outubro 04, 2015

Emicida, poesia de rua sem fronteiras (OBVIOUS)

PICICA: "Com muita liberdade e rimas autênticas de indignação social, a música do rapper Emicida alcança públicos de diferentes realidades sociais no Brasil, graças à notável projeção de sua carreira."



Emicida, poesia de rua sem fronteiras


Com muita liberdade e rimas autênticas de indignação social, a música do rapper Emicida alcança públicos de diferentes realidades sociais no Brasil, graças à notável projeção de sua carreira. (Fotos de Michele Newby)


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Emicida apresentou na Espanha suas rimas de crítica afiada.
 
A sigla MPB (Música Popular Brasileira) ganhou significado de bandeira de protesto nos anos 60 quando a repressão tentou calar muitos artistas. Mas há também outros estilos musicais que não costumam ser encaixados no termo que sempre foram voz de uma geração e suas mazelas, como o samba e o rock. Nas últimas décadas, o rap realiza este papel de forma mais incisiva, ao cantar o cotidiano dos prejudicados pela desigualdade social no país, especialmente dos negros. No entanto, não são todos os rappers que alcançam uma visibilidade fora da periferia. 

Através de rimas autênticas e aberto aos canais da mídia, o artista Leandro Roque de Oliveira, o Emicida, faz uma música que dialoga com as diferentes realidades do controverso Brasil sem perder a identidade ideológica que marca o gênero. 

Suas letras soam como um alerta à necessidade de reação, onde a concordância verbal não é o mais importante, mas sim discordar de uma realidade indigna. Bom exemplo é a música Boa Esperança, de seu último CD, Sobre Crianças, Quadris, Pesadelos e Lições de Casa: “Por mais que você corra irmão/Pra sua guerra vão nem se lixar/Esse é o xis da questão/Já viu eles chorar pela cor do orixá?/E os camburão o que são?/Negreiros a retraficar/Favela ainda é senzala jaó/Bomba relógio prestes a estourar”.

Ele já deu entrevistas para Jô Soares, Marília Gabriela, para o provocador Antônio Abujamra, se fez famoso nos veículos de comunicação mais importantes e mostrou que é possível divulgar-se através da mídia, sem vender-se a ela. Com 30 anos e seis trabalhos lançados (entre EPs, álbuns e mixtapes), sua música mostra a realidade da favela numa reflexão que transita por diferentes públicos. 

O artista se apresentou durante o Dia do Brasil em Barcelona, um dos shows mais esperados do evento, prova de que seu trabalho já conquistou quem está há muito tempo longe de casa. O festival, em comemoração ao Dia da Independência do Brasil, é um dos eventos brasileiros mais importantes realizados na Espanha. Esta sétima edição, realizada no último dia 6, contou com um público de 13 mil pessoas. 

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Emicida e seu produtor e irmão, Evandro Roque de Oliveira, o Fióti, a caminho do palco para o show em Barcelona. 

Seu repertório passeou por clássicos, fez homenagem a mestres como Jair Rodrigues e Cartola e mostrou, através de suas composições, que a música brasileira ainda transborda criatividade e está fora de classificações fáceis. 

A projeção alcançada por Emicida também se deve à sua linguagem musical aberta a outros estilos. É considerado não só revelação do rap como da MPB. Seu último disco gravado por seu selo e produtora Laboratório Fantasma, é uma mescla entre batidas fortes do rap e melodias mais suaves, como as faixas gravadas com Vanessa da Mata (Passarinhos) e Caetano Veloso (Baiana). O artista também já atuou com nomes como Pitty, Skank, Lenine e Mart`nália. 

Em uma rápida entrevista antes do show, escondendo talvez o cansaço atrás dos óculos escuros (“Não dormi ainda”, contou), ele comentou sua paciência com a mídia e a liberdade de ser um poeta da rua com voz midiática. 

Como um artista independente, que faz um rap de protesto chega aos holofotes da mídia?
 
Esta não é uma característica do Emicida. O Racionais Mc`s já tinha quebrado esta barreira. Playboy escuta Racionais desde os anos 90. Eu sou a continuidade desta história. Talvez o que eu tenha de diferente é que sou um pouco mais paciente com relação aos meios de comunicação. Eu me comunico, converso, tenho mais esse diálogo. Mas não digo que eu seja o primeiro a fazer isso. Acho também que a minha linguagem consegue dialogar com a molecada de hoje em dia. Acredito que tem uma parada da minha música conversar com minha geração de uma maneira bacana. Independente de você ser playboy ou favelado, a minha música sugere um tipo de reflexão de interesse geral. Acho que a força do meu trabalho vem disso, de propor um debate que muita gente no Brasil sabe que é importante fazer. 

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"Independente de você ser playboy ou favelado, a minha música sugere um tipo de reflexão de interesse geral", Emicida

Seu último trabalho versa sobre discriminação racial e as influências da escravidão nos dias de hoje. Você acha que os negros ainda são de alguma maneira escravos do racismo no Brasil?

O disco fala sobre força, autonomia e passa pelo tema do racismo porque infelizmente é um problema gigantesco dentro da realidade brasileira. Enquanto o Brasil não falar sério sobre isso, a gente vai ter esta ferida aberta que é a escravidão. Na verdade eu falo isso do ponto de vista brasileiro, mas acho que o mundo inteiro padece deste mal.

De que forma a sua música pode mudar um pouco este contexto?

A música tem a força de sugerir reflexões e temas. Ela pode propor que as pessoas conversem mais sobre isso. O Jazz fez isto em outro momento, como o blues e o rock. A cultura hip hop em si tem esta tradição de uma maneira intrínseca a tudo que ela vem construindo nos últimos 30 anos no Brasil. Acredito que eu dou continuidade a esta história. Proponho temas que não são os mais familiares no país e que fazem parte da realidade, mas não da mesa de discussão.

Você acha que o rap é atualmente a única voz social da música no Brasil?

Não. Não acho que o rap seja o único a apontar a problemática do Brasil. O samba fez isso durante muito tempo e ainda faz, mas o samba que está em evidencia no mercado hoje não é esse. Vez ou outra tem um cara que se arrisca mais e coloca uma parada dentro do repertorio dele que dá uma colocadinha de dedo na ferida. Mas o rap tem esta tradição, é um gênero novo muito recente na história do Brasil. Tem três décadas, talvez um pouco mais do que isso. Há pouco tempo esta era praticamente a única veia que o gênero trabalhava. A gente continua a fazer justiça por ai, apontando as coisas que fazem parte da nossa realidade. Acho que o grupo Facção Central fala isso: o rap é tipo a CNN da favela.

Existe uma diferença entre vender-se a mídia y vender-se através da mídia? Como você encara a crítica neste sentido, sobre aqueles que te chamam de traidor do rap, por exemplo?

Estou aqui com meus parceiros na Espanha. A gente faz a música que a gente acredita, fala aquilo que crê que é importante falar. Em geral, as críticas vêm de gente que gostaria muito de estar no meu lugar agora. Sou bem feliz e satisfeito onde estou e fazendo o que acho que devo fazer. 

O que você acha de ser considerado um dos primeiros rappers a fazer MPB? O que é a MPB para você?

Acho que o termo MPB é vago porque não faz justiça ao que a população brasileira escuta realmente. Esse gênero infelizmente não passeia pelo que o povo escuta. O funk não é tido como MPB, nem o brega e o rap, mas são gêneros que o povo brasileiro consome. Infelizmente o termo está muito atrasado. Ele precisa vir para o século 21 também. O que eu faço na minha música é utilizar influencias musicais que rodeiam a minha vida desde que nasci que é uma coisa que o rap sempre fez. Assim como o hip hop que sempre se apropriou de outras texturas. Eu só dou continuidade a este processo.

Seu trabalho começou a ganhar visibilidade através das batalhas de rimas entre Mc`s. O que é para você poesia? Qual a diferença entre rimar e fazer poesia?

Uma rima às vezes é uma coisa superficial. “Batatinha quando nasce esparrama pelo chão”. Todas as pessoas têm propriedade pra realizar algo assim. Acho que a poesia é uma coisa que conversa com o coração das pessoas, que consegue ser um retrato da realidade, ou não. Da fantasia também. Mario Quintana não era necessariamente um cronista da realidade. A poesia é outra porta, outro tipo de reflexão. 

Quais seus planos de carreira após o sucesso deste novo disco?

Acabamos de lançar este álbum e acho que vamos rodar com ele pelo Brasil e também por algumas partes do mundo. Vamos estudar e aprender um pouco mais sobre esta proposta que a gente apresentou neste projeto, mas já estou na missão de contar a história de outro jeito também. Quero escrever livro. Estou com esta curiosidade, mas ainda não tenho coragem suficiente para começar. Em breve começo.

Fonte: OBVIOUS

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