PICICA: "O humor deve visar à crítica, não à graça, ensinou Chico Anysio, o humorista popular. E disse isto a CartaCapital
quando solicitado a considerar o estado atual do riso brasileiro,
durante uma entrevista em outubro de 2010. Nos últimos anos de vida, o
escritor contribuía para o cômico apenas com sua porção de ator,
impedido pela nova televisão brasileira de produzir textos. E o que ele
dizia sobre como deveria funcionar a risada ajuda a entender a
acomodação de muitos humoristas contemporâneos. Porque, quando eles
humilham aqueles julgados inferiores, os pobres, os analfabetos, os
negros, os nordestinos, todos os oprimidos em quem parece fácil pisar,
não funcionam bem como humoristas. O humor deve ser o oposto disto, uma
restauração do que é justo, para a qual desancar aqueles em condições
piores do que as suas não vale. Rimos, isso sim, do superior, do
arrogante, daquele que rouba nosso lugar social."
Cultura
Rosane Pavam
Caricatura
Em estado de graça
O humor deve visar à crítica, não à graça, ensinou Chico Anysio, o humorista popular. E disse isto a CartaCapital quando solicitado a considerar o estado atual do riso brasileiro, durante uma entrevista em outubro de 2010. Nos últimos anos de vida, o escritor contribuía para o cômico apenas com sua porção de ator, impedido pela nova televisão brasileira de produzir textos. E o que ele dizia sobre como deveria funcionar a risada ajuda a entender a acomodação de muitos humoristas contemporâneos. Porque, quando eles humilham aqueles julgados inferiores, os pobres, os analfabetos, os negros, os nordestinos, todos os oprimidos em quem parece fácil pisar, não funcionam bem como humoristas. O humor deve ser o oposto disto, uma restauração do que é justo, para a qual desancar aqueles em condições piores do que as suas não vale. Rimos, isso sim, do superior, do arrogante, daquele que rouba nosso lugar social.
O curioso é perceber como o Brasil de muito tempo atrás sabia disto, e o ensinava por meio de uma imprensa ocupada em ferir a brutal desigualdade entre os seres e as classes. Ao percorrer o extenso volume da História da Caricatura Brasileira – Os precursores e a consolidação da caricatura no Brasil (Gala Edições, 528 págs., R$ 120), do pesquisador nascido em Nilópolis há 40 anos Lucio Muruci (e que, à moda dos caricaturistas antigos, usa um nome artístico, Luciano Magno, quando publica seu trabalho), compreendemos que tal humor primitivo não praticava um rosário de ofensas pessoais, como o observador contemporâneo se habituou a presenciar. Naqueles dias, humor parecia ser apenas, e necessariamente, a virulência em relação aos modos opressivos do poder.

Depressa
com isso. Em Cenas da Corte no Rio, de 1826, o imperador diante dos
bajuladores. Foto: Reprodução do livro História da Caricatura Brasileira

O
símbolo da nacionalidade enfrenta a degola no deenho de Cândido de
Faria para O Mosquito, de 1876. Foto: Reprodução do livro História da
Caricatura Brasileira
“De Porto Alegre ninguém poderá tirar a condição de patrono. Ele foi o primeiro profissional desta arte e o primeiro a produzir caricatura regularmente no Brasil”, sustenta em entrevista por telefone Luciano Magno, que, nascido em Nilópolis, apaixonou-se pelos gibis de Mauricio de Sousa na infância, conheceu Henfil no quadro TV Homem, dentro do programa TV Mulher, da Rede Globo dos anos 1980, e se embrenhou pela charge política durante a efervescência do movimento Diretas Já e dos acontecimentos a partir da morte do presidente Tancredo Neves.
Magno coleciona e estuda a caricatura brasileira há um quarto de século. Começou a pesquisa para sua História da Caricatura há 15 anos, durante estudos na cidade do Rio de Janeiro, e a escreve há dez sua obra de fôlego, com patrocínio da Petrobras. Antes, fez um mestrado em torno de Luiz Sá (1907-1979), o inventor das formas arredondadas do personagem Reco-Reco, Bolão e Azeitona para o jornal Tico-Tico, um doutorado sobre Álvaro Marins, o Seth (1891-1949), fundador em 1911 da revista ilustrada Álbum de Caricaturas, e realizou no Rio o Festival de Humor Gráfico, com 11 exposições sobre a história da caricatura desde J. Carlos (1884-1950), a partir de 2002. Em um Brasil ainda não de todo mapeado por seus arquivos, ele arrancou preciosidades dos sebos e comprou originais diretamente da família de alguns artistas, como Seth, que de 1910 a 1950 ilustrou a publicidade do bazar Casa Mathias com cartazes sobre a vida carioca.

José Neves pratica a crítica religiosa em O Diabo a Quatro, de 1877. Foto: Reprodução do livro História da Caricatura Brasileira
Desde a impressionante representação do beija-mão ao imperador, em 1826, na colorida Cenas da Corte no Rio, pelo artista do qual somente se conhecem as iniciais A.P.D.G., ao índio degolado de Cândido de Faria em O Mosquito, de 1876, à crítica religiosa de José Neves na revista O Diabo a Quatro, de 1877, e ao triunfante “carro do progresso nacional” movido por tartarugas, de autoria de Aurélio de Figueiredo para a A Comédia Social,de 1870, esta obra inaugural, com tiragem de 2,8 mil exemplares, parece orgulhar-se de uma vocação nacional. Como advertia o jornal alternativo A Mutuca Picante, naquele editorial de 15 de setembro de 1834: “A Mutuca declara, zunindo às orelhas de todos, que ela não se importa com este ou com aquele para pregar a sua ferroada, e que só o cheiro de suas manhas, e vista de suas mazelas, aguçará o seu apetite picante”.
Fonte: Carta Capital
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