PICICA: "O que mais
tem intrigado os moradores das comunidades é a forma como as notícias
sobre o empreendimento estão chegando ao seu conhecimento: pela
imprensa, por boletins e por ameaças veladas (segundo eles) de
funcionários do governo que realizam estudos nas comunidades."
Ribeirinhos cobram explicações sobre impactos do Polo Naval do Amazonas
O que mais intriga os ribeirinhos é a forma como as notícias sobre o empreendimento chegam aos seus conhecimentos: pela imprensa, por boletins e por ameaças veladas de funcionários do governo
Aparente tranquilidade de quem vive na área rural do Puraquequara,
às margens do rio Amazonas, está ameaçada com a construção de uma
indústria naval
As
comunidades ribeirinhas que deverão ser afetadas pelo Polo de Indústria
Naval do Amazonas estão cobrando do governo do Amazonas esclarecimentos
sobre os reais impactos sociais e ambientais do empreendimento. O Polo
Naval deverá ser construído na zona rural do Puraquequara, na margem
esquerda do rio Amazonas, zona rural de Manaus, onde aproximadamente 19
comunidades ribeirinhas estão localizadas.
Desde
que o Decreto 32.875 de 10 de outubro de 2012 foi publicado no Diário
Oficial do Estado, no qual consta a necessidade de desapropriação das
famílias, os moradores das comunidades estão apreensivos. Há um mês,
após reunião na comunidade Bom Sucesso com procuradores do Ministério
Público Federal, foi acertada a realização de uma audiência pública, que
na semana passada foi confirmada para o próximo dia 8 de março, na
Assembleia Legislativa do Amazonas (ALEAM). Em janeiro, o MPF/AM
instaurou inquérito para acompanhar o procedimento de licenciamento
ambiental do Polo Naval.
O que mais
tem intrigado os moradores das comunidades é a forma como as notícias
sobre o empreendimento estão chegando ao seu conhecimento: pela
imprensa, por boletins e por ameaças veladas (segundo eles) de
funcionários do governo que realizam estudos nas comunidades.
Informações
“A
gente nunca foi procurado. Soubemos por terceiros, extra-oficialmente.
Estão falando desse Polo Naval como se não existissem pessoas morando
nas comunidades. Por isso que a gente quer, através da audiência, que
nossos governantes nos dê uma informação mais concreta. Não somos contra
nenhum projeto que traga desenvolvimento para o Estado, mas queremos
ser ouvidos também”, disse Francisco Mateus da Silva, 55, presidente da
comunidade São Francisco do Mainã.
Silva
disse que todos estão “muito preocupados” com o risco de terem que sair
das suas comunidades, caso realmente haja desapropriação. “Nasci e me
criei aqui. Minha mãe tem 77 anos e nasceu aqui. Somos comunidades
tradicionais. Para onde vão querer nos mandar?”, afirmou.
Doramir
Viana da Cunha, morador da comunidade Jatuarana, diz que todos foram
pegos de surpresa, mas que os ribeirinhos exigem participar das
discussões sobre o projeto. “Até agora nada sabemos direito. Algumas
pessoas se dizendo do governo chegam nas casas falando que haverá
indenização, que o povo terá que sair, que não sei mais quê. Por que o
governo não nos procura para dar explicação? Muita gente está com medo
de sair de suas terras. Ninguém quer ir para a cidade, que já está
cheia. Queremos continuar aqui”, disse Cunha.
Ameaças
Embora
no Decreto 32.875 as comunidades afetadas não estejam citadas
textualmente, os moradores conseguiram identificá-las com base nos dados
das coordenadas geográficas contidas no documento. “Ao todo, são 19,
mas podem ser até mais. Só aqui em Jatuarana têm 24 famílias com título
de terra. Como se não bastasse o Exército querer tirar a gente daqui,
agora vem esse projeto de Polo Naval. A situação não está nada boa para
nosso lado”, disse.
Desde
que começou a mobilização para se obter mais informações sobre o
empreendimento, os ribeirinhos vêm contanto com apoio de pessoas ligadas
a movimentos sociais e sendo acompanhados por procuradores da
República. Uma delas é Marta Valéria Cunha, do Serviço de Ação, Reflexão
e Educação Social (Sares), entidade ligada à Arquidiocese de Manaus.
Segundo Marta, está havendo “uma pressão danada” contra os ribeirinhos
para que estes aceitem, futuramente, a desapropriação. “O Estado nunca
foi escutá-los. Já tem até empresa terceirizada dizendo que eles vão ter
que sair porque vai haver Polo Naval. Na comunidade Bom Sucesso, por
exemplo, um topógrafo anda por lá e ninguém sabe o que realmente ele
está fazendo”, disse Marta.
Levantamento
O
assessor da Secretaria Estadual de Planejamento e Desenvolvimento
Econômico (Seplan), Edmar Magalhães, responsável também pelo projeto do
Polo Naval, reconheceu que as comunidades ainda não foram procuradas
oficialmente, mas que isto ocorrerá na audiência do dia 8 de março e de
forma mais freqüente após esta data.
“A
gente não vai levar já uma posição para eles enquanto não estiver
totalmente definido, enquanto não saber o que afeta e quantos serão
afetados. Por enquanto, nosso contato tem sido a Secretaria dos
Movimentos Sociais e com o Incra. Em cima do levantamento que ainda
estamos concluindo é que vamos dizer como eles serão inseridos no
processo”, disse Magalhães. Conforme o assessor, “antes da viabilidade
econômica, o projeto vai priorizar a viabilidade ambiental e social”.
Conforme
Edmar Magalhães, na atual fase do projeto a intenção “não é tirar
ninguém, mas apenas fazer deslocamento dentro da própria área”. Ele
disse ainda que é intenção criar uma “cidade operária, aproveitando a
mãe de obra de dentro (das comunidades”.
O
assessor preferiu não antecipar quais as comunidades poderão ser
impactadas, mas adiantou que uma delas, o Projeto de Assentamento
Nazaré, ficará de fora de qualquer intervenção. “Por enquanto, queremos
evitar correria por lá, uma exploração a nível de pessoas indo para lá e
super valorizando a área, criando exploração imobiliária. Por isso que
primeiro estamos identificando todas as pessoas existentes ali”,
explicou.
Indagado se as comunidades
serão desapropriadas futuramente, ele disse que “uma opção é organizar
um núcleo maior de comunidades”, reduzindo assim a quantidade delas.
Segundo Magalhães, a intenção é lançar a “pedra fundamental” do projeto
do Polo Naval ainda em 2013 e começar os estudos de impactos ambientais,
que são obrigatórios por lei, nos próximos dois anos.
Estaleiros
A
conclusão dos estudos fundiários visando a desapropriação das
comunidades está prevista para este ano, segundo a assessoria de
imprensa da Seplan.
A área
desapropriada equivale 10 mil hectares às margens esquerda do rio
Amazonas, após o rio Puraquequara. A primeira etapa do Polo Naval
abrigará dois grandes estaleiros, seis médios estaleiros e 60 estaleiros
de pequeno porte, construídos em até três anos. O projeto terá outra
etapa, prevista para ser implantada no período de dez anos.
Blog
Deputado estadual Luiz Castro (PPS), presidente da Comissão do Meio Ambiente da ALEAM
“A
gente quer entender de que maneira o governo vai implementar o Polo
Naval nessa região ribeirinha. Não tem estudo técnico, não há
informações sobre o porque o governo escolheu aqueles lotes. Não sabemos
qual vai ser o critério para indenização e porque precisa desapropriar
uma área tão extensa. A nossa preocupação é de harmonizar o interesse
econômico, que é justo, com a permanência das comunidades tradicionais.
Por enquanto, o projeto está muito nebuloso. Me parece que houve
precipitação ao se publicar o Decreto e causou mal-estar nas
comunidades. Algumas talvez nem sejam atingidas. Uma delas já tem um
precedente de conflitos com o Exército. Eles (os ribeirinhos) estão
traumatizados. Por isso vamos pedir informações mais claras e tornem o
processo mais participativo”.
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