PICICA: " (...) é da
nossa natureza não ter qualquer “natureza” nos impondo ser
necessariamente assim ou assado. A isto, Sarte chamou de liberdade. Ele
diz que o ente humano está condenado à liberdade, na sua célebre frase,
tipo pára-choque de caminhão.
Existência quer dizer exatamente isto: ausência de qualquer determinação em última instância, o estar sempre lançado num terreno de múltiplas possibilidades. É do nosso ser não ser isto ou aquilo, naturalmente, essencialmente, mas ter que ser a partir de possibilidades, de escolhas e decisões, descrevendo um caminho no tempo como história.
Reside aí a dor e a delícia de sermos o que somos."
Existência quer dizer exatamente isto: ausência de qualquer determinação em última instância, o estar sempre lançado num terreno de múltiplas possibilidades. É do nosso ser não ser isto ou aquilo, naturalmente, essencialmente, mas ter que ser a partir de possibilidades, de escolhas e decisões, descrevendo um caminho no tempo como história.
Reside aí a dor e a delícia de sermos o que somos."
PARA MEDITAÇÃO LENTA DOS MEUS ALUNOS
Ocorreu-me o seguinte a cerca da filosofia e de sua opacidade.
Filosofia é uma indagação sobre o Ser. É assim por ter as suas raízes fincadas na essência mesma do ente humano.
Em outras palavras: há filosofia porque há este ente cuja essência consiste em existir.
Filosofia é uma indagação sobre o Ser por ser a existência a essência do ente humano.
Por sermos estes entes sempre já lançados na existência, deve-se a isto o fato de alguns de nós terem se ocupado de filosofia no passado. E de continuarem a fazê-lo no presente.
Na prática, na lida cotidiana, nós estamos sempre envoltos pela questão do Ser. Mesmo por que não poderíamos não estar envoltos por esta questão, tendo em vista sermos o que somos.
A existência nos é dada à nossa revelia...
A filosofia toma esta prática, esta lida, a sério, já na compreensão da precariedade desta prática e desta lida acaso estejam assentadas apenas nelas mesmas, como soe acontecer.
Se a filosofia encontra-se imbricada na essência mesma do que somos, por que razão as questões que ela levanta e aborda não são, em geral, evidentes, em sua pertinência e relevância, para a imensa maioria das pessoas?
Porque a filosofia é esotérica? Porque as pessoas são ignorantes?
A resposta encontra-se na própria pergunta: as questões da filosofia não são evidentes pelo fato mesmo de ela estar diretamente imbricada na essência do que somos.
Filosofia é uma indagação sobre o Ser não por ter ela frivolamente decidido por tal ocupação. Ela é uma indagação sobre o Ser por nós já sempre estarmos lançados no Ser, já que somos, essencialmente, existência.
E por sermos sempre e já lançados na existência, a questão do Ser não se apresenta, em sua pertinência e relevância, como evidente.
Por quê?
Bem...
ADENDO: resposta a uma "provocação" de um amigo
Falo “ente humano” para não incorrer em imprecisão de falar do ser do “ser humano”, já que a primeira palavra “ser” tem sentido distinto do da segunda. A primeira tem sentido de essência, a segunda de algo específico, isto é, de um “ente”, de uma realidade, de uma “coisa”. Não falo também de “homem” como sinônimo de ente humano por razões óbvias de gênero.
Portanto, falar da essência do ser humano é redundância, falar da essência do homem é machismo. Daí a razão de falar da essência do “ente humano”, do ser do “ente humano”.
Isto por que, para nós, os humanos, indagar sobre o nosso ser, isto é, sobre o que somos essencialmente, sobre no que reside a nossa singularidade frente a todos os demais entes, nos é fundamental e imperioso. Isto é, perguntar sobre a nossa essência (sobre o ser do ente que somos) nos é essencial.
Neste particular, eu me filio àquela corrente filosófica (existencialista) que diz ser a existência a nossa essência. Em outras palavras: a existência é o ser do ente humano, é o que nos distingue dos demais entes.
Cabe lembrar que, tecnicamente, existir é distinto de haver. Existir é um caso particular do haver. Nem tudo que há, existe. Mas tudo que existe, há. Existir é um modo particular de haver.
A existência é o ser (a essência) do ente humano: esta é uma definição, digamos assim, formal e não conteudista. Fala da forma, do modo de haver próprio ao ente humano, não do seu conteúdo, qualquer que seja ele, bondade, maldade etc.
Quando Hobbes diz que o ente humano é o lobo do homem, ele está atribuindo um conteúdo (a maldade) à nossa essência.
Quando Rousseau diz que é a cultura o que deforma o ente humano, ele, igualmente está atribuindo um conteúdo (a bondade) à nossa essência.
A visão existencialista rejeita estes conteúdos com caráter essencial. Esta corrente filosófica supõe que, por exemplo, a maldade e a bondade são sempre possibilidades humanas. E isto (isto é, estar sempre diante de possibilidades, nunca previamente determinadas por qualquer “natureza humana”) nós é essencial, por nos ser distintivo.
Portanto, é da nossa natureza não ter qualquer “natureza” nos impondo ser necessariamente assim ou assado. A isto, Sarte chamou de liberdade. Ele diz que o ente humano está condenado à liberdade, na sua célebre frase, tipo pára-choque de caminhão.
Existência quer dizer exatamente isto: ausência de qualquer determinação em última instância, o estar sempre lançado num terreno de múltiplas possibilidades. É do nosso ser não ser isto ou aquilo, naturalmente, essencialmente, mas ter que ser a partir de possibilidades, de escolhas e decisões, descrevendo um caminho no tempo como história.
Reside aí a dor e a delícia de sermos o que somos.
Possibilidades: é isto que, em última instância, nos distingue no reino vivo. As plantas e os animais têm o seu agir determinado pela natureza inscrita em seus corpos. Nós não.
Eles têm história natural, nós temos história humana, que é coisa totalmente diversa.
É por isto que a questão do Ser, isto é, a pergunta pelo que ser do real, pela sua consistência, espessura, passado e devir, nós é constitutiva.
Real, o que é isto?
De início, e para simplificar, digo que o real é o que no interior do qual estamos imersos, o que com o qual, portanto, necessariamente temos que lidar.
Quando alguém diz que o ser humano é isto ou aquilo (bom, mal, generoso, mesquinho etc...), eu digo que isto tudo são possibilidades sempre inscritas no nosso horizonte, mas que não há nada em nós que nos imponha cabalmente uma direção ou outra.
Daí a imagem que eu usei do espelho...
Quando alguém diz que o ser do ente humano é isto ou aquilo, em geral ele está vendo, e isolando, um aspecto da sua própria grandeza ou miséria. E, arbitrariamente, generaliza.
Grande abraço.
Fonte: Luiz Oliveira E Silva
Ocorreu-me o seguinte a cerca da filosofia e de sua opacidade.
Filosofia é uma indagação sobre o Ser. É assim por ter as suas raízes fincadas na essência mesma do ente humano.
Em outras palavras: há filosofia porque há este ente cuja essência consiste em existir.
Filosofia é uma indagação sobre o Ser por ser a existência a essência do ente humano.
Por sermos estes entes sempre já lançados na existência, deve-se a isto o fato de alguns de nós terem se ocupado de filosofia no passado. E de continuarem a fazê-lo no presente.
Na prática, na lida cotidiana, nós estamos sempre envoltos pela questão do Ser. Mesmo por que não poderíamos não estar envoltos por esta questão, tendo em vista sermos o que somos.
A existência nos é dada à nossa revelia...
A filosofia toma esta prática, esta lida, a sério, já na compreensão da precariedade desta prática e desta lida acaso estejam assentadas apenas nelas mesmas, como soe acontecer.
Se a filosofia encontra-se imbricada na essência mesma do que somos, por que razão as questões que ela levanta e aborda não são, em geral, evidentes, em sua pertinência e relevância, para a imensa maioria das pessoas?
Porque a filosofia é esotérica? Porque as pessoas são ignorantes?
A resposta encontra-se na própria pergunta: as questões da filosofia não são evidentes pelo fato mesmo de ela estar diretamente imbricada na essência do que somos.
Filosofia é uma indagação sobre o Ser não por ter ela frivolamente decidido por tal ocupação. Ela é uma indagação sobre o Ser por nós já sempre estarmos lançados no Ser, já que somos, essencialmente, existência.
E por sermos sempre e já lançados na existência, a questão do Ser não se apresenta, em sua pertinência e relevância, como evidente.
Por quê?
Bem...
ADENDO: resposta a uma "provocação" de um amigo
Falo “ente humano” para não incorrer em imprecisão de falar do ser do “ser humano”, já que a primeira palavra “ser” tem sentido distinto do da segunda. A primeira tem sentido de essência, a segunda de algo específico, isto é, de um “ente”, de uma realidade, de uma “coisa”. Não falo também de “homem” como sinônimo de ente humano por razões óbvias de gênero.
Portanto, falar da essência do ser humano é redundância, falar da essência do homem é machismo. Daí a razão de falar da essência do “ente humano”, do ser do “ente humano”.
Isto por que, para nós, os humanos, indagar sobre o nosso ser, isto é, sobre o que somos essencialmente, sobre no que reside a nossa singularidade frente a todos os demais entes, nos é fundamental e imperioso. Isto é, perguntar sobre a nossa essência (sobre o ser do ente que somos) nos é essencial.
Neste particular, eu me filio àquela corrente filosófica (existencialista) que diz ser a existência a nossa essência. Em outras palavras: a existência é o ser do ente humano, é o que nos distingue dos demais entes.
Cabe lembrar que, tecnicamente, existir é distinto de haver. Existir é um caso particular do haver. Nem tudo que há, existe. Mas tudo que existe, há. Existir é um modo particular de haver.
A existência é o ser (a essência) do ente humano: esta é uma definição, digamos assim, formal e não conteudista. Fala da forma, do modo de haver próprio ao ente humano, não do seu conteúdo, qualquer que seja ele, bondade, maldade etc.
Quando Hobbes diz que o ente humano é o lobo do homem, ele está atribuindo um conteúdo (a maldade) à nossa essência.
Quando Rousseau diz que é a cultura o que deforma o ente humano, ele, igualmente está atribuindo um conteúdo (a bondade) à nossa essência.
A visão existencialista rejeita estes conteúdos com caráter essencial. Esta corrente filosófica supõe que, por exemplo, a maldade e a bondade são sempre possibilidades humanas. E isto (isto é, estar sempre diante de possibilidades, nunca previamente determinadas por qualquer “natureza humana”) nós é essencial, por nos ser distintivo.
Portanto, é da nossa natureza não ter qualquer “natureza” nos impondo ser necessariamente assim ou assado. A isto, Sarte chamou de liberdade. Ele diz que o ente humano está condenado à liberdade, na sua célebre frase, tipo pára-choque de caminhão.
Existência quer dizer exatamente isto: ausência de qualquer determinação em última instância, o estar sempre lançado num terreno de múltiplas possibilidades. É do nosso ser não ser isto ou aquilo, naturalmente, essencialmente, mas ter que ser a partir de possibilidades, de escolhas e decisões, descrevendo um caminho no tempo como história.
Reside aí a dor e a delícia de sermos o que somos.
Possibilidades: é isto que, em última instância, nos distingue no reino vivo. As plantas e os animais têm o seu agir determinado pela natureza inscrita em seus corpos. Nós não.
Eles têm história natural, nós temos história humana, que é coisa totalmente diversa.
É por isto que a questão do Ser, isto é, a pergunta pelo que ser do real, pela sua consistência, espessura, passado e devir, nós é constitutiva.
Real, o que é isto?
De início, e para simplificar, digo que o real é o que no interior do qual estamos imersos, o que com o qual, portanto, necessariamente temos que lidar.
Quando alguém diz que o ser humano é isto ou aquilo (bom, mal, generoso, mesquinho etc...), eu digo que isto tudo são possibilidades sempre inscritas no nosso horizonte, mas que não há nada em nós que nos imponha cabalmente uma direção ou outra.
Daí a imagem que eu usei do espelho...
Quando alguém diz que o ser do ente humano é isto ou aquilo, em geral ele está vendo, e isolando, um aspecto da sua própria grandeza ou miséria. E, arbitrariamente, generaliza.
Grande abraço.
Fonte: Luiz Oliveira E Silva
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