PICICA: "É com base nas denúncias contra a corrupção que a oposição quer
mobilizar a população contra o governo, e tem conseguido bons
resultados. Mas a classe média que foi para as ruas é um setor muito
desinformado. Até uma simples pergunta de quem assumiria a Presidência
num eventual impedimento de Dilma fica sem resposta para a maioria dos
manifestantes. Apenas 27% defendem “fora Dilma”. Eles estão na rua para
defender o que entendem por seus direitos num cenário econômico
recessivo, o que guarda semelhança com as demandas apresentadas pelas
centrais sindicais em outra recente manifestação de peso.
Também é importante lembrar que 37 milhões de brasileiros votaram
branco ou nulo nas últimas eleições, ou seja, não se posicionaram em
relação às opções eleitorais disponíveis. Isso não significa que não
tenham opiniões, mas que não se sentem representados ou não valorizam
mais este sistema político. Temos de lembrar também o rechaço aos
partidos políticos, seja nas manifestações de junho de 2013, seja nas de
15 de março deste ano. Quando políticos quiseram se manifestar, ouviram
da população nas ruas um veto: gritava-se “sem partido, sem partido”. É
o próprio sistema político que está em xeque, e não este ou aquele
partido. É uma oportunidade interessante enfrentar essa falsa
polarização, promovendo um trabalho de esclarecimento público sobre os
verdadeiros agentes e interesses que apostam na desestabilização do
governo. Se ao lado desses esclarecimentos surgir um forte movimento de
defesa dos direitos sociais, também buscando mobilizar a classe média,
então o jogo pode mudar e a reforma política por uma Constituinte
independente pode se tornar uma bandeira de muitos, de uma ampla aliança
da cidadania com capacidade para mudar a correlação de forças. Diretas
Já! foi assim."
EDITORIAL
Uma falsa polarização
Claudius
por Silvio Caccia Bava
Há intelectuais que querem nos fazer crer que estamos vivendo no Brasil
uma polarização de posições políticas entre esquerda e direita, entre
neoliberais e bolivarianos, entre uma classe média “coxinha” e os
trabalhadores, e por aí vai. De quebra assistimos à condenação do
governo federal e do PT como corruptos. Isso é o que vemos na superfície
e que gera uma insatisfação geral.
O que não está visível são os
principais atores que impulsionam essa polarização e seus objetivos. Um
primeiro passo para entendermos essa situação é olhar para o lucro das
grandes empresas e bancos. As empresas que têm ações na Bovespa, que são
as maiores, tiveram aumento de seu lucro da ordem de 46% em 2014, se
comparado ao lucro de 2013. E os bancos, algo entre 26% (Itaú) e 30%
(Safra). Isso numa economia em que o crescimento do PIB de 2014 ficou
próximo de zero. Como se opera esse milagre? Essa rentabilidade depende
muito da taxa Selic, que remunera a dívida pública, e das taxas cobradas
pela intermediação financeira sobre empréstimos e financiamentos pelos
bancos.
O governo federal, adotando
políticas contracíclicas para garantir o dinamismo da economia
brasileira diante da crise internacional, em 2009 reduziu a taxa Selic;
em 2010 sofreu pressões para aumentá-la novamente; em 2011 retomou a
política de baixar os juros. Como consequência, 2014 apresentou o menor
superávit primário desde 1999, ou seja, a menor remuneração para os
rentistas. O setor rentista também se sentiu ameaçado com a ação dos
bancos públicos – Caixa e BNDES, especialmente –, que aumentaram o
crédito, baixaram os juros e ganharam mercado. Os bancos públicos, de
35% do mercado que detinham em 2009, chegam a 55% em 2015. O
congelamento dos preços da gasolina e da eletricidade tem o mesmo
sentido, de preservar a capacidade de compra das pessoas e manter o
dinamismo do mercado interno, e também contrariou interesses das
empresas concessionárias.
Como consequência dessas políticas, o
grande empresariado e o setor financeiro se uniram contra a redução da
rentabilidade do rentismo, contra as políticas anticíclicas, contra o
governo Dilma. Isso se expressou nas eleições de 2014 e nas tentativas
de desestabilização política que continuam até hoje.
A estratégia defendida pelos
governos do PT, de promover um impacto “keynesiano” de estímulo da
economia pelo lado da demanda, de preservação do emprego, pode ser
observada na distribuição entre renda do trabalho (salários, pensões,
aposentadorias) e renda do capital (lucros, juros, aluguéis e renda da
terra) nas contas nacionais. A participação da renda do trabalho no PIB
era de 35% em 2003; em 2013, foi de 47%. O rentismo disputa a retomada
de parcela maior da renda nacional, travando, com isso, o impacto
esperado das políticas contracíclicas e o desenvolvimento do país.
Pesquisas recentes mostram uma classe média tradicional assustada com o
cenário econômico, com medo do desemprego, com medo de uma perda maior
de poder aquisitivo, coisa que já estão sentindo. Há muito tempo não se
via esse medo voltar. É essa insatisfação que é trabalhada pela grande
imprensa escrita e televisiva, e mesmo internacional, para direcioná-la
contra o governo e até para criar a pressão “fora Dilma”. Não importa
que a crise seja internacional e que seja de fato necessário equilibrar
as contas do país. Importa que o ajuste não toque nos mais ricos e a
corrupção passe a ser a explicação da situação atual.
Essa estratégia de focar a corrupção
para promover o desgaste do governo está trazendo resultados
inesperados, pois atinge o sistema político como um todo. As ações do
Ministério Público implicam também os presidentes do Senado e da Câmara
dos Deputados, Aécio Neves, todos os partidos e outras personalidades
denuncistas da oposição.
É com base nas denúncias contra a corrupção que a oposição quer
mobilizar a população contra o governo, e tem conseguido bons
resultados. Mas a classe média que foi para as ruas é um setor muito
desinformado. Até uma simples pergunta de quem assumiria a Presidência
num eventual impedimento de Dilma fica sem resposta para a maioria dos
manifestantes. Apenas 27% defendem “fora Dilma”. Eles estão na rua para
defender o que entendem por seus direitos num cenário econômico
recessivo, o que guarda semelhança com as demandas apresentadas pelas
centrais sindicais em outra recente manifestação de peso.
Também é importante lembrar que 37 milhões de brasileiros votaram
branco ou nulo nas últimas eleições, ou seja, não se posicionaram em
relação às opções eleitorais disponíveis. Isso não significa que não
tenham opiniões, mas que não se sentem representados ou não valorizam
mais este sistema político. Temos de lembrar também o rechaço aos
partidos políticos, seja nas manifestações de junho de 2013, seja nas de
15 de março deste ano. Quando políticos quiseram se manifestar, ouviram
da população nas ruas um veto: gritava-se “sem partido, sem partido”. É
o próprio sistema político que está em xeque, e não este ou aquele
partido. É uma oportunidade interessante enfrentar essa falsa
polarização, promovendo um trabalho de esclarecimento público sobre os
verdadeiros agentes e interesses que apostam na desestabilização do
governo. Se ao lado desses esclarecimentos surgir um forte movimento de
defesa dos direitos sociais, também buscando mobilizar a classe média,
então o jogo pode mudar e a reforma política por uma Constituinte
independente pode se tornar uma bandeira de muitos, de uma ampla aliança
da cidadania com capacidade para mudar a correlação de forças. Diretas
Já! foi assim.
Silvio Caccia Bava
Fonte: Le Monde Diplomatique Brasil
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