abril 07, 2015

"Amor além da identidade". Por Renan Porto

PICICA: "O primeiro a escrever sobre o conceito de genocídio foi o advogado russo de origem judaica Raphael Lemkin. Em 1944, contexto de ocupação nazista na Europa, foi publicado o seu livro A dominação do Eixo na Europa Ocupada. Lemkin pensava o genocídio relacionado com a ideia de colonização europeia sobre as Américas, em que a identidade do povo oprimido é destruída e a identidade do opressor é imposta. Seu conceito de genocídio é mais amplo do que a ideia de um imediato extermínio de massa e mostra como o genocídio deve ser entendido como a desconstrução dos elementos que constituem a identidade de um povo. Assim podemos entender o genocídio como processo que pode levar uma certa continuidade de ações e não apenas como uma violência imediata contra um povo."

Amor além da identidade

Por Renan Porto, da rede FALE/Uberaba – MG

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O primeiro a escrever sobre o conceito de genocídio foi o advogado russo de origem judaica Raphael Lemkin. Em 1944, contexto de ocupação nazista na Europa, foi publicado o seu livro A dominação do Eixo na Europa Ocupada. Lemkin pensava o genocídio relacionado com a ideia de colonização europeia sobre as Américas, em que a identidade do povo oprimido é destruída e a identidade do opressor é imposta. Seu conceito de genocídio é mais amplo do que a ideia de um imediato extermínio de massa e mostra como o genocídio deve ser entendido como a desconstrução dos elementos que constituem a identidade de um povo. Assim podemos entender o genocídio como processo que pode levar uma certa continuidade de ações e não apenas como uma violência imediata contra um povo.

Essa reflexão nos leva a outra perspectiva sobre o que acontece com a população negra no Brasil, que sempre foi marginalizada e desconsiderada não só pelo Estado, mas também pela própria sociedade. A violência policial nas favelas, como acontece neste momento no Complexo do Alemão no Rio de Janeiro, não pode ser algo analisado isoladamente, pois é um fato recorrente e cotidiano em diversas periferias do Brasil onde são mortos milhares de jovens, majoritariamente negros, e violada a dignidade das populações locais, tudo sob a justificativa retórica da guerra às drogas ou da pacificação. Há também de considerar que mais de 75% da população carcerária brasileira é não-branca, o que mostra a seletividade racial do sistema prisional. Isso mostra um processo de dizimação da população negra, que, além da violência explícita sofrida por parte do estado, é também negada em suas manifestações de identidade cultural e religiosa. Por exemplo, a representação midiática da mulher negra com nariz afilado e cabelo liso mostra, de forma clara, a imposição de uma identidade branca.

Diante disso, a forma como o estado lida com a segurança pública é absurda. Ao contrário de assumir a responsabilidade de acabar com essa violência contínua sobre as populações mais pobres e garantir os seus direitos e as condições para o exercício de sua cidadania, setores conservadores do Congresso Nacional propõem reduzir a maioridade penal, o que possibilita mais encarceramento e punição. Ao invés de investir nas vias de acesso aos direitos negados ao povo negro e pobre, o Estado adota políticas de punição e extermínio, como se a favela e a pobreza fosse uma sujeira a ser varrida cada vez mais para as margens ou uma epidemia a ser dizimada. Eis a pátria educadora.

É preciso entender que o racismo vai além de nossas relações sociais cotidianas e está presente no processo de formação do estado brasileiro, que desde a colonização europeia tem seus aparelhos institucionais sempre ocupados por gente branca, assim, o racismo é algo que atravessa o Estado e influencia as suas políticas públicas de acordo a identidade da supremacia branca ocidental como modelo a ser seguido. E, portanto, a garantia dos direitos da população negra deve passar também pelo reconhecimento do direito dos negros existirem como povo, com sua própria cultura, sua própria forma de ser, e não com a inclusão nos modelos brancos.

Ontem foi páscoa e a memória da ressurreição de Jesus nos preenche e nos enche de esperança. Deixemos que essa memória da vida de Jesus faça florescer em nós o desejo de alteridade para que possamos aprender a ter uma postura não de tolerância, mas, sim, de hospitalidade e acolhimento para com aqueles que são nosso outro e que o Espírito Santo possa nos libertar do impulso colonialista de converter o outro à nossa identidade. Lembremos da parábola do bom samaritano: quem socorreu o homem judeu ferido e jogado à margem não foi um dos que possuíam sua mesma identidade, mas, aquele que para ele era outro.

O verdadeiro amor deve ir além da identidade, pois o meu outro é todo aquele que eu possa ver. E num mundo com tantos que são invisibilizados devemos aprender a ver aqueles que, por terem sido empurrados para as margens das nossas cidades, estão longe de nossa visão. Assim como Jesus fez indo para Galileia, periferia de sua época, possamos também ir ao encontro dos que estão à margem.

Fonte: UniNômade

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