abril 08, 2015

"Zaratustra – da superação de si mesmo", por Rafael Trindade

PICICA: "Quando falamos de vontade de poder, não há como ser dualista, não há dialética, as forças são plurais, todas procuram se afirmar, estão por cima e por baixo, também no escravo se agitam forças de dominação e expansão. A mesma força que se agita e domina se mostra em sua outra face, embaixo, sendo dominada. Este é o segredo que a vida contou para Zaratustra: “‘Vê’, disse, ‘eu sou aquilo que sempre tem de superar a si mesmo’” (p.110)."

Zaratustra – da superação de si mesmo

Zaratustra desconfia dos sábios. Eles ainda parecem padres…
Quereis criar o mundo ante o qual podeis ajoelhar-vos: é a vossa derradeira esperança e embriaguez” – Assim Falou Zaratustra, p. 108
Os sábios colocam seus valores em um barco, junto com todas as suas ovelhinhas e seguidores, e juntos descem o rio do devir. Mal sabem eles o que lhes aguarda. Zaratustra olhou fundo no coração do homem, talvez mais fundo que ninguém, percorreu os maiores e os menores caminhos. Para falar daquilo que vive, ele dá três conclusões:
  1. Tudo que vive obedece;
  2. Recebe ordens aquele que não sabe obedecer a si próprio;
  3. Dar ordens é mais difícil que obedecer.
A vida é risco, perigo, embate. Aquele que está inserido no mundo não escapa de suas forças colossais e não pode esconder-se sem sofrer as graves consequências. Caso não saiba mandar, caso não seja forte, cabe obedecer, ser subjugado, dominado, submetido. Suas ordens são para si mesmo, sua prescrição é seu próprio remédio.
Onde encontrei seres vivos, encontrei vontade de poder; e ainda na vontade do servente encontrei a vontade de ser senhor” – Assim Falou Zaratustra, p. 109
Capa da edição russa
Capa da edição russa

Quando falamos de vontade de poder, não há como ser dualista, não há dialética, as forças são plurais, todas procuram se afirmar, estão por cima e por baixo, também no escravo se agitam forças de dominação e expansão. A mesma força que se agita e domina se mostra em sua outra face, embaixo, sendo dominada. Este é o segredo que a vida contou para Zaratustra: “‘Vê’, disse, ‘eu sou aquilo que sempre tem de superar a si mesmo’” (p.110).

Não é um impulso para a existência, estas forças já existem e sempre existirão, não é um impulso para manter-se, esta força não é inércia. A esta Vontade Nietzsche batiza de Vontade de Potência: expansão contínua de força, expressão máxima do alargamento de si, dilatação permanente.
Que eu tenha de ser luta e devir e finalidade e contradição de finalidades: ah, quem adivinha minha vontade, também adivinhará os caminhos tortos que ela tem de percorrer!” – Assim Falou Zaratustra, p. 110
Também a vontade dos sábios é uma vontade de potência, uma sede de domínio, o sábio quer dobrar o mundo, mas sua vontade é fraca e ele terminado curvando-se ao seu conhecimento (veja melhor aqui). Não há bem e mal que não sejam imutáveis, eles também são uma violência, eles também estão inseridos na cadeia de eventos que faz afundar o barco dos sábios no rio do devir.
Quem tem de ser um criador no bem e no mal: em verdade, tem de ser primeiramente um destruidor e despedaçar valores […] que se despedace tudo o que, de encontro a nossas verdades, possa – despedaçar-se! Ainda há muitas casas por construir!” – Assim Falou Zaratustra, p. 111
Zaratustra fala para além do conhecimento dos sábios, este terminará inevitavelmente naufragando; fala para além do bem e do mal, tábuas da salvação daqueles que temem se afogar quando tudo se partir. Zaratustra se dirige àqueles que querem superar a si próprios, àqueles que constroem sua casa na beira do abismo, que sabem que tudo é uma expressão do mar de forças, dentro e fora do indivíduo. Forças estas que não querem “existir” nem “conservar”, mas dominar, se expandir, dinamizar, crescer, multiplicar, enfim: criar novos valores.


Fonte: Razão Inadequada

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