PICICA: "O helicóptero com a cocaína não foi manchete da Rede Globo. O
deputado e o senador não foram colocados sob suspeita. Não foi
denunciado nenhum vínculo do senador, do deputado ou da Rede Globo com o
Cruzeiro, famílias de oligarcas, o candidato Aécio Neves, a CBF, o
sumiço do Amarildo, e muito menos a violência cotidiana racista do
estado pretextada por um estado de guerra que o Jornal Nacional
legitima."
No Brasil tudo vira pó
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O helicóptero era do deputado. O piloto era do deputado. O piloto era funcionário da Assembleia Legislativa de Minas. Num cargo por indicação do deputado. De acordo com o piloto, o deputado sabia do voo e o autorizou. O dinheiro usado pra abastecer era da cota do deputado.
Nessa história, só a cocaína não tem dono. 443 kg da pasta-base de cocaína, que vira duas vezes mais no varejo. A apreensão, sozinha, corresponde a 5% de todos os confiscos de cocaína no ano passado, quando chegou perto de 20 toneladas. O senador que é pai do deputado também tem usado a sua cota parlamentar. O Senado desembolsou, até agora, R$ 104 mil para encher o tanque do mesmo helicóptero. Para o transporte dos 443 kg, o piloto recebeu R$ 106 mil do copiloto, que o teria “pressionado” a fazer o pobre serviço.
No ano passado, foi descoberto um esquema de fraude em licitações para a alimentação para presos em Minas e Tocantins. A empresa é do irmão do senador. O valor envolvido foi estimado em R$ 166 milhões e o caso está no STJ. O nome da operação policial é “Laranja com Pequi”. A laranja é um fruto híbrido, criado na antiguidade a partir do cruzamento da cimboa com a tangerina. Laranja, no masculino, significa testa de ferro, o “idiota útil” que realiza uma negociação escusa e ilícita em nome de algum poderoso oculto. O pequi é nativo do cerrado brasileiro e pode ser comido com arroz, mas o fruto in natura deve ser manuseado com cuidado, por causa dos finos espinhos.
A lei estabelece para o tráfico de drogas uma pena entre 5 e 15 anos em regime fechado. O Brasil hoje tem 125 mil presos por tráfico de drogas. É o maior subgrupo da população carcerária brasileira, de 514 mil. Isto significa que, em média, cada traficante no Brasil foi preso com 0,16 kg da droga. Ou seja, prendendo-se 2.781 traficantes se chega a 443 kg de cocaína apreendida.
Um preso em regime fechado custa R$ 2.700,00 por mês. 2.781 presos por tráfico consomem R$ 90 milhões por ano dos cofres públicos. Gastam-se anualmente R$ 90 milhões para manter um número de presos cuja droga traficada equivale à quantidade de droga apreendida no helicóptero. Só em licitação fraudada para pagar comida de preso, estão em questão R$ 166 milhões, 54% a mais.
Pedro Abramovay foi exonerado da Secretaria Antidrogas do governo Dilma em janeiro de 2011, depois de opinar favoravelmente a penas alternativas para pequenos traficantes de droga que sejam primários. Na ocasião, seu chefe, o ministro da justiça José Eduardo Cardozo criticou-o com veemência. José Eduardo Cardozo, recentemente, anunciou a federalização da repressão contra as manifestações populares que, desde junho, têm levado o Brasil a outro patamar de democracia. A principal composição das manifestações é de jovens que, indignados com o sofrimento de viver numa grande cidade, têm raiva e resistem.
O problema das drogas, no Brasil, é tratado como guerra. Guerra tem inimigos e mortos e toda uma economia que a sustenta. É um grande negócio e uma grande máquina de triturar gente. A guerra às drogas produz dezenas de milhares de vítimas e nunca conheceu a democracia racial. Um que também não conheceu a democracia racial foi Amarildo. Nem Douglas. Nem Paulo.
O Congresso brasileiro, onde atua o senador pai do deputado, está muito distante de seguir o Uruguai para legalizar a maconha, embora seja uma substância menos “perigosa” do que o álcool, o tabaco, o açúcar, o sal, o ciclamato de sódio e o amido industrializado. Até pouco tempo atrás, a marcha da maconha era criminalizada. A principal composição da marcha são jovens que, não podendo fumar em casa, vivem na rua a opressão cotidiana e, por isso, têm raiva e resistem.
O deputado do helicóptero é filho do senador que é cartola influente do Cruzeiro. Foi presidente em várias gestões recentes, assim como o seu irmão, tio do deputado. O Cruzeiro é o atual campeão brasileiro de futebol. O Brasil realizará a Copa de 2014. A Copa de 2014 é o cartão de visitas do novo Brasil. Envolve bilhões em estádios, obras viárias, verbas de publicidade e direitos de transmissão. Os cartolas dos grandes clubes mandam no futebol brasileiro. A CBF é um cartel com ramificações políticas e midiáticas. Jogadores e árbitros organizaram o movimento “Bom Senso Futebol Clube”, para contestar o caráter antidemocrático da organização do futebol.
A transmissão da Copa custará, em equipamentos exigidos pela FIFA, R$ 1,2 bilhões dos cofres públicos. Na TV aberta, a Rede Globo monopoliza os direitos de transmissão da Copa. A Rede Globo se mantém historicamente graças ao dinheiro público, na forma de verbas de publicidade, favorecimentos, subsídios e investimentos diretos. A Rede Globo se criou na ditadura segundo uma estratégia de nacionalizar a propaganda pró-regime e contra o terrorismo, quer dizer, contra o dissenso. Semana passada, a lei do terrorismo foi aprovada numa comissão do Congresso, onde atua o senador.
Em 2013, a Copa das Confederações foi o pano de fundo para manifestações que, desde junho, têm levado o Brasil a outro patamar de democracia. A multidão está gritando “Não vai ter Copa” e cantando “A verdade é dura, a Rede Globo apoiou a ditadura”. O Jornal Nacional é o principal instrumento da nacionalização da ditadura que, como Amarildo, Douglas e Paulo comprovam, não acabou. O Jornal Nacional retratou as manifestações como infestadas por mascarados que cometem “atos de vandalismo”, promovem “quebra-quebra” e pertencem à “organização criminosa.”
O helicóptero com a cocaína não foi manchete da Rede Globo. O deputado e o senador não foram colocados sob suspeita. Não foi denunciado nenhum vínculo do senador, do deputado ou da Rede Globo com o Cruzeiro, famílias de oligarcas, o candidato Aécio Neves, a CBF, o sumiço do Amarildo, e muito menos a violência cotidiana racista do estado pretextada por um estado de guerra que o Jornal Nacional legitima.
Como, até agora, tem se mostrado impossível colocar a culpa nos black blocs ou nos mensaleiros, a culpa vai se fixando… no copiloto. O copiloto, de 26 anos, expiará as culpas. O copiloto tampouco tem a ver com dinastias da cartolagem, fraudes milionárias de licitação, compadrios e campanhas para a presidência ou os direitos de transmissão, gastos e lucros projetados para a Copa de 2014, que nada têm a ver com o caso.
Nada do que aqui escrito obviamente tem a ver com nada. A boa consciência nacional vai bem e obrigado. Esculhambado é este artigo. Esculhambadas são as manifestações, a marcha da maconha e a democracia. No Brasil, tudo o que destoa vira pó.
Fonte: Quadrado dos Loucos
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