fevereiro 06, 2013

"O Mestre", por Ana Al Izdihar

PICICA: "O Mestre não dará margens para uma interpretação cartesiana. É um tapa na cara e um êxtase ao mesmo tempo. E ele pode escapar da sua mente assim que sair da sala do cinema. Porém, Freddie Quell não sairá da sua memória tão facilmente."


O Mestre

Não posso contar muito sobre o enredo, mas posso comentar à vontade sobre a atuação de Joaquin Phoenix.

O Mestre (filme)

O Mestre, de Paul Thomas Anderson, corre o risco de ficar ofuscado por Lincoln na briga pelo mercado. Não cometa este erro, caro leitor. Se você gosta de um bom enredo, intrigante e um tanto misterioso, com linda fotografia, um ritmo mais lento e interpretações dignas de aplauso, prestigie este filme. Confie no diretor, pois ele fez nada mais nada menos que Magnólia, Sangue negro e Boogie nights.

A parte mais difícil da minha tarefa em fazer uma resenha deste filme é me isentar do encanto e fazer algo sóbrio, achando um jeito de contar pouco sobre a estória, já que ele só terá graça quanto menos você ler sinopses e mais se entregar totalmente. Gostei do resumo do IMDb em inglês e é o mínimo de spoiler que consegui (tradução minha): “Um veterano da Marinha volta da guerra se sentindo deslocado e incerto sobre seu futuro – até se ver arrebatado pela Causa e seu líder carismático.”

A década de 50, os ditos anos dourados americanos, é apresentada de forma bastante anti-convencional, o que, para começar, já estaria bom. Mas O Mestre vai além das questões políticas e sociais da época (sem deixar de levantá-las em momento algum). A trama, mostrada de maneira sinuosa, lhe envolverá e lhe fará pensar em muitos aspectos, do filosófico ao mundano, do soberbo ao mundo cão. Não posso dizer que é um enredo circular, mas ele voltará em algum ponto, por algum motivo. E uma das perguntas que fica no ar (isto não é propriamente um spoiler, mas pode vir a ser… cuidado) é: quem é o mestre? Somente isso e chega. Você, leitor-espectador, deverá senti-lo a seu modo, já que o filme apresenta nitidamente duas camadas: a superficial e a subjacente. Talvez você queira voltar aqui para que abramos estes envelopes de perguntas e as comentemos. Será realmente um prazer. E então vai entender por que eu não pude contar mais sobre o enredo.

Contudo, posso comentar à vontade sobre a atuação de Joaquin Phoenix, que, na minha opinião, poderia levar mais do que o um só prêmio até agora conquistado pela atuação como Freddie Quell, o soldado veterano deslocado de O Mestre. E, mais uma vez, este rapaz controverso imprime a força de seus olhos contundentes num personagem em tormento. Joaquin, que fez o patético Commodus em Gladiador, o sacerdote cheio de pensamentos pecaminosos de Os contos proibidos do Marquês de Sade, o ingênuo Lucius Hunt de A vila e o hilário Merril Hess em Sinais, pode até ser considerado um tanto emotivo demais, mas ele agrada aos olhos no final das contas – e em muitos sentidos, aliás. E não nos esqueçamos de sua ovacionada interpretação em Johnny & June, que entre os muitos desafios, incluiu gravar a trilha sonora inteira com Reese Whitherspoon cantando num tom muito mais baixo para encarnar brilhantemente Johnny Cash.

Sempre o vi como um dos últimos herdeiros da geração beatnik – cujo último guardião ainda é Johnny Depp, mesmo depois de Jack Sparrow – dentro e fora das telas. Joaquin é desbocado, fez umas arruaças por aí, foi pra rehab, se fez de louco para promover um de seus próprios documentários e investiu em coisas que muitos de sua geração jamais teriam coragem de fazer. Já foi roteirista, produtor e ator em mais ou menos 42 filmes, geralmente escolhendo personagens atormentados ou patéticos. Seu talento está, eu diria, em trazer o homem comum para o personagem, indo na direção contrária de seus contemporâneos, que fazem de um personagem comum alguém extraordinário.

Enquanto muitos outros atores da mesma leva, ou exageram demais nas emoções, ou são tão expressivos quanto um jacaré, Joaquin insiste numa certa sutileza contraditoriamente forte, que pode passar despercebida. Convenhamos que isto é uma arte difícil: expressar a dor, o olhar, o comportamento e o discurso do homem comum, deixando ele ali na sarjeta do ordinário e com isso nos faz doer algo dentro do peito. O descontrole juvenil (se é que um dia o teve) se foi de Joaquin Phoenix de vez e, com Freddie Quell, ele o demonstra de uma vez por todas.

O Mestre não dará margens para uma interpretação cartesiana. É um tapa na cara e um êxtase ao mesmo tempo. E ele pode escapar da sua mente assim que sair da sala do cinema. Porém, Freddie Quell não sairá da sua memória tão facilmente.

Fonte: Amálgama

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