PICICA: "É ingênuo supor que 64 foi causado pela ação de todos os entes maléficos do nosso país juntos; como toda ditadura, sua sustentação se deu por causa tanto mais de um certa convicção honesta do sujeito comum e, também, de setores organizados não necessariamente perversos na ação: sem a ala liberal do exército (a turma da Sorbonne), anti-bolshevista (com lá suas razões) e não fascista, não haveria golpe tanto que, ela mesma, tomou um golpe mais adiante com o AI-5."
Primeiro de Abril
É o Dia de Mentira e, também, aniversário do Golpe de 64 no Brasil - não à toa, considerado ontem pelos apoiadores, mais ou menos declarados, daquele episódio, afinal, a ironia seria tremenda. 1964 significou várias coisas para o Brasil, dentre elas o fracasso do modo de luta social promovida e liderada pelo Partidão no pós-guerra, o naufrágio do Trabalhismo - ou o que restou do positivismo varguista no pós-guerra, desvencilhado de sua faceta fascista e aproximado de seu lado social - e a maior vitória de pirro da história da nossa direita.
Dizer que o Brasil estava bem antes de 64 é tão ingênuo - ou, quem sabe, desonesto - quanto dizer que os golpistas tinham razão: aconteceu o que aconteceu tão somente porque estávamos exauridos e, para fechar o caixão, fomos arrebentados pelas ondas da Guerra Fria. Goulart não foi ingênuo, lutou até o último momento, mas padeceu de uma torpeza que, em matéria de política, não perdoa até os melhores: quando se enfrenta forças totalitárias, seja elas quais forem, o cenário com que se deve trabalhar é sempre o pior.
É ingênuo supor que 64 foi causado pela ação de todos os entes maléficos do nosso país juntos; como toda ditadura, sua sustentação se deu por causa tanto mais de um certa convicção honesta do sujeito comum e, também, de setores organizados não necessariamente perversos na ação: sem a ala liberal do exército (a turma da Sorbonne), anti-bolshevista (com lá suas razões) e não fascista, não haveria golpe tanto que, ela mesma, tomou um golpe mais adiante com o AI-5.
Hoje, quando falamos da Ditadura, certamente não interessa qualquer rancor sobre o que passou, o que foi-se, mas sim uma discussão sobre aquilo que subsiste daquele período aqui-agora. Enfrentar Médici, hoje, é enfrentar um moinho de vento, enfrentar seu legado - e as assinaturas daquele período na nossa vida política - é o que interessa. Daí, o que interessa é a Memória histórica: punir torturadores, por mais lícito que seja, é apenas referendar os métodos deles com a ilusão de que podem ser usados para "o bem", trazer à tona o que aconteceu é outra coisa.
A Ditadura, inclusive, não teve o mérito de iniciar ou sistematizar a tortura no nosso país, mas sim, na sua debilidade, de universaliza-la e, assim, ao torna-la sombra permanente nos salões da boa gente, fazer com que os procedimentos de esmagamento dos mais pobres pudessem ser considerados em toda sua gravidade a partir daí. A verdade que precisamos extrair de hoje é o resultado da própria luta substancializada, a narrativa mais metódica e leal da perspectiva que parte daqueles que estão na pior posição possível - não dos que opressores, dos bem acomodados, tampouco daqueles que assumem a voz do outro sem assumirem sua posição.
Os 21 anos da Ditadura não foram um mal necessário ou a tomada do país por um mal sobrenatural, mas a expressão das nossas disfuncionalidades e da nossa miséria enquanto grupo. Isso foi, é e não precisa ser mais assim. Precisamos parar com eufemismos ou mesmo bravatas de confrontação vazios.
Fonte: O Descurvo
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