PICICA: "Enriquecer é glorioso — eis a frase que
explica, e determina, o espírito da China atual. Ela foi dita por Deng
Xiaoping o refundador da China comunista, alguém cuja influência prática
já se emparelha à obra do fundador do país, Mao Tsé-Tung. Foram as
políticas de Deng, que levaram a China a ser para o mundo de hoje aquilo
que representou o ABC paulista para o Brasil pós-Juscelino e da
Ditadura Militar: um gigantesco chão de fábrica, com direito a tudo de
vida, violência e fúria que isso significa.
Contudo, neste exato instante, a engenhosa construção política e econômica de Deng, que levou a China ao posto de maior economia nacional do mundo em números reais , está em xeque. A Bolsa de Xangai está a desabar terrivelmente,
levantando seríssimas dúvidas sobre o modelo chinês. Não é pouco, nem
irrelevante seja pelo tamanho da China, mas por sua posição estratégica,
do ponto de vista político e socioeconômico, que não é nada de se
desprezar."
China: Enriquecer é Doloroso
Por Hugo Albuquerque
(conheça aqui nosso time de colunistas)
Enriquecer é glorioso — eis a frase que
explica, e determina, o espírito da China atual. Ela foi dita por Deng
Xiaoping o refundador da China comunista, alguém cuja influência prática
já se emparelha à obra do fundador do país, Mao Tsé-Tung. Foram as
políticas de Deng, que levaram a China a ser para o mundo de hoje aquilo
que representou o ABC paulista para o Brasil pós-Juscelino e da
Ditadura Militar: um gigantesco chão de fábrica, com direito a tudo de
vida, violência e fúria que isso significa.
Contudo, neste exato instante, a engenhosa construção política e econômica de Deng, que levou a China ao posto de maior economia nacional do mundo em números reais , está em xeque. A Bolsa de Xangai está a desabar terrivelmente,
levantando seríssimas dúvidas sobre o modelo chinês. Não é pouco, nem
irrelevante seja pelo tamanho da China, mas por sua posição estratégica,
do ponto de vista político e socioeconômico, que não é nada de se
desprezar.
A glória do enriquecimento de Deng, sob a
sombra da bandeira vermelha, esconde o fato de que a partir dos anos
80, do ponto de vista socioeconômico, a China se prestou a ser o tapete
para baixo do qual o mundo capitalista varria sua sujeira. Ao prometer
que o Ocidente teria os mais disciplinados operários fabris à sua
disposição (e cumprir!), Pequim ajudou o neoliberalismo a se viabilizar
por meio da realização da fantasia capitalista, a qual se baseia no mito
da evolução tecnológica e da sucessão de etapas.
Ocorre que o capitalismo não funciona
pela sucessão de etapas, mas sim pela sobreposição destas. Logo, os
governos ocidentais estavam livres do risco de gerir o inferno fabril, a
realidade sindical, greves e afins. A camada fabril foi exportada para o
Oriente.
Ao proletarizar como operários fabris do
século XIX os seus camponeses famélicos, o regime chinês se prestou a
ser a exportadora global de bens industrializados: sem precisar
construir um mercado interno próprio, os novos mandarins enfrentaram
menos cobranças e pressões que seus congêneres ricos no pós-guerra: se
quem produz não consome, não testemunha o consumo e não tem sequer tempo
para fazer nada disso, significa que esse alguém dificilmente terá
ideia do quanto é explorado.
Tudo parecia um jogo de contentes até
2008, quando as economias destino da China entram em colapso. A
tentativa contornar isso por meio da realização de grandes obras, a
piori deram algum rumo para o aço e os insumos encalhados. Mas isso
chegou ao limite. Seja porque a infraestrutura necessária já foi
construída ou, também, porque as metrópoles fantasma construídas no período se tornam, rapidamente, um problema econômico.
O New Deal que os burocratas de Pequim
praticaram careceu, portanto, do essencial: distribuição de salários e
renda — e poder político. Menos produção e mais consumo. O que se viu
foi a continuidade do processo que conduziu a China, enriquecendo à la
Deng, a ter, em trinta anos, uma desigualdade social latino-americana. É preciso voltar a ler Marx.
Fonte: BRASIL EM 5
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