setembro 01, 2013

"Os desertos brotam urros", por Bruno C. Dias

PICICA: "Vozes antes silenciadas pela repressão e por valores vazios da realização do mercado ganharam potência e reverberação. São black blocs; professores em greve; médicos estrangeiros que decidiram desbravar periferias e sertões; camelôs; midialivristas, artistas. Muitos, assim como múltiplos são os nossos desejos. Não há direção única nem ordem de comando. Descobriu-se nas ruas que se pode desestabilizar e desarticular atual dinâmica das relações de exploração e dominação do biopoder impostas pelo Estado-Mercado. Numa só rajada, a bruta flor quebra os padrões, as vidraças dos bancos e a moral conservadora, seja de direita ou de esquerda, provando mais uma vez que tudo o que é sólido se desmancha no ar."

Os desertos brotam urros

01/09/2013
Por Bruno C. Dias


Por Bruno C. Dias
flower



Irrompeu como bruta flor a partir das mobilizações de junho o urro da multidão. Um coro de revolta, feito de choro e risada também. Mesmo abafado por balas e bombas falsamente não letais e pela criminalização repetida ad nauseam pelos grandes meios de comunicação, o urro faz-se ouvir e brada, em alto e bom som, outras formas de fazer, viver e explorar as potências da radicalidade democrática.

A rua é o seu eco e nelas ressoam protestos em forma de palavras, músicas e mídias. Pressão sonora, visual, audiovisual, metalinguística e social. Ao mesmo tempo fruto e semente, que ocupa, resiste, remixa e interfere diretamente na dinâmica das cidades e das redes. Expressa-se pelo pulsar dos corpos e pela variedade tática da arte, dos deslocamentos e das confusões de sentido e por pensamentos estratégicos que transbordam e se amplificam na própria multidão, que não têm – nem querem – rosto, partido ou facção.

Vozes antes silenciadas pela repressão e por valores vazios da realização do mercado ganharam potência e reverberação. São black blocs; professores em greve; médicos estrangeiros que decidiram desbravar periferias e sertões; camelôs; midialivristas, artistas. Muitos, assim como múltiplos são os nossos desejos. Não há direção única nem ordem de comando. Descobriu-se nas ruas que se pode desestabilizar e desarticular atual dinâmica das relações de exploração e dominação do biopoder impostas pelo Estado-Mercado. Numa só rajada, a bruta flor quebra os padrões, as vidraças dos bancos e a moral conservadora, seja de direita ou de esquerda, provando mais uma vez que tudo o que é sólido se desmancha no ar.

Cadê o Amarildo?

Essa pergunta não irá calar enquanto for mantida à guerra aos pobres – uma operação sistemática e opressora que utiliza a ação das UPP e da polícia militar para exterminar jovens negros e garantir a dominação de comunidades, sob a falsa política de combate às drogas. Deve-se creditar ainda nessa conta os inúmeros casos de estupro e de mortes de mulheres decorrentes de abortos precários e clandestinos e o assassinato de gays e travestis.

O projeto de extermínio e limpeza social serve como uma luva à gentrificação em curso na cidade do Rio, submetendo-a e servindo à lógica dos megaeventos e megassimulacros da arte, esporte e cultura, caso do novo Maracanã e o Museu de Arte do Rio (MAR), fraudulentamente encarecidos para mantê-los para poucos. Para a multidão restam as formas de extorsão da vida, a imobilidade do trânsito e dos serviços de transporte, a medicalização da saúde, a tecnização do ensino, a ultrajante má prestação dos serviços públicos.

Enquanto uma multidão de mídias alinhadas aos interesses do poder constituído tenta desacreditar a luta, as mídias da multidão explodem as velhas fórmulas das mensagens de ordem e mostram que é possível sim virar o tabuleiro. Cabral e Paes recuam com a pressão. Vamos prosseguir. Com câmeras, poesias, pincéis, celulares, em meio ao Horto, às ocupas, à Vila Autódromo, à Aldeia Maracanã e tantas outras frentes, comunidades, histórias e territórios, numa desarmônica, mas não menos bela troca de saberes, experiências e afetos. Trocas que fortalecem as formas de resistência e se projetam no urro, o urro da multidão disposta à conquista da liberdade.

Fonte: Universidade Nômade

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