PICICA: "(...) sem Fernando Pessoa e suas criações, suas vozes, a
poesia do século XX seria bem mais pobre. Pessoa, leitor dos clássicos
latinos e de Whitman, adestrado (como Borges, aliás) na melhor
literatura de língua inglesa, levando uma existência prosaica, renovou
temática e estilisticamente a poesia. E inaugurou o futuro da literatura
de língua portuguesa."
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Por Leandro SarmatzEm novembro, vamos lembrar dos 80 anos da morte de Fernando Pessoa (1888-1935). Pessoa é um dos titãs da poesia de língua portuguesa no século XX. O outro é coisa nossa, é o brasileiro Carlos Drummond de Andrade. O mineiro ainda está para entrar completamente no grande circuito universal, e uma tradução norte-americana que sai no próximo mês de junho promete fazer um bom serviço: a seleção é criteriosa, a tradução — a cargo do grande Richard Zenith, que também verteu Pessoa, olha só — equilibra-se com talento entre o espírito e a letra. Agora vai.
O lisboeta já é bastante difundido em outros idiomas, principalmente no continente da língua inglesa, esse império. Harold Bloom o incluiu em seu O cânone ocidental, George Steiner — que, por sinal, comemorou 86 anos ontem — escreveu um ensaio decisivo, em que o compara a outros grandes mestres da invenção na literatura modernista, como Beckett e Borges. Aliás, Steiner acha a concepção dos heterônimos pessoanos uma criação mais engenhosa do que a ficção borgeana, com seus espelhamentos. Mas não entremos neste fla-flu. Há uma afinidade muito particular entre o alfacinha e o portenho. Matéria para outro comentário, em breve.
O certo é que, sem Fernando Pessoa e suas criações, suas vozes, a poesia do século XX seria bem mais pobre. Pessoa, leitor dos clássicos latinos e de Whitman, adestrado (como Borges, aliás) na melhor literatura de língua inglesa, levando uma existência prosaica, renovou temática e estilisticamente a poesia. E inaugurou o futuro da literatura de língua portuguesa. Mesmo que muitas vezes sob uma pátina aparentemente tradicional (ou mesmo passadista: Mensagem é um exemplo disso), sua poesia exibe uma audácia até hoje inigualada. Ter esses vários poetas em torno de si, compor essa obra tão rica e com esquinas tão diversas, é um triunfo supremo da imaginação humana.
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Leandro Sarmatz é editor da Companhia das Letras e no tempo livre está tentando — sem muito sucesso, diga-se — organizar sua biblioteca. Uma vez por mês ele escreve sobre livros que foram fundamentais para sua trajetória como leitor.Fonte: Blog da Companhia
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