PICICA: "Também não é o caso de dizer que o PT seja um partido "moderno". É nada.
Trata-se de um partido tão velho e arcaico que precisou se desobrigar
de certos dogmas para poder continuar existindo -- primeiro,
internamente (dele com ele próprio), depois, externamente (dele com a
multidão). Eis por isso que ele se converteu em um fenômeno social, mais
até do que político. O PT, é certo, tem mais relevância social do que
política (não por sua política social, mas por sociabilidade política). É
isso que explica o fato do partido resistir a um bombardeio midiático
diário enquanto o PSDB não resistiria sem apoio da mídia."
O Longo Aniversário do PT
Prometeu Acorrentado -- Rubens |
Hoje, o Partido dos Trabalhadores completa 33 anos. Depois de ter
completado dez anos no comando do governo federal. Grosso modo, é
recorrente a interpretação do PT enquanto uma polêmica em forma de
partido. No entanto, ele é exatamente o inverso: um partido em forma de
polêmica. Máquina de combate complexa, atravessada por mil dramas
internos, nascida para a democratização da democracia, contra o
economicismo e o vazio despolitizado. Fonte sem fim de debates e
discussões.
Há dois PT's. Um, antes do governo federal, outro depois. Uma mudança de
forma de combate que não deixa de ser uma mudança no combate. Há quem
diga que hoje se odeie mais o PT. Mas outros odiavam antes e agora o
amam. Os setores da classe média que antes o aclamavam, hoje talvez não
gostem mais dele. Por outro lado, os pobres, que antes refutavam o
autointitulado partido dos trabalhadores, agora são sua leal base
eleitoral.
Abandonar os velhos dogmas e certos sectarismo permitiu ao PT realizar
seu velho sonho, qual seja, comungar com a plebe, mas (talvez não)
estranhamente, este movimento foi marcado pelo afastamento de setores de
sustentação históricos: o realismo político afasta os que creem na
revolução em abstrato, mas também há erros e distanciamentos bastante
reais que afastaram, até justificadamente, aliados históricos -- a
candidatura Haddad em São Paulo, em parte, é reconhecimento disso.
O PT jamais será perdoado por ter melado o sonho de Golbery (e,
portando, nosso pesadelo): uma democracia consentida, controlada e
obediente, com um jogo bipartidário e parlamentar no qual ficaríamos
entre a direita e o centro. Foi o PT que trouxe para os holofotes
debates dolorosos da realização da democracia. E apesar das mudanças
todas, o PT conservou em seu interior um certo esforço socializante, o
imperativo de que o começo de conversa na política é a melhoria da vida
de quem menos tem.
É claro que poucos críticos seus, sobretudo à direita, irá admitir suas
reais motivações. É melhor apelar para superstições e crendices
populares como, por exemplo, dizer que se trata de um partido de
corruptos -- como se ele não tivesse menos parlamentares cassados do que os rivais ou menos candidaturas barradas pelo Ficha Limpa.
Ou talvez prefiram, de forma mais sofisticada, retrata-lo como um
partido arcaico ao estilo dos velhos partidos soviéticos -- como se o
gerencialismo do PSDB não lembrasse mais o modo de gestão socialista
burocrático do que o contrário.
Também não é o caso de dizer que o PT seja um partido "moderno". É nada.
Trata-se de um partido tão velho e arcaico que precisou se desobrigar
de certos dogmas para poder continuar existindo -- primeiro,
internamente (dele com ele próprio), depois, externamente (dele com a
multidão). Eis por isso que ele se converteu em um fenômeno social, mais
até do que político. O PT, é certo, tem mais relevância social do que
política (não por sua política social, mas por sociabilidade política). É
isso que explica o fato do partido resistir a um bombardeio midiático
diário enquanto o PSDB não resistiria sem apoio da mídia.
Por outro lado, o PT não irá aceitar nunca não ser amado universalmente.
Doía não ser admirado ou votado por trabalhadores antes, dói não ser
aclamado por vastos setores da classe média hoje em dia. Os problemas
reais do partido, a bem da verdade, giram em torno da burocratização
interna. O aumento gradual de suas ligações com os órgãos esclerosados
do Estado está na ordem do dia.
A perda das posições combativas do partido não melhora sua posição,
longe disso. Não faz diferença. Lula é tão atacado quanto Chávez ou
Cristina Kirchner: ninguém odeia os dois últimos por sua verve, ou mesmo
por seus defeitos, mas por suas políticas. O 1% de favorecidos não
perdoa quem trabalha para os 99%. Lembremos, Allende era quase um lord
inglês, mas nem por isso deixou de ser vítima de um golpe sangrento.
É impossível prever o futuro pela simples razão que ele não existe, nem
existirá. Mas a manutenção do PT na política, pelo menos como agente
relevante, demanda o encontro com o a classe sem nome que ele autorizou a
desejar e saiu por aí desando, o encontro com o comum -- o elemento
diferencial e definidor da não-fascistização de uma multidão anônima,
qualquer uma delas -- e o enfrentamento da burocratização com a qual ele
próprio passou a travar contato ou, até mesmo, a reproduzir, por
desatenção ou engano. Goste-se ou não do PT, ele é um ator importante
sem o qual esta batalha imensa passa a ser morro acima.
Fonte: O Descurvo
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