PICICA: "Diferenças culturais e contextuais influem diretamente no significado de ser pai.
Em alguns países os homens passam menos tempo com os filhos, enquanto em
outros contextos homens e mulheres já dividem de forma mais igualitária
o cuidado e as tarefas domésticas.
[...]
Para
Gary Barker, diretor internacional do Promundo e um dos autores do
Relatório Global sobre Paternidade, o desafio anda é um maior
envolvimento dos homens no cuidado (da casa, dos filhos, etc.) e nas
tarefas domésticas, o que só será possível de ser alcançado com mudanças
nas normas sociais (particularmente na forma como meninas e meninos são
educados), em políticas publicas e nas estruturas nos locais de
trabalho. “Precisamos passar a ver o cuidado como sendo uma tarefa nem
masculina nem feminina, que os homens são capazes de fazer. Em termos de
políticas públicas, precisamos de uma licença parental igual para pais e
mães, e de empregadores que vejam homens e mulheres como
trabalhadores/as e como cuidadores/as”."
O cuidado também é masculino
Diferenças culturais e contextuais influem diretamente no significado de ser pai. Em alguns países os homens passam menos tempo com os filhos, enquanto em outros contextos homens e mulheres já dividem de forma mais igualitária o cuidado e as tarefas domésticas. O que é comum no mundo mais industrializado é a entrada massiva das mulheres no mercado de trabalho nos últimos 40-50 anos: hoje elas representam 40% da força de trabalho no mundo. Com uma maior escolarização feminina e a cada vez mais crescente participação das mulheres no mercado de trabalho – embora globalmente elas ainda recebam 24% menos que os homens –, mudanças nas famílias já são perceptíveis em diversas partes do mundo: as brasileiras, por exemplo, estão tendo filhos mais tarde e se tornando chefes de família em mais domicílios no país, segundo dados de relatório sobre gênero divulgado em 2014 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), cuja análise compara dados dos censos de 2000 e 2010. De acordo com o relatório, em 2000 as mulheres comandavam 24,9% dos 44,8 milhões de domicílios brasileiros. Em 2010, essa proporção cresceu para 38,7% dos 57,3 milhões de domicílios – um aumento de 13,7 pontos percentuais. São mulheres que desempenham uma dupla jornada: além de trabalhar fora, ainda são responsáveis pelas atividades domésticas de cuidado com o lar e com os filhos.
A situação brasileira reflete um quadro que ainda se apresenta como desafio em diversas partes do mundo: embora as mulheres representem 40% da mão-de-obra global, elas continuam a realizar de duas a 10 vezes mais tarefas domésticas e de cuidado do que os homens. Ou seja, as mulheres passaram a assumir mais responsabilidades fora de casa (particularmente na força de trabalho), mas os homens não estão entrando no mundo doméstico na mesma velocidade, conforme aponta o Relatório Global sobre Paternidade (Stateoftheworld’sfathers), publicação recém-lançada (originalmente em inglês) pela MenCare, campanha global da organização Promundo pela promoção da equidade de gênero através de um maior envolvimento dos homens nas responsabilidades relativas ao cuidado, à parentalidade, à prevenção da violência doméstica, ao planejamento familiar e à saúde dos filhos.
De acordo com o relatório, aproximadamente 80% dos homens irão se tornar pais biológicos em algum momento de suas vidas, e virtualmente todos os homens têm alguma conexão com crianças – como parentes, professores, treinadores ou mesmo vizinhos. Sejam eles pais biológicos, padrastos, pais adotivos, irmãos, tios ou avôs; ou vivam eles com seus filhos e filhas ou não, a participação masculina nas tarefas do cuidado diário tem uma forte influência na vida das crianças, das mulheres e no mundo à sua volta, aponta o estudo da MenCare.
Alguns achados do relatório: filhas cuja criação os pais dividem igualitariamente têm maior probabilidade de aspirar posições menos tradicionais no mercado de trabalho e se engajarem em empregos com maiores salários; homens que cresceram vendo seus pais engajados no trabalho doméstico tendem a se envolver, quando adultos, nas tarefas da casa e do cuidado.
No entanto, a participação masculina no cuidado e no trabalho doméstico não tem acompanhado a crescente participação feminina no trabalho fora de casa. O relatório do Promundo cita, por exemplo, um estudo sobre tendências da participação dos homens entre 1965 e 2003 em 20 países, que mostra um aumento médio de seis horas semanais na contribuição de homens casados e empregados no trabalho de casa e no cuidado com os filhos. Ainda assim, a contribuição masculina não excedeu os 37% de contribuição feminina nessas tarefas naqueles mesmos países, salienta o relatório.
Entretanto, ainda de acordo com o Relatório Global sobre Paternidade, a situação se perpetua a despeito da vontade dos homens: muitos pais ao redor do mundo afirmam querer passar mais tempo com seus filhos. Dados da InternationalMenand GenderEqualitySurvey (IMAGES) mostram que a maioria dos pais (variando de 61% na Croácia a 77% no Chile) reportam que trabalhariam menos fora de casa se isto significasse poder passar mais tempo com seus filhos. Em outro estudo citado pelo relatório da MenCare, 46% dos pais norte-americanos afirmam que não passam tempo suficiente com seus filhos, contra 23% das mães entrevistadas.
Para Gary Barker, diretor internacional do Promundo e um dos autores do Relatório Global sobre Paternidade, o desafio anda é um maior envolvimento dos homens no cuidado (da casa, dos filhos, etc.) e nas tarefas domésticas, o que só será possível de ser alcançado com mudanças nas normas sociais (particularmente na forma como meninas e meninos são educados), em políticas publicas e nas estruturas nos locais de trabalho. “Precisamos passar a ver o cuidado como sendo uma tarefa nem masculina nem feminina, que os homens são capazes de fazer. Em termos de políticas públicas, precisamos de uma licença parental igual para pais e mães, e de empregadores que vejam homens e mulheres como trabalhadores/as e como cuidadores/as”.
Enquanto a licença maternidade é oferecida em quase todos os países, apenas 92 oferecem a licença paternidade; na metade desses países, a licença é de menos de três semanas. Com relação a essas políticas, as legislações mais avançadas são as escandinavas e a canadense, que reservam tempo para o homem e para a mulher (ou para ambos, em caso de casal homossexual). Cada um tem sua cota de uma licença parental que nãoé transferível, éremunerada e tem duração de até um ano. O casal pode ter seis meses de licença cada um. E podem usar esse tempo até que o filho tenha oito anos de idade (12 em alguns países).
“A licença para os pais é um passo vital no sentido do reconhecimento da importância da divisão no cuidado com a criança e da igualdade de gênero em casa, no trabalho e na sociedade como um todo. No Reino Unido, os pais que tiraram licença participaram mais na alimentação das crianças e acordaram com os bebês à noite até doze meses mais tarde, quando comparados com os pais que não a tiraram. Além disso, a licença paternidade também parece levar a uma melhora na saúde materna – incluindo a saúde mental – e a reduzir o stress parental”, avalia Gary Barker.
Para ele, embora os homens tenham começado a fazer mais tarefas em alguns países, a mudança ainda é lenta. “No Brasil, vimos que de 2000 a 2010, as mulheres com filhos reduziram de 23 horas semanais em média para 20 horas em tarefas domésticas e no cuidado coma família.Os homens aumentaram de 10 horas para 10 horas e 8 minutos em média. Ou seja, a esta velocidade de mudança, levaríamos mais de 50 anos para chegar à equidade na divisão sexual do trabalho doméstico”, revela o pesquisador.
O relatório também observa que a participação e o suporte dos homens também são vitais para que todos os filhos sejam desejados pelo casal. “No mundo inteiro, as mulheres continuam sendo as maiores responsáveis pelo uso de métodos contraceptivos, ou seja, ainda recai sobre elas a responsabilidade reprodutiva: 75% dos métodos atualmente em uso são utilizados pelas mulheres. A concepção acontece nos corpos das mulheres, mas precisamos conversar muito mais sobre o papel dos homens nesse processo, envolvê-los mais sem nunca tirar o poder da mulher sobre seu próprio corpo e suas decisões”, afirma o diretor da Promundo.
O relatório mostra ainda como o envolvimento e o apoio de pais antes, durante e depois do parto tem efeitos positivos na saúde materna. Em países de baixa e média renda, a presença dos homens nas consultas pré-natais varia significativamente – de 18% no Burundi a 96% nas Maldivas. Para os autores, a promoção do envolvimento dos pais deve também incluir esforços para interromper os ciclos de violência: aproximadamente uma e cada três mulheres é vítima de violência por parte de seu parceiro, e três quartos das crianças entre dois e 14 anos de países de baixa e média renda experimentam alguma forma de violência disciplinar em casa. Estas violências coexistem:. O relatório chama a atenção que entre 45% e 70% das crianças cujas mães foram vítimas de violência doméstica, também experimentarão violência física.
“Pesquisas confirmam que alguns tipos de violência – particularmente a violência de homens contra as parceiras mulheres – são frequentemente transmitidos de uma geração para outra. Dados de oito países demonstram que homens que, quando crianças, viram suas mães serem agredidas por seus parceiros têm aproximadamente 2,5 vezes mais propensão de usar de violência contra suas parceiras quando adultos. Uma divisão de trabalho e cuidado mais igualitária está associada com índices menores de violência. Um estudo norueguês mostra que a violência contra crianças – perpetrada por mães e pais – acontecia em lares onde a divisão do trabalho era menos igualitária”, salienta Barker.
Para o pesquisador, a importância do Relatório Global sobre Paternidade se deve ao fato de ser esta a primeira vez que o tema é tratado como sendo de relevância global, para se alcançar a equidade de gênero eum maior bem-estar das crianças. “É uma tentativa de introduzir na agenda global a necessidade dos homens realizarem 50% das tarefas de cuidado, tradicionalmente uma responsabilidade que sempre recaiu sobre as mulheres. É a primeira vez que a ONU e tantas ONGs internacionais unem esforços para dizer que precisamos pensar o cuidado como também sendo masculino. Que os homens também devem cuidar, podem cuidar e precisam de apoio – como as mulheres e mães precisam – para cuidar”, conclui.
Clique aqui para ler o relatório. (Texto em inglês)
Publicada em: 30/07/2015
Fonte: CLAM
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