fevereiro 17, 2013

"Vurto: vídeos sobre uma Recife em transe", por Bruna Bernacchio

PICICA: "Movidos por um forte desejo político, por uma inquietação de querer falar do mundo, que vai muito além do prazer estético, é que os rapazes, junto com outros amigos criativos da nova cena da capital pernambucana, fundaram em 2011 o Vurto. A ideia era produzir curtas, nos mais diversos assuntos e formatos, mas com linguagem e duração na medida certa para circularem viralmente pela internet." 


Vurto: vídeos sobre uma Recife em transe



Jovens cineastas pernambucanos narram, em formato web, resistência da cidade à especulação imobiliária, segregação social e ditadura do automóvel

Por Bruna Bernacchio

Vurto: (s.m); do popular vurtar-se, ato ou efeito sobrenatural de aparecer e desaparecer rapidamente.

Vurto 1: Um cara de dread, chapéu de palha e corrente de prata no pescoço, sentado na beira de uma calçada. Dali, por algum tempo, tranquilamente, ele joga algo em direção aos carros que passam. Pelo som e a cor, percebe-se: o que ele joga são latinhas de metal, para serem amassadas eficientemente pelas rodas e ocuparem menos espaço. Terminado o trabalho, ele recolhe tudo dentro de um saco e sai andando.

Vurto 2: Máquinas e homens trabalham para pavimentar um chão. Um zoom out para ver que a obra é um chão que lentamente vai cruzar essas águas. Música que fala de tempo bom que passou, frevo, “turma na rua que refaz essa dor”. Imagens da cidade, da vida que passa — mercadorias sendo compradas, carros transitando em vias. Ao fundo, uma placa de obras públicas: “Prefeitura de Recife – Via Mangue”. Corte. Uma mão mexe com papel colorido, tesoura e durex. Novamente a placa, o homem aparece e começa a colar o papel com mesma cor das letras: “Via Mundo” vira “Havia Mangue”.


Em impecável fotografia e simplicidade narrativa, as cenas descritas acima são algumas das produções encabeçadas pelos jovens cineastas Marcelo Pedro e Felipe Peres, que podem ser livremente acessadas em www.vurto.com.br. Movidos por um forte desejo político, por uma inquietação de querer falar do mundo, que vai muito além do prazer estético, é que os rapazes, junto com outros amigos criativos da nova cena da capital pernambucana, fundaram em 2011 o Vurto. A ideia era produzir curtas, nos mais diversos assuntos e formatos, mas com linguagem e duração na medida certa para circularem viralmente pela internet.


Assistindo alguns dos quinze vídeos disponíveis, logo se percebe uma inteligência, uma sutil ironia, uma provocação que choca, faz pensar além do senso comum. Uma criatividade fresca, rica em detalhes e surpresas; que joga com imagens e sons, distoantes entre si, formando uma dicotomia dupla, na linguagem e no conteúdo, e muitas misturas. Um olhar atento aos detalhes do mundo, “a partir de suas crises, atritos, disputas de poder”, procurou definir Marcelo. Sem nenhum padrão certo, falam de uma gama espontânea de temas do agora, sempre com alguma conotação política: a especulação imobiliária, a Copa, as arenas e estádios, as gigantescas construções — para turistas estrangeiros e carros –, o “Novo” Recife, os grupos empresarias que passam por cima das leis ambientais, o povo que fica à margem… E também as ocupações, manifestações, intervenções artísticas, a resistência.


A especulação imobiliária, em Recife, está muito ligada a um aquecimento da economia do estado. Os preços dos imóveis chegaram a quadriplicar em três anos, explica Marcelo: “Esse crescimento tem diversos impactos na vida cotidiana, no imaginário e… no mercado imobiliário”. Mas os cineastas conseguem entender que há nesse debate uma questão mais ampla, nacional e que sempre existiu: “Parece-me que isso reflete mesmo o momento histórico em que vivemos no país, uma certa configuração política em que os poderes públicos se curvaram condescendentemente ao capital. Não que isso seja inédito, muito pelo contrário, mas que a ferocidade com que tem acontecido, e em governos alinhados historicamente com ideais de esquerda, chama a atenção e acaba mobilizando vários movimentos” [...] O site, para a gente, se configura um espaço de resistência, de enfrentamento dos poderes constituídos”, contou ele por e-mail.

E nesse sentido, a própria produção também foge das prerrogativas, se desburocratiza, ensaia: “[os filmes] atendem a uma demanda urgente, nossa, do mundo, de fazer os filmes e soltá-los por aí, deixá-los livres sem se submeter a uma estrutura rígida de produção e escoamento. Todos os filmes são licenciados em Creative Commons, alguns até foram exibidos em festivais em algum momento, mas foram todos originalmente feitos para o site, sem se curvar aos imperativos que regem o circuito tradicional”. Assim, natural e rapidamente, vira um grande laboratório de experimentos, vivências, trocas e debates; onde as pessoas que estão próximas, e interessadas em produzir se unem num processo coletivo e independente.


Fonte: Ponto de Cultura - Escola Livre de Comunicação Compartilhada

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