PICICA: "Novos dados da ONU que apontam o
Brasil como Campeão Mundial de Homicídios corroboram pesquisa do próprio
Ministério da Justiça: entre 1998 e 2008 mais de 520 mil pessoas
assassinadas no país."
Crimes de Maio e a Democracia das Chacinas – Parte 1: mapa da violência no Brasil
2 de novembro de 2011
Novos dados da ONU que apontam o
Brasil como Campeão Mundial de Homicídios corroboram pesquisa do próprio
Ministério da Justiça: entre 1998 e 2008 mais de 520 mil pessoas
assassinadas no país. Por Mães de Maio
Leia aqui a 2ª parte deste artigo.
“Pra quem vive na Guerra, a Paz nunca existiu!”
Racionais MCs
Racionais MCs
Campeão mundial de homicídios
Não é apenas de Pan-Americanos, Copas do
Mundo ou de Índices Econômicos e Financeiros que se compõe atualmente
nosso quadro de medalhas. No momento em que somos convidad@s a escrever
este texto [1], em outubro de 2011, o Brasil se consagra mais uma vez, oficialmente, Campeão Mundial na ocorrência de… Homicídios.
Pois é, o recém-lançado “Estudo Global sobre Homicídios – 2011”, realizado pelo Departamento de Drogas e Crimes da ONU (UNODC)
confirma que, dentre as 207 nações pesquisadas, o país apresenta o
maior número absoluto de homicídios anuais: 43.909, em 2009. Isso tudo a
despeito do esforço gigantesco, comprovado em vários estados
brasileiros nos últimos tempos, de se forjar ou se
maquiar as estatísticas de homicídios demarcando-os como “mortes por
causas indeterminadas”, como por exemplo acaba de ser noticiado sobre o
estado do Rio de Janeiro e também sobre o estado de São Paulo.
Mesmo com estas maquiagens todas, e
ainda que o Brasil represente apenas a quinta maior população do mundo,
sagrou-se de novo Campeão Mundial de Homicídios. Sendo que o segundo
país com mais homicídios num ano, de acordo com o estudo, é a Índia, com
40.752 mortes em 2009. A população total indiana, porém, é quase 6
vezes maior que a brasileira… E a China, país mais populoso com cerca de
7 vezes o número de habitantes do Brasil, teve 3 vezes menos
assassinatos: 14.811 homicídios em 2008 (ou seja, uma Taxa de Homicídios
21 vezes menor que a brasileira!).
No ranking de todos os 207 países verificados, quando considerada a Taxa de Homicídios por cada 100 mil habitantes, a
tão festejada neopotência Brasil – rumo a se consagrar a quinta maior
economia do mundo – aparece na pouquíssima honrosa 184º pior posição
global, com uma taxa de 22,7 mortos intencionalmente a cada 100 mil
brasileir@s. Vale registrar ainda que o país com índice mais alto é
Honduras, com taxa de 82,1 homicídios por ano a cada 100 mil/hab. Em
seguida aparecem El Salvador (com taxa de 66) e Costa do Marfim (56,9),
sendo que praticamente todos os demais à frente do Brasil vivenciam, há
anos, um contexto social de guerra explícita ou simplesmente
não-declarada.
Mapa da violência no Brasil: uma história de massacres
Esses recentes dados levantados pela
ONU, embora quase não noticiados por aqui, confirmam um cenário que já
vinha sendo denunciado por muitos coletivos e especialistas nos últimos
tempos, e até admitido à boca pequena pelo próprio Governo Federal no
início deste ano: entre 1998 e 2008, mais de 520 mil pessoas foram assassinadas no Brasil! Uma média de cerca de 47.360 homicídios por ano!
Tais informações referentes ao quadro brasileiro de violência letal,
baseadas naquilo que as estatísticas conseguem alcançar da realidade, e
outras relacionadas ao mesmo tema, estão no “Mapa
da Violência 2011”, um estudo nacional publicado no dia 25 de fevereiro
de 2011 pelo Ministério da Justiça, com base numa pesquisa em todo
território brasileiro coordenada pelo Prof. Julio Jacobo Waiselfisz.
Importante registrar aqui o recorte
racial que tem essa violência de classe, em especial aquela dos agentes
de estado contra a juventude pobre e negra do país. Em cada três
assassinatos, ao longo deste decênio de 1998 a 2008, dois foram
assassinatos de negr@s, sendo a esmagadora maioria de jovens pobres do
sexo masculino, entre 15 e 24 anos. Aquilo que nós, dos movimentos sociais, temos denunciado como o Genocídio da Juventude Pobre e Negra do país,
como se vê, não é apenas mais uma bandeira de luta para agitação
política – mas um quadro real mais do que comprovado. Em 2008 morreram
103% mais negros que brancos, afirma o mesmo estudo. Dez anos antes, em
1998, essa diferença já existia, mas era de 20% – o quê é bastante
revelador da persistente seletividade racial que tem a violência no
país. Os números mostram ainda que, enquanto os assassinatos de
branc@s vêm caindo, os de negr@s continuam a subir. De 2005 para 2008
houve uma queda de 22,7% nos homicídios de pessoas brancas; entre os
negros, as taxas subiram 12,1%.
A Democracia das Chacinas
Tal cenário catastrófico desses últimos
dez anos, infelizmente, não é algo extraordinário, como uma névoa de
guerra em passagem, ou qualquer exceção meio a uma suposta normalidade
histórica distinta. Trata-se, ao contrário, de uma das características
constitutivas de nossa sociedade desde o genocídio dos povos
originários, o tráfico negreiro e a escravidão massiva que marcaram
nossa colonização. Uma característica estruturante de nossa sociedade,
que não fora superada – apenas repaginada de tempos em tempos – com a
dita Independência e, depois, o advento da República e da (falsa)
“Abolição”. Nem mesmo recentemente, com a transição para a celebrada
Democracia no final do século XX: um Estado Penal e Punitivo
perpetuado ao logo de todos esses anos, cujas elites civis e militares
que o controlam negam o Direito à Memória, à Verdade e à Justiça frente a
todos os seus atos do passado e do presente. Queimam corpos e toda
sua história, muitas vezes literalmente… Um enorme aparato repressivo
que insiste em ter nos agentes policiais e paramilitares os principais
protagonistas impunes dessa violência extra-legal, exacerbada e continuada, contra os inimigos internos definidos pelos donos do poder de turno. Seus inimigos de classe e de raça.
Conforme já pudemos gritar em tantos outros momentos (como em nosso livro “Mães de Maio – do Luto à Luta” – Nós por Nós, São Paulo, 2011),
não é por outra razão que noss@s companheir@s da Rede de Comunidades e
Movimentos Contra Violência do Rio de Janeiro batizaram o período
democrático que passamos a viver, depois da promulgação da Constituição
Federal de 1988, de “A Era das Chacinas”, o nome mais apropriado para a fase atual dessa longa História de Massacres que nos conforma.
Afinal, na sequência da tão alardeada “abertura democrática” e a
promulgação da dita “Constituição Cidadã”, menos de dois anos depois, a
Chacina de Acari anunciaria o quê nos esperava pela frente…
E, de lá pra cá, uma sucessão de
chacinas e massacres concentrados de trabalhadores pobres, pretos e
periféricos ressurge constantemente, como que traçando nós e borrões na
já altíssima, fria e constante curva das estatísticas de homicídios
cotidianos no Brasil. Taxas que, como vimos, permanecem incólumes dentre
as maiores do mundo… E assim se sucederam à emblemática Chacina de
Acari (1990), a de Matupá (1991), o Massacre do Carandiru (1992), da
Candelária e de Vigário Geral (1993), do Alto da Bondade (1994), de
Corumbiara (1995), de Eldorado dos Carajás (1996), de São Gonçalo
(1997), de Alhandra e do Maracanã (1998), da Cavalaria e da Vila
Prudente (1999), de Jacareí (2000), de Caraguatatuba (2001), do Jd.
Presidente Dutra e de Urso Branco (2002), do Amarelinho, Via Show, e do
Borel (2003), do Caju, da Praça da Sé e de Felisburgo (2004), a Chacina
da Baixada Fluminense (2005), os Crimes de Maio (2006), do Complexo do
Alemão (2007), do Morro da Providência (2008), de Canabrava (2009), a
Chacina de Vitória da Conquista e os Crimes de Abril na Baixada Santista
(2010), a Chacina da Praia Grande (2011)…
NOTAS
[1] Este artigo foi
escrito coletivamente por integrantes das Mães de Maio, com apoio de
companheiros da Justiça Global e da Clínica Internacional de Direitos
Humanos da Universidade de Harvard, a quem agradecemos.
ESTUDOS, LIVROS E OUTROS ARTIGOS DE REFERÊNCIA
Dados Recentes sobre Homicídios no Brasil
Dados Recentes sobre Violência Policial e Carcerária em São Paulo
• “Favela atrás das grades – São Paulo e
suas redes penitenciárias”, artigo de Rafael Godói publicado no final
de 2010 no sítio Desinformemonos (http://desinformemonos.org/2010/10/a-favela-atras-das-grades/)
Sobre os Crimes de Maio de 2006 e temas relacionados
• “Barbárie e Direitos Humanos: as
Execuções Sumárias e Desaparecimentos Forçados de Maio de 2006 em São
Paulo”, dissertação de mestrado defendida em Out/2011 na PUC-SP por
Francilene Gomes Fernandes, irmã de Paulo Alexandre Gomes, um dos
desaparecidos de Maio de 2006
• “Crimes de Maio de 2006: quem pagará
por isso?”, Série Especial de Reportagens feita por Renato Santana, do
jornal A Tribuna da Baixada Santista, publicada em Maio de 2010 (http://www.torturanuncamais-sp.org/site/index.php/saiu-na-imprensa/219-crimes-de-maio-a-tribuna-; http://www.slideshare.net/LuisNassif/crimes-de-maio)
• “Violência
estatal contra a juventude pobre, em sua maioria negra: os crimes de
maio/2006 em São Paulo e o histórico genocida de execuções sumárias, o
sistema prisional paulista, a violência institucional e a morte de
jovens na Fundação Casa”, sistematização da 3a sessão de instrução
do “Tribunal Popular: o Estado Brasileiro no Banco dos Réus”, atividade
realizada em Dezembro de 2008, na Faculdade de Direito da USP, em São
Paulo-SP.
• “Estado Autoritário e Violência Institucional”, artigo de Ângela Mendes de Almeida publicado em Set/2007 (http://www.ovp-sp.org/debate_teorico/debate_amendes_almeida.pdf). A companheira Ângela também é coordenadora do Observatório de Violência Policiais de São Paulo (http://www.ovp-sp.org),
uma importantíssima fonte de informações sobre a atuação violenta da
polícia em todo o estado, e também sobre os Crimes de Maio de 2006.
• “Duas vezes pânico na cidade”, de Paulo Arantes (http://www.ovp-sp.org/artg_pauloarantes.pdf )
• “Estão escondendo os corpos porque é tudo execução”, entrevista de Ferréz à Carta Maior em Maio/06 (http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=11191 )
• “Os ataques do PCC – Consequências
contemporâneas da exclusão social no Brasil”, breve análise inserida por
Felipe C. no CMI, em junho de 2006 (http://www.midiaindependente.org/pt/blue/2006/06/355812.shtml)
• “A matança dos suspeitos”, artigo de Maria Rita Kehl publicado em Maio/2006 pela Carta Maior (http://www.cartamaior.com.br/templates/colunaMostrar.cfm?coluna_id=3199)
• “20 Anos do Caso Acari: Não ao
Esquecimento, Sim à Justiça!”, da Rede de Comunidades e Movimentos
Contra Violência do Rio de Janeiro, que trás a discussão sobre a “Era
das Chacinas” (http://www.redecontraviolencia.org/Atividades/612.html)
• “Grupos de Extermínio matam com a
certeza de impunidade”, matéria de Tatiana Merlino publicada na Revista
Caros Amigos em Junho de 2010, sobre os Crimes de Abril de 2010 na
Baixada Santista (http://maesdemaio.blogspot.com/2010/07/reportagem-da-revista-caros-amigos.html)
• “Madres de Mayo: La difícil
democratización del estado genocida en Brasil”, artigo escrito pelo
jornalista uruguaio Raul Zibechi em Abril de 2010 (versão em espanhol e versão em português)
Fonte: PASSA PALAVRA
Nenhum comentário:
Postar um comentário