma. O trabalhador
terceirizado não tem vínculos duradouros, não se socializa no ambiente
de trabalho, não se vê como classe em antagonismo ao capital que o
explora, até porque não o reconhece. O trabalhador terceirizado é
segregado, discriminado (pelos próprios trabalhadores efetivos) e dada a
debilidade econômica de seu empregador é submetido a trabalhos em
condições precárias de trabalho.
Segundo
números extraídos apenas das ações que tramitaram na Justiça do
Trabalho, em um único ano, o de 2011, 2,8 mil trabalhadores morreram em
decorrência de acidentes do trabalho, que estão, inegavelmente,
relacionados a uma maior precariedade nas relações de trabalho. Aliás,
em infeliz coincidência com a colocação da seleção brasileira na Copa do
mundo, a precariedade das relações de trabalho conduziu o Brasil a
outro quarto lugar, especificamente no que tange ao número de acidentes
fatais no trabalho4 nos diversos países do mundo.
E, conforme os “dados do Dieese, o risco de um empregado terceirizado
morrer em decorrência de um acidente de trabalho é cinco vezes maior do
que nos demais segmentos produtivos”5.
A Petrobrás,
por exemplo, tem chamado a atenção da grande mídia e gerado uma enorme
repulsa de parte considerável da população em razão dos casos de
corrupção em que a estatal está envolvida. Mas essa mesma grande mídia
não dá destaque ao fato de que o processo de terceirização iniciado na
Petrobrás na década de 90 – e ampliado nas décadas seguintes – é o que
tem facilitado a promiscuidade imoral e ilegal entre o público e o
privado, ao mesmo tempo em que tem submetido os trabalhadores a
condições de trabalho subumanas.
Lembre-se
que no dia 11 de fevereiro de 2015, um acidente na cidade de São Mateus,
ES, em navio-plataforma da empresa norueguesa BW Offshore, que presta
serviços à Petrobrás, deixou nove trabalhadores mortos e 26
trabalhadores feridos e a questão da terceirização simplesmente passou
ao largo de qualquer análise da grande mídia e da ira da população em
geral.
O Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho denunciou a situação com a publicação da seguinte nota a respeito:
Terceirização
A
realidade encontrada pelos Auditores-Fiscais no dia a dia da
fiscalização é de que os acidentes estão ocorrendo com mais frequência
entre os trabalhadores terceirizados do que com os contratados diretos
das empresas, lembra Rosa Maria Campos Jorge, presidente do Sinait.
“Esses acidentes estão relacionados diretamente às condições
precarizadoras de trabalho impostas pela terceirização, que violam
direitos, adoecem e matam trabalhadores”, denuncia.
A
afirmação é reforçada pelo diretor do Sindipetro/ES, Enéias Zanelato,
que declarou que a maioria dos trabalhadores a bordo do navio-plataforma
FPSO Cidade de São Mateus é terceirizada. “Os empregados do quadro são
coordenadores de equipe e, os outros, são terceirizados, que atuam de
maneira precarizada”.
Enéias
diz ainda que, atualmente, com as novas descobertas de petróleo no
país, a demanda da Petrobras cresceu. “Há terceirização indiscriminada
na atividade-fim, além de um plano de negócios e um processo de gestão
que foca muito no aumento da produção”. A maneira que isso se reflete na
empresa, segundo Zanelato, é o aumento no número de terceirizados que
atualmente se encontra na proporção de cinco contratados para um
concursado. “São 85 mil concursados para 300 mil terceirizados e o
número deve se ampliar com a produção do pré-sal”.
No
entanto, segundo Enéias, o Sindipreto/ES luta para que haja uma
política de concursos públicos permanentes. “Os empregados concursados
não sofrem acidentes de trabalho, o que significa que há uma sobrecarga
para os terceirizados que precisa acabar, e uma forma de mudar isso é
por meio de concurso público”. (“Seis mortos e 12 feridos em explosão de navio-plataforma no litoral do ES“).
Assim, a
onda moralista deveria, necessariamente, que se opor ao processo de
terceirização, mas desse aspecto específico, das condições de trabalho
dos terceirizados, pouco se fala, a não ser como semente para alimentar
uma intenção privatizante. Para muitos moralistas pouco importa como os
produtos chegam ao seu consumo ou como os lugares que freqüentam foram
construídos ou são mantidos limpos ou mesmo que a sua exigência pelo
menor preço constitua incentivo à precarização. Muitos segmentos
empresariais, que vindicam o “impeachment” da Presidenta Dilma, aliás,
de forma sistemática, não registram seus empregados, não recolhem FGTS,
pagam salários “por fora”, não pagam horas extras etc. etc. etc.
Em suma, a
onda moralista não tem uma racionalidade efetivamente corretiva da
realidade, sendo, antes, oportunista e comprometida com uma lógica
individualista e exploratória.
Isso não
significa, por outro lado, uma absolvição do governo petista, pois se há
uma lógica golpista na pregação do impeachment e uma ideologia
entreguista na reivindicação de privatização da Petrobrás, é bem certo
que quem deu força a esses movimentos foram, exatamente, os desmandos
administrativos praticados na Petrobrás, além da forma sempre fugidia da
realidade adotada pelos governistas no seu diálogo com a sociedade.
É
interessante perceber o quanto o governo, ultimamente, tem se utilizado,
em sua defesa, do argumento de que nas gestões anteriores também
ocorreram desvios na Petrobrás ou que a mídia só dá destaques aos seus
defeitos e não aos de políticos de outros partidos. Mas, da mesma forma,
um erro não justifica o outro, muito embora erro muito maior seja o de,
a propósito de “moralizar o país”, tentar destruir as bases
democráticas.
Ainda assim
vale insistir. O governo petista não deve ser simplesmente perdoado
pelos desmandos administrativos cometidos em razão de se encontrarem
erros iguais ou equivalentes em gestões passadas ou atuais, no âmbito
estadual, ou mesmo em razão do risco de um golpe institucional, pois o
que se preconizava era que “nunca antes na história desse país” uma
administração teria sido tão honesta e tão social.
Aliás, muito
menos se pode considerar que o governo petista tenha feito gestões
efetivamente benéficas aos trabalhadores, até porque também neste
aspecto a defesa do governo tem sido a do império do mal menor, tentando
fazer imaginar o quanto teria sido pior se o governo fosse do PSDB.
Ocorre que
em 12 (doze) anos de governo não se verificou nenhum empenho verdadeiro
do governo para ampliar os direitos dos trabalhadores de forma concreta,
como se daria, por exemplo, com a instituição da garantia de emprego,
ao menos nos termos da Convenção 158 da OIT, tendo como parâmetro o
inciso I, do art. 7º. da CF.
Não se viu,
ademais, uma reversão do caminho trilhado na década de 90. Com efeito,
nenhuma das reformas flexbilizadoras da legislação trabalhista
implementadas no período (banco de horas e terceirização, por exemplo)
foram desfeitas. Bem ao contrário, a utilização da terceirização no
setor público federal foi extremamente ampliada.
Avanços, é
verdade, chegaram a ocorrer, mas foram revertidos, como se verificou na
lei dos motoristas e na Emenda Constitucional n. 72, de 2013, sobre o
trabalho das trabalhadoras domésticas, cuja regulamentação ainda não
veio, mas tudo indica que venha com graves restrições, tendo o governo e
os partidos políticos cedido à forte reação advinda exatamente de
muitos daqueles que agora pregam justiça e ética, mas que no aspecto da
ampliação dos direitos às trabalhadoras domésticas não foram capazes de
superar nossa tradição cultural escravista, racista e de opressão de
gênero, a qual, inclusive, se verificou de forma explícita nas recentes
ofensas pessoais feitas à Presidenta Dilma.
No percurso
histórico dos últimos anos não se deve esquecer da Lei n. 11.101, da
recuperação judicial, que foi um dos maiores ataques já desferidos
contra os direitos dos trabalhadores, tendo retirado do crédito
trabalhista (superior a 150 salários mínimos) o caráter privilegiado com
relação a outros créditos, buscado eliminar a sucessão trabalhista e
ter servido até hoje como forma de institucionalização do “calote”
trabalhista; do advento, em março de 2007, do Projeto de Lei
Complementar (PLC n. 7.272/05), que chegou a ser aprovado no Congresso
Nacional, que criava a denominada “Super Receita” e trazia no seu bojo a
malfadada Emenda aditiva, de autoria do Senador Ney Suassuna, apelidada
de Emenda 3, que retirava o poder de fiscalização dos fiscais do
trabalho; do fato de que, em junho de 2011, o PL 4.330/04, de autoria do
Deputado Federal e empresário, Sandro Mabel, que visa ampliar, sem
qualquer limite, a terceirização, e que estava paralisado no Congresso
desde 2004, quando foi apresentado, voltou a tramitar, impulsionado pelo
substitutivo do Deputado Roberto Santiago (PV-SP); do anteprojeto de
lei gestado no Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, filiado à CUT,
propondo a institucionalização de um Acordo Coletivo Especial (ACE), que
revigorava a tentativa do governo de Fernando Henrique Cardoso de
implementar o negociado sobre o legislado, favorecendo, no jogo livre
das forças, em uma conjunta de desemprego estrutural, aos interesses
empresariais e que, em meados de 2012, foi enviado ao governo para que
fosse apresentado pelo Executivo ao Congresso Nacional; do Decreto n.
8.243, também patrocinado pelo governo federal, um projeto de lei que
visa a criação de um Sistema Único do Trabalho (SUT), pelo qual, de
forma bastante sutil, retoma a ideia embutida na Emenda 3, de negar o
caráter de indisponibilidade da legislação trabalhista.
Recorde-se,
ainda, que após a reeleição de 2014, alcançada sob a promessa de
preservação dos direitos trabalhistas, o governo promoveu uma reforma
ministerial de índole assumidamente neoliberal, pela qual conduziu
Joaquim Levy, Nelson Barbosa e Armando Monteiro Neto, respectivamente,
aos Ministérios da Fazenda, do Planejamento e do Desenvolvimento, sendo
que o último nome referido presidiu a CNI (Confederação Nacional da
Indústria) de 2002 a 2010 e disse em seu discurso inaugural na cadeira
que:
“O
desafio central é promover a competitividade. O que significa reduzir
custos sistêmicos e elevar a produtividade. A agenda da competitividade
envolve várias áreas dentro do governo e demanda intensa articulação e
coordenação. É papel primordial do Ministério do Desenvolvimento
realizar essa tarefa. E colocar o tema da competitividade no centro da
agenda política do país.”
Destaque-se,
ainda, a nomeação pela Presidenta Dilma da Senadora Kátia Abreu, que
preside a CNA (Confederação Nacional da Agricultura), como Ministra da
Agricultura.
Dentro desse
contexto advieram, no final de dezembro de 2014, as MPs ns. 664 e 665,
que restringiram o acesso dos trabalhadores a direitos como
seguro-desemprego, auxílio-reclusão e pensão por morte, além de
conferirem aos empregadores o controle total sobre declaração da saúde,
ou não, dos trabalhadores para efeito da continuidade da prestação de
serviços.
Não é
possível, por fim, deixar de debitar nas contas do governo a violenta
repressão promovida nas últimas greves dos servidores federais e a forma
opressora como agiu, em conjunto com as Secretarias de Segurança dos
Estados, geridos por Partidos diversos, com relação às manifestações
contra Copa, tendo incentivado, inclusive, a adoção de uma Lei
Antiterrorismo (PL 499/13), que reproduzia conceitos da Lei de Segurança
Nacional, típicos da época da ditadura, atentando, pois, contra a
lógica democrática, tudo para abafar as manifestações, as quais se
opunham à realização da Copa no Brasil ou que serviam como instrução
para reivindicação de direitos sociais e melhorias nas condições de vida
da população.
Não há,
portanto, muito como defender o governo federal a partir do argumento de
que tenha promovido uma defesa incondicional dos interesses da classe
trabalhadora e que essa postura seja a origem da reação da direita, que
estaria, assim, expressando um ódio de classe, da classe rica, frente
aos benefícios concedidos pelo governo federal à classe trabalhadora.
De todo
modo, tem-se pela frente a grande oportunidade de efetivar uma prova dos
nove a respeito de tudo isso, vez que a reivindicação da ampliação da
terceirização está nas pautas política e econômica e a classe
trabalhadora, apoiada por representantes de peso do segmento jurídico
trabalhista, já manifestou sua contrariedade por intermédio de uma carta
enviada diretamente à Presidenta Dilma6, sendo certo que o ideal mesmo para a defesa concreta da dignidade dos trabalhadores é o fim da terceirização.
É o momento,
pois, do governo, como diz o ativista Guilherme Boulos, se fazer
defensável, ao menos no aspecto do seu alinhamento com a causa dos
trabalhadores, promovendo a ratificação da Convenção 158, da OIT,
assumindo a rejeição ao PL 4.330/04, assegurando o direito de greve e
eliminando a terceirização, a começar por aquela que,
inconstitucionalmente e de forma imoral, se pratica no âmbito do setor
público.
De todo
modo, culpar o governo é cômodo. Não compete à classe trabalhadora
assistir a tudo isso como mera espectadora, cumprindo-lhe retomar o
papel de protagonista da história.
A classe
empresarial, aproveitando-se da fragilidade da resistência teórica e
prática da esquerda, que foi sequestrada e mantida sob custódia no
argumento de que não se pode desestabilizar o governo petista para não
fortalecer a direita, tem avançado de forma expressa e firme sobre os
direitos da classe trabalhadora, e a resistência que se vê por parte
desta é bastante tímida, acuada, feita nos bastidores, com pleito
limitado à manutenção da terceirização como está. Ou seja, no assunto
específico da terceirização, os trabalhadores não estão nas ruas,
efetivando uma ação política real, acostumada que foi, nos últimos anos,
a fazer política de tratativas parlamentares e este talvez seja o maior
legado negativo das gestões petistas para a classe trabalhadora.
Claro, isso
está mudando bastante nos últimos anos, sobretudo após o impulso das
manifestações de junho de 2013. Destaquem-se, em 2014, as greves dos
garis no Rio de Janeiro, dos rodoviários em São Paulo e em Porto Alegre,
dos metroviários em São Paulo, dos professores da rede pública em São
Paulo, dos servidores da USP, dos bancários e dos servidores federais
(no IBGE, no Judiciário Federal); e, já em 2015, dos trabalhadores da
Volks e da GM e dos professores no Estado do Paraná.
O cenário,
portanto, está montado, exigindo-se que as peças se encaixem nos devidos
lugares de forma clara e verdadeira: que quem for moralista, que o seja
por completo; que quem defender o sacrifício para solucionar a crise,
que comece por si; que se o sacrifício for necessário, que atinja
primeiro a quem mais tem se beneficiado historicamente desse modelo de
sociedade; que se o governo quer se legitimar pelo argumento de se
constituir um defensor dos interesses dos pobres e da classe
trabalhadora que passe, então, a agir concretamente neste sentido; que
se alguém que se reivindique de esquerda, que tenha a independência e o
compromisso necessários para ver a realidade com a visão de mundo da
classe trabalhadora; que as mortes de trabalhadores não restem impunes;
que o projeto constitucional da justiça social, da proteção da dignidade
humana, da produção real da igualdade, da eliminação de todas as formas
de discriminação, do respeito aos Direitos Humanos, da função social da
propriedade, do valor social do trabalho, do valor social da livre
iniciativa e da melhoria da condição social dos trabalhadores seja
efetivamente gerido pelo Estado, sendo essencial para tanto a eliminação
da corrupção, dos favoritismos e da visualização de dividendos
políticos mesquinhos e imediatos, e esteja integrado, de forma concreta,
ao compromisso moral de todos, gerando a recriminação generalizada da
sonegação…
Um marxista
não acreditaria na eficácia desse projeto, denunciando esses preceitos
jurídicos como meras estruturas necessárias às trocas de mercadorias, às
quais se inseriria, inclusive, a força de trabalho, o que eliminaria
por completo a possibilidade de elevação da condição social e econômica
do trabalhador ao nível de uma igualdade real na sociedade capitalista.
A exemplo
das questões da corrupção e do impeachment, o que se fará e mesmo o que
se dirá a respeito da terceirização, posta em pauta, constituirá a
resposta para todas as questões afloradas pela situação política
vivenciada no país, que nenhuma hipocrisia mais dará conta de camuflar!
São Paulo, 10 de março de 2015.
1 “O panelaço de barriga cheia e do ódio”, Blog do Juca (UOL).
2 “Câmara aprova aumento de benefícios para deputado“, por Wilson Lima, em: Congresso em foco.
3. “CNJ aprova pagamento de auxílio-moradia de R$ 4,3 mil para juízes“, por Nathalia Passarinho, G1. 4 “Brasil é o quarto país em número de acidentes fatais no trabalho“, Consultor jurídico.
5 “Brasil é o quarto país em número de acidentes fatais no trabalho“, Consultor jurídico.
6 “Fórum contra terceirização envia carta a Dilma“, Portal Sindicato dos Bancários.
***
Jorge Luiz Souto Maior é juiz do trabalho e professor livre-docente da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP). Autor de Relação de emprego e direito do trabalho (2007) e O direito do trabalho como instrumento de justiça social (2000), pela LTr, e colabora com os livros de intervenção Cidades rebeldes: Passe Livre e as manifestações que tomaram as ruas do Brasil (Boitempo, 2013) e Brasil em jogo: o que fica da Copa e das Olimpíadas?. Colabora com o Blog da Boitempo mensalmente às segundas.
Fonte: Blog da Boitempo
Nenhum comentário:
Postar um comentário