PICICA: "Quando
a peça foi escrita (1599) pretendia conscientizar o público sobre a
ameaça de uma temerária guerra civil, no instável final da era
elisabetana. Fácil, assim, estender a sua pesada e mal resolvida
sensação de culpa e de crise de liderança às atuais circunstâncias
brasileiras."
Caesar, ou como construir um império
– on 02/03/2016
Baseada em peça de Shakespeare, montagem no Rio transita entre a poesia e o ódio, entre os laços afetivos e a maldade deliberada
Por Wagner Correa de Araujo
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MAIS:
Caesar – Como construir um império
No Rio de Janeiro, apenas até 6 de março. Sexta, às 20h30, sábado, às 18h, domingo, às 20h30h
Espaço Sesc Arena – Copacabana
Rua Domingos Ferreira, 160 [mapa] – Fone: (21) 2547.0156
Espaço Sesc Arena – Copacabana
Rua Domingos Ferreira, 160 [mapa] – Fone: (21) 2547.0156
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A Tragédia de Julio Caesar,
no original de Shakespeare, vem inspirando não só o teatro, mas a
música (a ópera de Haendel) e o cinema, desde a clássica adaptação de
Mankiewicz (1953) a uma incisiva visão contemporânea dos Irmãos Taviani
(2012), César Deve Morrer.
Caesar – Como Construir um Império,
a transposição dramatúrgica de Roberto Alvim, condensa em uma hora e em
dois atores (Caco Ciocler e Carmo Dalla Vechia) os personagens/chaves
(Caesar, Brutus, Cassius, Marco Antonio) da peça inicial da trilogia
romana shakespeariana.
Esta
concentração narrativa aumenta o foco sobre o dimensionamento do
processo político revelado, exponencialmente, através do discurso
verbal. Com todos os meandros, posturas e argumentações que marcam a
permanência e a alternância governamental.
Num
espetáculo marcado pela proposital aridez, entre a poesia e o ódio,
entre os laços afetivos e a maldade deliberada. Mais pelo interesse
político próprio que pelo bem coletivo, numa perceptível atemporalidade
temática.
Quando
a peça foi escrita (1599) pretendia conscientizar o público sobre a
ameaça de uma temerária guerra civil, no instável final da era
elisabetana. Fácil, assim, estender a sua pesada e mal resolvida
sensação de culpa e de crise de liderança às atuais circunstâncias
brasileiras.
Os
códigos de cena retomam uma linha estética, com inventivas variações,
que Roberto Alvim privilegia em seus espetáculos, desde o seu último
Beckett a este seu primeiro Shakespeare.
Luzes
de néon entre muitas sombras delineando perfis, de plasticidade
geométrica, das performances. Refletidos na solene uniformidade de
figurinos negros (João Pimenta) e na emblemática arquitetura cênica em
formato de arena.
Através,
ainda, da simbologia de impérios e tiranias, em seu exercício do
domínio, nos seus elementos cênicos – moeda, sangue e morte.
E,
especialmente, na singularidade expressiva do score musical de Vladimir
Safatle, numa leitura pianística ao vivo (Mariana Carvalho). Integrando
vozes, acordes e dissonâncias, no lastro de Schoenberg (Pierrot
Lunaire), John Cage, Philip Glass e John Adams, numa quase ópera
minimalista.
A
irrepreensível interpretação dos atores revela rara desenvoltura, nos
seus inesperados meios tons e contrastantes nuances. Ora entre sussurros
e tomadas de fúria (Carmo Dalla Vechia), ora na eloquência de
altissonante vocalização (Caco Ciocler), em filigranada gestualidade e
hierático cerimonial.
Um
teatro, enfim, de dimensão épica, no seu transcendente teor reflexivo
sobre o maquiavélico jogo político de poder e submissão, além do tempo,
entre governantes e governados, Estados e almas humanas.
Wagner Correa de Araújo
Jornalista especializado em cultura,
roteirista, diretor de televisão, crítico de artes cênicas. Dirigiu os
documentários "O Grande Circo Místico" e "Balé Teatro Guaíra 30 Anos" .
Participou como critico e jurado de festivais de dança e cinema, no
Brasil e na Europa.
Fonte: OUTRAS PALAVRAS
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