PICICA: "Empurrado para fora do país pela estupidez fardada, não se animou a retornar depois da redemocratização simplesmente porque para ele a tal abertura não eliminou a poderosa, arraigada, descomunal burrice entrementes institucionalizada – o “bananão”."
IVAN LESSA (1935-2012)
O exilado
Por Alberto Dines em 10/06/2012 na edição 697
Acostumados pela praga das ditaduras a considerar todos os desterrados
como refugiados políticos, eliminamos uma categoria inteira,
especialíssima, dos autobanidos, exilados voluntários. Tropa de elite
sofrida, exigente, inconformada, inovadora.
Ivan Lessa foi um deles. E está em excelente companhia: Ovídio, Sêneca,
Dante, Camões, Rousseau, Heine, Victor Hugo, Joyce, Nabokov [com os
agradecimentos a Maria José Queiroz pelo seu belo Os Males da Ausência, ou a Literatura do Exílio
(Topbooks, 1998)]. Empurrado para fora do país pela estupidez fardada,
não se animou a retornar depois da redemocratização simplesmente porque
para ele a tal abertura não eliminou a poderosa, arraigada, descomunal
burrice entrementes institucionalizada – o “bananão”.
Foi um nostálgico à sua maneira: queria de volta o magnífico Rio de
Janeiro dos anos 1950 e 60. Intacto e inteiro. Colecionava informações,
vivências, mapas, filmografias, bibliografias, iconografias, músicas,
jingles, times de futebol, pessoas, rostos, parentescos, alcunhas, dados
históricos, atmosferas, modismos, passadismos. Sabia de cor o
itinerário de todas as linhas de ônibus e bondes de Copacabana para o
centro – mesmo duas décadas depois de deixar o país.
Mas o que perseguia com empenho, incansável, era a inteligência, a
verve, o talento. Não conseguiu recuperá-los nem reencontrá-los. Dizia
que o tempo tem sido implacável com o Brasil, as novas gerações
canibalizam, sequer ruminam, não devolvem. Em Londres, ao menos
desfrutava das benesses da cultura cosmopolita, sempre oxigenada.
Falta de ar
Elitista? E por que não? Sem elites exigentes, severas, não se
processam renovações. Quando a exigência é espirituosa, engraçada,
sarcástica, é duplamente bem-vinda. Ivan Lessa era irresistível,
sobretudo quando resmungava tentando ser mal-humorado.
Não deixou uma obra extensa, mas distribuiu generosamente o seu
engenho, suas percepções e seu carinho a algumas gerações de
jornalistas-escritores como ele. Não se considerava jornalista, era mais
do que isso: crítico intransigente, cultor do esmero, carrasco do
descaso e da ignorância. Alma-gêmea de Paulo Francis – se imitavam
mutuamente, até mesmo no timbre de voz abaritonada, quase de baixo,
musical.
Estava longe, mas não ausente. Mario Sergio Conti, então diretor da revista piauí,
conseguiu trazê-lo ao Brasil há alguns anos para uma breve temporada;
voltou correndo, mais decepcionado com o que viu do que intuía.
Sofreu muito, no último ano foi obrigado a passar 15 horas diárias numa
campana para respirar. Emagreceu, não sentia mais sabores. O pior:
percebia que estava sendo esquecido, isso incomoda mais do que a falta
de ar.
Fonte: Observatório da Imprensa
Nenhum comentário:
Postar um comentário