PICICA: "[...] o público perde gradualmente o interesse pelo noticiário
corrente e só sai desta letargia quando ocorre alguma grande tragédia ou
evento mundial. É que as notícias políticas, econômicas, policiais e
inclusive as esportivas passaram a ser condicionadas pelo marketing dos
protagonistas. Os entrevistados, em vez de informação, procuram vender uma imagem pessoal positiva,
sem serem questionados pelos repórteres. O público – consciente ou
inconscientemente – começa a se dar conta deste engodo, o que leva ao
desinteresse progressivo porque as pessoas gradualmente constatam que
recebem uma informação com muitos vieses e sentem-se incapazes de fazer
uma triagem."
O filme ‘No’ e a crise no jornalismo
Por Carlos Castilho em 25/02/2013
O jornalismo contemporâneo está no meio de um grande conflito:
entre os que têm medo de mudar e os que apostam tudo na mudança. Até aí
nada de novo. A questão é qual o limite do medo e qual o risco embutido
na aposta? A tendência dos profissionais mais experientes é preferir
alternativas seguras e conhecidas, enquanto os mais jovens sentem-se
mais atraídos pela exploração dos limites de cada alternativa de
mudança.
Quem viu o filme chileno No teve a oportunidade de ver como essas duas atitudes ganharam um significado especial por conta de um contexto especial (ver “As lições do filme ‘No’”). O desfecho da campanha publicitária da opção “No” (“Não” à ditadura Pinochet) mostrou, a posteriori, a racionalidade de uma aposta que nada tinha de racional no momento em que foi feita – antes do início da propaganda eleitoral na TV chilena, em setembro de 1988.
O que em última análise determinou o sucesso da campanha foi a empatia entre a proposta da alegria e o cansaço da população com a mesmice dos 16 anos de autoritarismo conservador. Esta ligação afetiva e emocional entre uma estratégia publicitária e o estado de espírito da população foi totalmente imprevisível, principalmente porque as pesquisas de opinião da época eram pouco precisas e, além do mais, ninguém fazia sondagens de opinião pública sem o consentimento explícito ou velado dos militares.
Voltando agora ao primeiro parágrafo deste texto, veremos que o jornalismo está em busca não apenas de soluções técnicas para a profissão e para o futuro das empresas jornalísticas, mas principalmente de uma nova relação com o público. Nota-se um desânimo entre os profissionais provocado pela incerteza em torno do modelo de negócios da imprensa e pelo ceticismo em relação a tudo e a todos, causado pela crise de valores na sociedade.
Os que ingressam no gigantesco mercado da informação criado pela internet estão contagiados por um messianismo tecnológico que os leva a acreditar que o nirvana jornalístico está embutido em cada novo gadget colocado à venda. O alto índice de insucessos nas iniciativas digitais, no entanto, pode igualmente terminar numa nova onda de ceticismo e descrença.
Por seu lado, o público perde gradualmente o interesse pelo noticiário corrente e só sai desta letargia quando ocorre alguma grande tragédia ou evento mundial. É que as notícias políticas, econômicas, policiais e inclusive as esportivas passaram a ser condicionadas pelo marketing dos protagonistas. Os entrevistados, em vez de informação, procuram vender uma imagem pessoal positiva, sem serem questionados pelos repórteres. O público – consciente ou inconscientemente – começa a se dar conta deste engodo, o que leva ao desinteresse progressivo porque as pessoas gradualmente constatam que recebem uma informação com muitos vieses e sentem-se incapazes de fazer uma triagem.
Olhando assim, a solução não está em fórmulas financeiras e nem em novos artefatos tecnológicos. Talvez no fator humano, mas o que sabemos sobre o estado de espírito do usuário da internet é quase tão confuso e vago quanto o olfato eleitoral dos responsáveis pela campanha do “No”, 25 anos atrás.
A diferença é que os dados sobre opinião pública disponíveis há um quarto de século pelos líderes da campanha anti-Pinochet eram insuficientes para uma interpretação minimamente confiável do estado emocional dos chilenos. Nós vivemos hoje uma situação no outro extremo, no meio de uma avalancha de dados, fatos e informações que nos confundem mais que orientam. Em suma, por razões opostas, estamos diante do mesmo dilema.
Um desafio que, em minha opinião, não será resolvido nem pelo lado financeiro e nem pelo lado tecnológico. A questão está na chamada interface humana. O público visto não como consumidor pagante ou como cobaia de novidades eletrônicas, mas como parceiro em pé de igualdade. A fórmula não será descoberta em laboratório, mas na rua. Não será uma única fórmula, mas várias, muitas, cada uma delas integrada na sua realidade ou contexto específico. Elas não serão descobertas apenas pelos jornalistas e nem só pelo público. Mas da interatividade entre ambos.
O sucesso da campanha do “No” só aconteceu quando a emoção dos chilenos, e não a lógica política, os levou a ver o plebiscito como um desabafo, catarse ou festa. A busca de um novo modelo de jornalismo também está condicionada por fatores pouco ortodoxos em matéria de estratégias corporativas. O grande dilema é a redescoberta do leitor, do ouvinte, do telespectador e até mesmo do internauta. Um processo no qual as estatísticas e tecnicalidades das pesquisas de opinião são incapazes de superar a mais antiga de todas as ferramentas do jornalismo, a arte de ouvir e contar histórias.
Soa simplista e romântico, mas é uma alternativa muito complexa porque implica a mudança de valores e comportamentos entranhados há décadas, tanto entre os que produzem notícias como entre os que as leem, ouvem ou veem.
Fonte: Observatório da ImprensaQuem viu o filme chileno No teve a oportunidade de ver como essas duas atitudes ganharam um significado especial por conta de um contexto especial (ver “As lições do filme ‘No’”). O desfecho da campanha publicitária da opção “No” (“Não” à ditadura Pinochet) mostrou, a posteriori, a racionalidade de uma aposta que nada tinha de racional no momento em que foi feita – antes do início da propaganda eleitoral na TV chilena, em setembro de 1988.
O que em última análise determinou o sucesso da campanha foi a empatia entre a proposta da alegria e o cansaço da população com a mesmice dos 16 anos de autoritarismo conservador. Esta ligação afetiva e emocional entre uma estratégia publicitária e o estado de espírito da população foi totalmente imprevisível, principalmente porque as pesquisas de opinião da época eram pouco precisas e, além do mais, ninguém fazia sondagens de opinião pública sem o consentimento explícito ou velado dos militares.
Voltando agora ao primeiro parágrafo deste texto, veremos que o jornalismo está em busca não apenas de soluções técnicas para a profissão e para o futuro das empresas jornalísticas, mas principalmente de uma nova relação com o público. Nota-se um desânimo entre os profissionais provocado pela incerteza em torno do modelo de negócios da imprensa e pelo ceticismo em relação a tudo e a todos, causado pela crise de valores na sociedade.
Os que ingressam no gigantesco mercado da informação criado pela internet estão contagiados por um messianismo tecnológico que os leva a acreditar que o nirvana jornalístico está embutido em cada novo gadget colocado à venda. O alto índice de insucessos nas iniciativas digitais, no entanto, pode igualmente terminar numa nova onda de ceticismo e descrença.
Por seu lado, o público perde gradualmente o interesse pelo noticiário corrente e só sai desta letargia quando ocorre alguma grande tragédia ou evento mundial. É que as notícias políticas, econômicas, policiais e inclusive as esportivas passaram a ser condicionadas pelo marketing dos protagonistas. Os entrevistados, em vez de informação, procuram vender uma imagem pessoal positiva, sem serem questionados pelos repórteres. O público – consciente ou inconscientemente – começa a se dar conta deste engodo, o que leva ao desinteresse progressivo porque as pessoas gradualmente constatam que recebem uma informação com muitos vieses e sentem-se incapazes de fazer uma triagem.
Olhando assim, a solução não está em fórmulas financeiras e nem em novos artefatos tecnológicos. Talvez no fator humano, mas o que sabemos sobre o estado de espírito do usuário da internet é quase tão confuso e vago quanto o olfato eleitoral dos responsáveis pela campanha do “No”, 25 anos atrás.
A diferença é que os dados sobre opinião pública disponíveis há um quarto de século pelos líderes da campanha anti-Pinochet eram insuficientes para uma interpretação minimamente confiável do estado emocional dos chilenos. Nós vivemos hoje uma situação no outro extremo, no meio de uma avalancha de dados, fatos e informações que nos confundem mais que orientam. Em suma, por razões opostas, estamos diante do mesmo dilema.
Um desafio que, em minha opinião, não será resolvido nem pelo lado financeiro e nem pelo lado tecnológico. A questão está na chamada interface humana. O público visto não como consumidor pagante ou como cobaia de novidades eletrônicas, mas como parceiro em pé de igualdade. A fórmula não será descoberta em laboratório, mas na rua. Não será uma única fórmula, mas várias, muitas, cada uma delas integrada na sua realidade ou contexto específico. Elas não serão descobertas apenas pelos jornalistas e nem só pelo público. Mas da interatividade entre ambos.
O sucesso da campanha do “No” só aconteceu quando a emoção dos chilenos, e não a lógica política, os levou a ver o plebiscito como um desabafo, catarse ou festa. A busca de um novo modelo de jornalismo também está condicionada por fatores pouco ortodoxos em matéria de estratégias corporativas. O grande dilema é a redescoberta do leitor, do ouvinte, do telespectador e até mesmo do internauta. Um processo no qual as estatísticas e tecnicalidades das pesquisas de opinião são incapazes de superar a mais antiga de todas as ferramentas do jornalismo, a arte de ouvir e contar histórias.
Soa simplista e romântico, mas é uma alternativa muito complexa porque implica a mudança de valores e comportamentos entranhados há décadas, tanto entre os que produzem notícias como entre os que as leem, ouvem ou veem.
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