junho 05, 2011

"E agora, 15M", por Bruno Cava

PICICA: "Ora, não se deve perguntar qual a alternativa que o 15-M propõe ao capitalismo. Mas sim qual a alternativa você propõe ao 15-M. Tahrir e 15-M são o que de mais fecundo a jovem geração produziu.". Em tempo: Leia mais sobre o 15-M: Reflexiones accidentales sobre el Movimiento 15 de Mayo y La belleza del movimiento 15-M.

E agora, 15M

Temos que retomar o prazer pelas ruas, seja em um passeio, seja em um ensaio de revolta. A velha lição do flâneur, do que vaga ou do que atira pedras simbólicas.” – Xico Sá, conclamando para a marcha da liberdade, na Avenida Paulista, 28/05/2011.

Nas últimas duas semanas, a revolução árabe atravessou o Mediterrâneo e uma nova praça Tahrir irrompeu nas cidades da Espanha. Em processo de tahrirzação, as praças imantaram a juventude, e ela exprimiu uma sonora recusa generacional, no que ficou conhecido como 15-M. Entenda-se por juventude não um conceito biológico; mas político, que contempla gente de todas as idades.


Nos últimos dias, as ocupações foram voluntariamente desmontadas. O movimento entrou por assim dizer num segundo estágio. Todo o trançamento de redes, reformulação discursiva e proliferação de afetos ficaram gravados no tecido social. Das ruas e praças, o movimento permeou capilarmente a sociedade.Tem tudo para vitalizar o âmbito político, artístico, militante e intelectual das esquerdas.
Alguns disseram que o 15-M nada significou de substantivo. Entrou por uma rua e saiu por outra, sem deixar legado. Efêmero e romântico, não apresentou projeto de poder, nem ofereceu alternativas ao capitalismo. Desorganizado, ingênuo, despolitizado. Para as vivandeiras, não bastaria evidenciar o desejo, a criatividade, a astúcia e a firmeza, a coragem de recusar o que está dado, de querer viver o máximo existencial, tudo aquilo que podemos e desejamos. Tampouco bastaria assinalar o fracasso completo do capitalismo nas últimas décadas, cuja crise permanente culminou na recessão global de 2008-09 e suas perdas socializadas. Nem, com efeito, bastaria engendrar uma tábua de demandas mínimas, ou rechaçar o socialismo esvaziado de Zapatero/ PSOE, e contestar a Lei Sinde e o controle das redes. Nada disso serviria. Exigem farisaicamente uma alternativa sistemática, exaustiva, peremptória.


Em primeiro lugar, há tempos não se discutia e vivia a política como nas ocupações do 15-M e Tahrir. E política no sentido forte: organização do trabalho e autoprodução de conceitos, métodos e ética. Em geral, essa crítica vem daqueles mais ligados aos partidos e instituições. Como se na instância partidária e nos órgãos de governo, formulação política fosse o assunto principal, — quando amiúde é o com que menos estão preocupados. Talvez quem melhor tenha respondido seja Antoni Domenech, em texto agudo. Em vez de respondê-la, ele voltou a questão contra os remetentes. Ora, não se deve perguntar qual a alternativa que o 15-M propõe ao capitalismo. Mas sim qual a alternativa você propõe ao 15-M. Tahrir e 15-M são o que de mais fecundo a jovem geração produziu. Ou isso, ou é preciso acatar que o único caminho reside na conversão em mercadoria das empresas e do estado?


15-M e Tahrir trazem uma lufada à esquerda encarquilhada e seus delírios de tomada do poder. Abriu-se uma porta e o ar fresco invadiu a sala abafada e empoeirada, repleta de fantasmas. O new-new deal que tanto se faz necessário não virá do estado, mas dos movimentos. O uso intensivo do espaço público transforma-o em espaço comum. A cultura proprietária e individualista dá lugar ao compartilhamento. Ressignifica a cidade e subverte os sentidos dados pelo capitalismo, — para quem as ruas não passam de lugares de passagem entre a casa e o trabalho, a casa e o shopping. Nesse sentido, as ocupações urbanas são superpolíticas. Isso tudo rasga um novo ciclo de lutas, ou seja, novas agregações políticas que se espraiam, como vírus, pelas redes concretas.


Como li numa sensacional crônica de enxameados no 15-M: “é preciso construir uma democracia à altura de tanta inteligência urbana, uma democracia 2.0″.


Quem sabe chegou a hora de concretizar o sonho de Spinoza por uma democracia absoluta.


Fonte: Quadrado dos Loucos

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