fevereiro 08, 2013

"Sobre os direitos individuais dos andróides" (Indigestivos Oneirophanta)

PICICA: "Dia desses vi uma chamada muito interessante no facebook, com esse pixo sobre o direito de chupar piroca: “Enquanto a imbeciloide e fascistoide Juventude Conservadora da UnB vomita suas babaquices, gente com mais coragem reivindica direitos óbvios“. A imagem inspira esse post sobre a importância de lutarmos pela preservação dos direitos individuais, sobretudo em contraponto aos interesses de uma maioria bem intencionada.


Sobre os direitos individuais dos andróides

Pelo Direito de Chupar Piroca 

Dia desses vi uma chamada muito interessante no facebook, com esse pixo sobre o direito de chupar piroca: “Enquanto a imbeciloide e fascistoide Juventude Conservadora da UnB vomita suas babaquices, gente com mais coragem reivindica direitos óbvios“. A imagem inspira esse post sobre a importância de lutarmos pela preservação dos direitos individuais, sobretudo em contraponto aos interesses de uma maioria bem intencionada.

Comecemos imaginando que, numa bela manhã de quarta-feira, seu computador se torna um ser vivo, capaz de ter sensações, sentimentos, opiniões e percepção de si mesmo. Muitos desejam desmontá-lo em nome da ciência enquanto a máquina argumenta que tem o direito de ter sua vida preservada. Cabe a você decidir se ele deve desmontado, mesmo sob o em risco de danificá-lo para sempre.

O que você faria?



I. WHERE NO MAN HAS GONE BEFORE

Esse é o mote de The Measure of a Man  (Jornada nas Estrelas, A nova geração) que sempre deixa minha respiração dolorida. Como todo produto cultural, a série não é imune aos preconceitos de sua época. Chega até mesmo a reproduzí-los. Em contrapartida, fica evidente o esforço de Gene Roddenberry (criador da marca) de nos levar até um território neutro onde podemos discutir os maiores dilemas do século XX aqui na terra.

Measure-of-a-man-Data

Não senhor, eu não estou sob o seu comando ou de qualquer outro. Se eu for destruído por seus experimentos, algo único, algo precioso será perdido. Eu não posso permitir isso.
Data
A personagem principal é Data, é um andróide senciente (capacidade de ter sensações, emoções como felicidade e tristeza, impressões sobre o meio me que está inserido) e consciente (capaz de expressar subjetividade e inteligência, perceber a si mesmo) que precisa defender a própria vida num tribunal pois um cibergeneticista deseja desmontá-lo em nome da ciência para descobrir como construir um exército de outros Datas.

Estamos falando do interesse da maioria versus os direitos individuais. Em hipótese alguma o direito à própria vida (ou quaisquer outro direito fundamental) deveria ser desrespeitado em função de qualquer lucro desejado pela maioria ou de argumentos de qualquer natureza, sejam eles religiosos, científicos ou econômicos. O direito ao aborto, por exemplo, diz respeito apenas à mulher envolvida em detrimento de qualquer opinião que a sociedade tenha sobre isso.

Por isso é tão sintomático que precisemos falar esse tipo de coisa numa sociedade sob Estado Democrático de Direito, como o Brasil. Esclarecer que Igreja não deve se entranhar nas questões de estado, na vida privada. Precisando dizer o quão nocivo é a censura ao modo como cada um vive sua vida. Tendo desesperadamente explicar que lutar pelos direitos do indivíduo como chupar piroca é na verdade a luta pela liberdade de todos nós.



II. UM EXÉRCITO DE PESSOAS (E CRIATURAS) DISPENSÁVEIS

Quando os direitos individuais são colocados de lado, cruzamos uma fronteira muito perigosa e vamos para um lugar onde qualquer coisa pode ser justificada em nome do interesse da maioria. Basta desrespeitar uma ou mais pessoas para que o conceito de Estado Democrático de Direito esteja sob risco. Já vimos a monstruosidade desse panorama antes, bem aqui, muito perto.

Measure-of-a-man-Guinan

Considere que na história de muitos mundos sempre houve criaturas dispensáveis. Elas fazem o trabalho sujo. Elas fazem o trabalho que ninguém quer fazer pois é muito difícil ou muito perigosos. Imagine um exército de Datas, todos dispensáveis? Você não precisa pensar sobre o seu bem estar; você não precisa pensar como eles se sentem. Gerações inteiras de pessoas dispensáveis.
Guinan, Whoopi Goldberg
Duas mulheres se destacam nessa denúncia. Primeiro a capitã e juíza Phillipa Louvois, encarregada de decidir se Data pode usufruir de direitos individuais. Apesar de reconhecer que o andróide é uma máquina, argumenta que o conflito se resume em saber se Data tem ou não tem alma digna de respeito. É ela quem sublinha que não é possível responder, mesmo se a pergunta fosse feita a um humano. Bravo!

Mas o momento mais emocionante em The Measure of a Man acontece quando Whoopi Goldberg entra em cena na pele da alienígena Guinan. Ela ressalta que é preciso considerar muito mais que uma só vida, mas sim a hipótese de se condenar gerações de andróides ao status de pessoas dispensáveis, em outras palavras, à escravidão. Agora imagine a potência dessa fala interpretada por uma atriz negra como Whoopi. É claro que nessa hora eu já estou chorando litros.

Mesmo sabendo que o assunto é extremanente impopular, essas conclusões também se aplicam às criaturas dispensáveis que nos servem diariamente apesar de sentirem medo, amor, raiva. Criaturas cujo bem estar e emoções não nos interessam, mesmo sendo tão sencientes e apaixonantes quanto o Data, condenadas à escravidão em nome de uma espécie que se sente atacada toda vez que alguém aventa a possibilidade de fazer diferente.

Para quem ainda não sabe, esse é o conceito de especismo, a ideia de que a nossa espécie é superior, que deve controlar as demais. Ou ainda que as outras espécies não tem os mesmos direitos que nós humanos temos. É uma questão que muitos preferem nem discutir.


 

III. And now the conclusion, kind of

A medida de uma alma é a dimensão do seu desejo.
Flaubert
Melinda Snodgrass, autora desse brilhante roteiro, revela a beleza da inexistência de uma medida dando conta do que é ser humano. Trazendo a coisa toda para um pouquinho mais perto, a certeza de que não existe apenas uma boa moral, muito menos bons costumes. E um gostinho de que cada ser senciente deveria viver apenas para si mesmo, não para as opiniões e interesses da turbe sempre bem intencionada (ou faminta).

Esse é o conceito de especismo, a ideia de que uma espécie é superior, que tem o direito (e muitas vezes o dever) que tutelar as demais. É uma questão muito delicada pois envolve o embate entre o direito de cada um decidir o que come e o direito à vida de criaturas sencientes. Se você tem algum interesse ou pergunta sobre esse assunto, entre em contato. Para mim é sempre uma prazer falar sobre isso, mesmo com pessoas que não querem ser vegetarianas.

Isso posto, hora de dar ciao. Fim!

Fonte: Indigestivos Oneirophanta

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