PICICA: "Os
manifestantes são índios, índios braSileiros (afora alguns hermanos
fronteiriços latino-americanos), índias e índios de várias idades,
famílias de índi@s. Famílias inteiras, tribos, etnias. Do Norte, do
Nordeste, do Centro-Oeste, do Sudeste, do Sul do BraSil. Mas nesta
terça-feira, 15 de abril, não há helicópteros sangrando o céu de
Brasília. Nem robocops nem globocops se interessam por monitorar do alto
a marcha indígena sobre Brasília."
Um rio de urucum flui sobre Brasília
por Pedro Alexandre Sanchez, do Farofafá, com fotos de Jardiel Carvalho, do R.U.A. Foto Coletivo e Mídia NINJA para os Jornalistas Livres
A
passeata transcorre tranquila, 100% pacífica, sem incidentes. Os
manifestantes evoluem pela Esplanada dos Ministérios, em Brasília,
portando cartazes corteses e educados, cantando, dançando, festejando.
Há muitas famílias, famílias inteiras — exceto as crianças, que em sua
maioria ficaram em casa, sem engrossar o contingente de algo entre 1.200
e 1.500 pessoas.
Os
manifestantes são índios, índios braSileiros (afora alguns hermanos
fronteiriços latino-americanos), índias e índios de várias idades,
famílias de índi@s. Famílias inteiras, tribos, etnias. Do Norte, do
Nordeste, do Centro-Oeste, do Sudeste, do Sul do BraSil. Mas nesta
terça-feira, 15 de abril, não há helicópteros sangrando o céu de
Brasília. Nem robocops nem globocops se interessam por monitorar do alto
a marcha indígena sobre Brasília.
A
timidez da mídia tradicional e o sumiço da Rede Globo na cobertura da
11ª edição da Mobilização Nacional Indígena, promovido pela Articulação
dos Povos Indígenas do BraSil (Apib), causam estranheza aos olhos de
quem, como eu, está presente na cena multicolorida. Brasília é uma usina
de imagens feéricas que hoje, somadas às pinturas e vestimentas dos
habitantes originários do país, seriam dignas de um filme em tecnicolor
de Glauber Rocha.
Na tela da bola multicolorida que é a Globo, o teatro coletivo ficaria
um colosso. Mas aquela que se diz a maior rede tradutora do BraZil não
demonstra nutrir qualquer simpatia pelos índios braSileiros.
A
Globo, parece, não está aqui. Ou, se está, não se mostra interessada em
propagandear o caráter pacífico e familiar da festa, menos ainda fazer
carnaval com o farto banquete de imagens oferecido pelo Acampamento
Terra Livre no gramadão em frente ao Congresso Nacional.
Os
três dias que separam o dia de hoje da nova jornada de marchas
reacionárias, no domingo, 12 de abril, guardam a profundidade de um
abismo. Atiram ao chão, por exemplo, a tese do chefão máximo do
~jornalismo~ da Globo, Ali Kamel, autor de um livro de comédias chamado Não Somos Racistas (em referência aos braZileiros, às braSileiras).
Constrastados
os dias 12 e 15, uma entre duas conclusões é inevitável: ou o BraZil é,
sim, um país racista, ou a suposta rede braSileira Globo é que o é. Não
há outra explicação possível para a discrepância chocante entre a
cobertura histérica da mídia ~nacional~ para as manifestações brancas da
direita e o silêncio ensurdecedor diante das coloridas reivindicações
d@s não-branc@s que já moravam no BraSil antes que os homens europeus
aqui chegassem. Não há explicação plausível para o buraco ético que se
abre entre as selfies com policiais militares de domingo e o cerco
militar protetor que abraça, de braços bem fechados, o Supremo Tribunal
Federal de hoje, “contra” os perigos representados pelos índios.
E quais seriam os tais perigos? A líder indígena Sônia Guajajara,
do Maranhão, define três objetivos básicos da mobilização no encontro
de apresentação do acampamento à imprensa (o SBT, a TV Brasil e o UOL
estão presentes; a Globo se faz invisível). Primeiro objetivo: denunciar
a grave situação de ataques sistemáticos aos direitos indígenas.
Segundo objetivo: reafirmar os direitos conquistados pela Constituição
de 1988 (e até hoje não cumpridos). Terceiro objetivo: sensibilizar a
comunidade nacional e internacional para a causa indígena. “Estamos aqui
pela 11ª vez para pintar Brasília de urucum”, resume Sônia.
Representando povos indígenas do Nordeste, de Minas Gerais e dos Espírito, o líder Sarapó Pankararu traz
ao plenário instalado debaixo de uma colorida lona gigante de circo um
dos grandes temas de ataque do momento: a Proposta de Emenda à
Constituição 215. “Manifestamos nosso repúdio à PEC 215, que tira a
responsabilidade de demarcar e homologar terras indígenas do poder
executivo e traz para o legislativo”. Eis aí uma causa que,
diferentemente da sacrossanta ~corrupção~, não sensibiliza (pelo menos
não publicamente) a mídia braZileira. “Nós não vamos deixar essa PEC ser
aprovada”, promete Pankararu, provocando o balançar de chocalhos e os
gritos rituais uníssonos da plenária lotada.
O guarani-kaiowá Anastácio Peralta,
do Mato Grosso do Sul, também concentra na denúncia do horror da PEC
215 a tentativa de sensibilizar os jornalistas convidados ao Acampamento
Terra Livre. “Nós nunca tivemos valor, empatamos o progresso na
mentalidade deles que são colonizadores”, afirma, como se gritasse para
ser ouvido pelo Congresso Nacional. “A mentalidade do colonizador está
até hoje no BraZil. O agronegoçante negoceia nosso país. Não respeita a
Constituição de 1988. A PEC 215 não ofende apenas nós, indígenas. Peço a
todo braSileiro que seja contra a PEC 215 e a favor dos povos
indígenas”. Irmanada com o Congresso Nacional, a Globo, autoproclamado
porta-voz do BraZil, não dá indícios de escutar o clamor do
curumim-BraSil vocalizado pelo líder guarani-kaiowá.
O cacique Romancil Cretã,
do Paraná, toma a fala para criticar frontalmente o preconceito e o
racismo fomentados no Sul do país contra os braSileiros não-brancos. À
sua voz se somará, na caminhada a seguir rumo ao STF, os cartazes que
pedem conjuntamente a devolução de direitos de povos indígenas e
remanescentes quilombolas.
Cretã
coloca no contexto indígena outro tópico do ataque especulativo lderado
no poder legislativo pelo ultra-midiático presidente da Câmara dos
Deputados, Eduardo Cunha:
“O Brasil está terceirizado para a soja. A monocultura terceirizada da
soja só serve para alimentar porcos na Alemanha e gado na Holanda”.
A presidenta Dilma Rousseff não
escapa das críticas, notadamente por parte de lideranças indígenas
femininas que tomam a palavra após a rodada de diálogo com a imprensa.
Como demarcara inicialmente Sônia Guajajara, o Estado braSileiro não
está preparado para enfrentar as questões e necessidades dos primeiros
entre seus braSileiros e braSileiras. Manifestantes que tomam o
microfone sublinham que foi com o voto deles que Dilma subiu pela
segunda vez consecutiva aos palácios localizados atrás da Câmara e do
Senado.
Muito menos está interessada no assunto a mídia que governa a informação no BraZil. O Jornal Nacional da
noite de 15 de abril ignora solenemente o rio de urucum que flui
festivo e musical sobre a esplanada no primeiro dia do Acampamento Terra
Livre.
Nós, #JornalistasLivres que
navegamos no rio-chuva de urucum, convidamos a leitora e o leitor de
informação a vasculhar na manhã do 16 a imprensa braZileira e encontrar,
em suas páginas, uma única entre as tantas falas das lideranças e das
famílias não-brancas que povoaram este texto e povoam a capital
braSileira (ou braZileira?).
Estuprando Jorge Ben e Baby Consuelo,
a fórmula “nenhum dia será dia de índio@” norteia a mídia
não-braSileira na semana que antecede o dia 19 de abril, data de
aniversário do cantor Roberto Carlos, do político Getúlio Vargas e, por convenção, de tod@s @s índi@s que nos chamamos BraSil.
(O jornalista Pedro Alexandre Sanches viaja a Brasília com passagens aéreas oferecidas pelo Greenpeace; as demais despesas foram custeadas pelo próprio bolso.)
Saiba mais sobre os Jornalistas Livres
#JornalistasLivres
em defesa da democracia: cobertura colaborativa; textos e fotos podem
ser reproduzidos, desde de que citada a fonte e a autoria. mais textos e
fotos em facebook.com/jornalistaslivres.
Nenhum comentário:
Postar um comentário