abril 28, 2015

"Da aldeia à ONU: e agora, Brasil?", por Egon Heck (CIMI)

PICICA: "“Tamanhos são os crimes que o Serviço de Proteção aos Índios degenerou a ponto de persegui-los até ao extermínio. Pode ser considerado o maior escândalo administrativo do Brasil”, Jader Figueiredo (1968)."
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"É longa a história de ocultação da verdade por parte do Estado brasileiro, com relação à trágica realidade a que estão submetidos os povos indígenas. É o famoso jeitinho de jogar a “sujeira para debaixo do tapete”. Ficaram famosos os intuitos da ditadura militar de ocultar os processos de violência e genocídio contra os povos originários, sob o manto e discurso de um “progresso” irreversível. Eram tempos de milagre. O milagre da sobrevivência dos povos, diante da fúria das empreiteiras da ditadura.

Porém, a irrupção de denúncias escabrosas e generalizadas de violência e genocídio dos povos indígenas no Brasil, maculou a ilibada imagem do país, diante do capital internacional à procura dos melhores e mais lucrativos lugares do mundo. A reação não se fez esperar. O governo da ditadura militar chamou organismos internacionais para vir comprovar a falsidade das acusações. Pelo menos três organismos internacionais, dentre os quais a Cruz Vermelha Internacional e a Survival Internacional, estiveram no Brasil no início da década de 1970. 

O senhor Robin Hambury-Tenison, depois de nove semanas de contatos com inúmeras realidades indígenas, afirmou “que sem ajuda técnica e econômica internacional, os 50 mil índios brasileiros desaparecerão em dois anos” (Jornal do Brasil, 08/07/1971). Referente a essa afirmação, o diretor do Departamento Geral de Estudos e Pesquisas da Funai Paulo Monteiro Santos afirmou, à época, que com esse dinheiro poderiam ser instalados dois ou três postos indígenas. Apesar desse alerta subvencionado, o Tenison afirmou que não existia genocídio.

Poucos anos depois, no IV Tribunal Internacional Russel, instalado em Roterdã, na Holanda, o Brasil foi condenado pelo crime de genocídio. Foram denunciadas as situações dos povos Waimiri Atroari, Yanomami, Nambikuara e dos Kaingang, de Mangueirinha, no Paraná (Jornal Porantim, novembro 1980)."


Da aldeia à ONU: e agora, Brasil?


“Tamanhos são os crimes que o Serviço de Proteção aos Índios degenerou a ponto de persegui-los até ao extermínio. Pode ser considerado o maior escândalo administrativo do Brasil”, Jader Figueiredo (1968).


Ainda sob o impacto das manifestações, denúncias e cobranças do 11º Acampamento Terra Livre e das Mobilizações do Abril Indígena de 2015, mais um fato de extrema relevância para os povos indígenas acaba de se concretizar. Um momento de incidência internacional acaba de acontecer, quando lideranças indígenas da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) deixaram suas aldeias e foram ao espaço de diálogo das nações, a sede da Organização das Nações Unidas (ONU), em Nova York (EUA), para a 14ª Sessão do Fórum Permanente dos Povos Indígenas.


Ali denunciaram aquilo que protocolaram nos Três Poderes, em Brasília (DF), uma semana antes. Um documento foi lido por Lindomar Terena (foto), liderança do Mato Grosso do Sul, terminando com sugestões para os membros da ONU.


Embaixo do tapete não cabe mais


É longa a história de ocultação da verdade por parte do Estado brasileiro, com relação à trágica realidade a que estão submetidos os povos indígenas. É o famoso jeitinho de jogar a “sujeira para debaixo do tapete”. Ficaram famosos os intuitos da ditadura militar de ocultar os processos de violência e genocídio contra os povos originários, sob o manto e discurso de um “progresso” irreversível. Eram tempos de milagre. O milagre da sobrevivência dos povos, diante da fúria das empreiteiras da ditadura.


Porém, a irrupção de denúncias escabrosas e generalizadas de violência e genocídio dos povos indígenas no Brasil, maculou a ilibada imagem do país, diante do capital internacional à procura dos melhores e mais lucrativos lugares do mundo. A reação não se fez esperar. O governo da ditadura militar chamou organismos internacionais para vir comprovar a falsidade das acusações. Pelo menos três organismos internacionais, dentre os quais a Cruz Vermelha Internacional e a Survival Internacional, estiveram no Brasil no início da década de 1970. 


O senhor Robin Hambury-Tenison, depois de nove semanas de contatos com inúmeras realidades indígenas, afirmou “que sem ajuda técnica e econômica internacional, os 50 mil índios brasileiros desaparecerão em dois anos” (Jornal do Brasil, 08/07/1971). Referente a essa afirmação, o diretor do Departamento Geral de Estudos e Pesquisas da Funai Paulo Monteiro Santos afirmou, à época, que com esse dinheiro poderiam ser instalados dois ou três postos indígenas. Apesar desse alerta subvencionado, o Tenison afirmou que não existia genocídio.


Poucos anos depois, no IV Tribunal Internacional Russel, instalado em Roterdã, na Holanda, o Brasil foi condenado pelo crime de genocídio. Foram denunciadas as situações dos povos Waimiri Atroari, Yanomami, Nambikuara e dos Kaingang, de Mangueirinha, no Paraná (Jornal Porantim, novembro 1980).


Na ONU: anúncios e denúncias


Há menos de um ano, a violação aos direitos indígenas havia sido denunciada neste mesmo Fórum. Infelizmente quase nada mudou, e se mudou, a mudança foi para pior. Aumentaram as ameaças e as violências, além das tentativas de supressão dos direitos constitucionais dos povos indígenas. Diante dessa realidade, o movimento indígena avaliou ser necessário continuar a resistência e afirmação de seus direitos em todos os níveis; da aldeia à ONU.


Os representantes do governo brasileiro tinham acabado de anunciar, com grande dose de ufanismo, a realização dos Jogos Mundiais Indígenas, previstos para a cidade de Palmas, Tocantins, em setembro deste ano. Porém, sentiram-se constrangidos diante das denúncias, feitas poucas horas depois.


Quem sabe não seria um gesto de boa vontade, no lugar da falsa propaganda, a demarcação das terras indígenas mais conflitivas em todo país, especialmente no Mato Grosso do Sul, na Bahia e no Rio grande do Sul, a paralisação de todos os projetos anti-indígenas que tramitam no Congresso, a aprovação do Conselho Nacional de Política Indigenista e o Estatuto dos Povos indígenas, conforme a proposta enviada pelo movimento indígena, a exclusividade das condicionantes para a Terra Indígena Raposa Serra do Sol. Se isso acontecer, o Brasil poderá se dizer um digno anfitrião para os jogos indígenas. Que os jogos não sejam mais um ato para ludibriar a opinião pública nacional e internacional, diante das agressões, desrespeito e omissões do Estado brasileiro.


Como na década de 1970, foi solicitada a presença de observadores internacionais, desta vez pelo movimento indígena: “Que o Fórum Permanente envie urgentemente observadores ao Brasil para que acompanhem a realidade dos conflitos territoriais, e a ofensiva estabelecida contra os direitos indígenas nos distintos poderes do Estado”, diz o documento lido por Lindomar Terena no plenário da ONU.


A razão de tal solicitação constante na carta dirigida aos dirigentes do Fórum, é pela “forma que o Estado brasileiro está tratando os povos indígenas: o governo federal descumpre a Constituição, os legisladores suprimem e o Judiciário restringe cada vez mais os direitos, principalmente territoriais. Enfim, há no Brasil uma virulenta campanha de criminalização, deslegitimação, discriminação e racismo contra os povos indígenas, caracterizados como invasores, subverteres da ordem e principalmente como obstáculos ao desenvolvimento nacional”, segue o documento.


Esse é um momento histórico, importante para o Brasil mostrar ao mundo que tem uma decisão política de tratar com respeito e dignidade seus habitantes originários, cumprindo a Constituição e a legislação internacional. Não tem mais espaço para defender o indefensável, ou seja, a violação das leis e dos direitos humanos destes povos tão massacrados.

Fonte: CIMI

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