março 17, 2015

"Da crise mundial à crise do Lulismo". Por Felipe Amin Filomeno

PICICA: "Por uma década, PT buscou construir social-democracia desenvolvimentista que superasse antagonismo “Casa Grande e Senzala”. Esta conjuntura acabou: a “Casa Grande” foi às ruas"

Da crise mundial à crise do Lulismo


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Por uma década, PT buscou construir social-democracia desenvolvimentista que superasse antagonismo “Casa Grande e Senzala”. Esta conjuntura acabou: a “Casa Grande” foi às ruas

Por Felipe Amin Filomeno | Imagem: Ana Menendez, dos Jornalistas Livres

As manifestações ocorridas neste Março confirmam que o Brasil se encontra numa grande crise social, com implicações econômicas, políticas e culturais. Há um consenso emergente entre os intelectuais de esquerda de que a crise está associada ao esgotamento do Lulismo. Defino como Lulismo o modelo de desenvolvimento sócio-econômico implementado pelo PT no governo federal, baseado no tripé presidencialismo de coalizão, prosperidade econômica mundial e desenvolvimentismo social-democrata. Em palavras simples, com o agravamento da crise econômica, o cobertor ficou curto demais para atender às demandas crescentes da parcela da sociedade que ascendeu socialmente na última década e aos custos de cooptação de partidos políticos que costumavam formar a base aliada do PT no Congresso Nacional.

Diante deste quadro, o PT não inovou em políticas públicas e em estratégia política. Pior, após vencer a eleição presidencial com uma agenda de propostas à esquerda, curvou-se aos seus adversários, adotando uma política de austeridade e o discurso moralista de combate à corrupção. Isto não tem sido suficiente para acalmar os ânimos do “mercado”, para diminuir a oposição das grandes empresas de comunicação, para conter a raiva dos setores conservadores da classe média ou para reaglutinar a “base aliada”. O PT não quis assumir os riscos de uma radicalização e, agora, paga o preço da aposta na agenda conservadora.

As forças conservadoras de oposição, por outro lado, galvanizaram-se em um movimento de contra-reforma. Neste movimento, confluem diversas correntes. Primeiramente, há o conservadorismo de classe — daqueles que sempre odiaram a esquerda e o PT, daqueles que não conseguem mais arcar com o salário da empregada doméstica, daqueles que viram seu lucro encolher por causa do aumento dos salários dos empregados, daqueles que passaram a dividir o aeroporto, o shopping e a universidade com pessoas da “periferia”. Em segundo lugar, há o conservadorismo moralista — daqueles que veem na Igreja e no Exército instituições capazes de solucionar, pela via autoritária e fundamentalista, os problemas de uma democracia disfuncional. Um dos principais — talvez o principal — ator neste movimento de contra-reforma conservadora é a mídia capitalista. Seu massacre ideológico contra o PT tem gerado, há anos, um clima de niilismo político e instabilidade que fomenta o radicalismo de direita.

Por mais de uma década, o PT buscou construir consensualmente uma social-democracia desenvolvimentista que fosse capaz de superar o antagonismo da “Casa Grande e Senzala”. Esta conjuntura acabou. A “Casa Grande” foi às ruas no dia 15 de Março. E que a maior parte dos manifestantes contra o governo seja de classe média não faz desta manifestação menos da “Casa Grande”. Em países centrais, com baixa desigualdade social, uma grande classe média serve como sustentáculo da democracia. No Brasil, não. A classe média brasileira age como “Casa Grande” e, cada vez mais, “ousa dizer seu nome”, admitindo-se fascista, classista, racista e machista. Basta ver o conteúdo dos cartazes das manifestações de direita ocorridas neste dia 15.

Há, claro, indivíduos de classe média que não são conservadores e autoritários, mas que são muito vulneráveis à manipulação ideológica que reduz todos os problemas do país à corrupção associada à Dilma e ao PT (que, na prática, controlam apenas um fragmento do sistema político brasileiro). A classe média brasileira avalia o mundo da perspectiva de sua varanda gourmet, mas não percebe isso. Não são indivíduos que, durante os governos do PT, passaram a ter uma pessoa com nível superior na família pela primeira vez, que passaram a ter carteira assinada pela primeira vez, que viajaram de avião pela primeira vez. Então é lógico que vão bater panela na varanda depois de ficarem enfurecidos com o país ao lerem a capa da Veja enquanto estão na fila do caixa do Pão de Açúcar. E a taxa de câmbio é uma variável importantíssima nesta dinâmica política de classe. O dólar alto distancia a classe média brasileira do padrão de consumo dos países avançados e gera frustração política quase imediatamente.


À medida que a crise do Lulismo se agrava, não só as políticas desenvolvimentistas e redistributivas estão a ser desmanteladas, mas a própria democracia brasileira está ameaçada. O PT está refém das forças conservadoras e de seu próprio governismo. A contra-ofensiva conservadora está forte e bem organizada, contando com seu poder econômico, seu aparato mídiático-ideológico e suas bancadas parlamentares. Será preciso muita mobilização e inteligência política da parte dos movimentos sociais, dos partidos de esquerda e dos setores esclarecidos da sociedade civil para evitar que o Brasil, ao invés de superar a crise do Lulismo iniciando um novo ciclo de desenvolvimento, faça uma curva de retorno ao neoliberalismo e ao autoritarismo. Há muita coisa no Brasil para se consertar, incluindo erros cometidos pelo PT apesar dos avanços promovidos pelo Lulismo, mas um impeachment motivado por ódio de classe, por fundamentalismo religioso e por ideologia fascista só agravaria os nossos problemas.
 

Felipe Amin Filomeno


É Doutor em Sociologia pela Johns Hopkins University (EUA), atuando nas áreas de Economia Política Internacional e Comparativa, com foco na América Latina. Desde 2012, é professor adjunto do Departamento de Economia e Relações Internacionais da Universidade Federal de Santa Catarina. Seu currículo Lattes está aqui. Mantém o blog: http://felipeaminfilomeno.wordpress.com.

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