PICICA: "Com enorme força dramatúrgica e criatividade
ímpar, “Krum” expõe sufocante mediocridade de seres humanos prisioneiros
de uma vida sem escolhas"
Amargo regresso a uma comunidade miserável
Por Wagner Correa de Araújo – on 22/04/2015
Com enorme força dramatúrgica e criatividade
ímpar, “Krum” expõe sufocante mediocridade de seres humanos prisioneiros
de uma vida sem escolhas
Por Wagner Correa de Araujo
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MAIS:
KRUM está em cartaz no Rio de Janeiro (breve, em São Paulo):
de quinta a domingo, às 20h, no Oi Futuro Flamengo (Rio). Temporada
curta: até 26 de abril. Endereço: Rua Dois de Dezembro, 63 – Flamengo
(Metrô Largo do Machado).
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“Eu deveria quem sabe agora deixar cair uma lágrima
por causa dessa espécie infeliz”. Quando um dos personagens profere esta
frase, com seu cortante niilismo, é como se estivéssemos a escutar
Schopenhauer: “O destino é cruel e os homens dignos de compaixão”.
Ansiedade, alienação, tédio, miséria, perpassam assim por todos os seres que povoam esse pequeno, sórdido e absurdo universo de Krum.
Este texto dramatúrgico, do autor israelense Hanoch Levin (1943-1999), é
completado na simbologia de seu subtítulo – “Ectoplasma, peça com dois
casamentos e dois funerais”.
A resignação, disfarçada pela ilusória perspectiva de
mudanças, aproxima-os irremediavelmente de uma postura filosófica de
auto negação, no eterno retorno do fim que não leva ao nada. Aqui a
difícil condição de suportar a condição humana não conduz a qualquer
espécie de felicidade ou legado.
O anti-herói Krum (Danilo Grangheia) retorna à casa
materna com um mala de roupas sujas, mãos vazias e nada mais. Sua vã
tentativa de escapar da sufocante mediocridade de uma comunidade
provinciana coloca-o, novamente, diante desses habitantes / prisioneiros
da ausência de escolhas oferecida pela vida.
E em confronto com a mãe (Grace Passô) ecoando
seu insistente jargão de cobrança ao filho – “O mundo só tem isso para
te dar” – e também de sua antiga amante Tudra (Renata Sorrah), que expõe
com palavras e canto, este em alemão, a poesia amarga de sua dilacerada
intimidade, em exponencial atuação.
Qualidades interpretativas presentes ainda no
enfermiço Tugati (Ranieri Gonzalez) e sua mulher Dupa (Inez Viana) que
troca a frustração matrimonial por uma fugaz e fria aventura sexual com
Bertoldo (Rodrigo Bolzan). Ao lado do caráter risível de um casal,
fazendo o falso intelectualismo de Dolce (Edson Rocha) esconder as
vulgaridades de Felicia (Cris Larin), em meio ao cerimonial de
casamentos e funerais.
Enfim, uma simbiótica orquestração estética de
performances, tendo no podium teatral a carismática regência do diretor
Márcio Abreu. Aqui, entre solos e conjuntos, sob os precisos efeitos
blackouts da iluminação claro/escura (Nadja Naira), recatados figurinos
(Ticiana Passos) e décors teatrais (Fernando Marés), propícios sobremaneira a este painel dostoievskiano de humilhados e ofendidos.
Destaque ainda para a expressiva gestualidade (Márcia
Rubin), em especial na grotesca mecanicidade da discoteca, e para as
preciosas interferências sonoras de ruidosos tremores como
“ectoplasmas”, intermediados pelos cantos a capela do elenco, entre o
romantismo, o sacro e o pop/rock (Felipe Storino).
Tudo enfim convergindo palco / plateia para uma
melancólica catarse, perante a imobilista indiferença de uma sociedade
cruel em que o ato de “viver é muito perigoso” sempre, e onde com a
morte: “Você não vai perder nada, Tugati, pode acreditar. Olha bem pra
gente, olha pras nossas vidas, olha pras nossas casas…”
Wagner Correa de Araújo
Jornalista especializado em cultura,
roteirista, diretor de televisão, crítico de artes cênicas. Dirigiu os
documentários "O Grande Circo Místico" e "Balé Teatro Guaíra 30 Anos" .
Participou como critico e jurado de festivais de dança e cinema, no
Brasil e na Europa.
Fonte: OUTRAS PALAVRAS
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