PICICA: "É preciso que a gente conte e reconte os fatos que levam à
corrupção e à violência na Amazônia, talvez um dia se afaste o poder
que os cria e mantém."
MEIO AMBIENTE E GRILAGEM DE TERRAS NA AMAZÔNIA, por Egydio Schwade
Foto: Clovis Miranda / A Crítica
É preciso que a gente conte e reconte os fatos que levam à corrupção e à violência na Amazônia, talvez um dia se afaste o poder que os cria e mantém.
Em 1967 a Ditadura Militar criou a Lei dos Incentivos Fiscais. Como consequência, formaram-se grupos de pessoas especializadas em grilagem de terras da Região Amazônica. Sobrevoavam vastas regiões, geralmente terras indígenas e as “demarcavam” em lotes de 3.000 há. Era o máximo que uma firma ou indivíduo podia se reservar, por lei, para aplicar os impostos que devia ao povo brasileiro. Foi assim que surgiu a chamada “grilagem paulista”, porque em boa parte os beneficiários eram industriais ou comerciantes sulistas, em sua maioria paulistas, interessados em sonegar os impostos. De fato mais de 90% sequer chegou a visitar o seu lote. Só neste Município de Presidente Figueiredo, onde resido, o Governo do Estado registrou em 1971, 266 lotes de 3.000 ha. cada, para “paulistas”.
Sobre um destes lotes formou-se, em 1999 uma comunidade denominada Terra Santa, na altura do KM. 152 da BR-174, Manaus-Boa Vista, sem imaginar que aquelas terras já tinham “dono”. Todos e todas eram agricultores pobres, unid@s na fé e unid@s no trabalho.
Em 2005 veio se juntar à comunidade um “irmão” que participava dos cultos e das reuniões da comunidade como consta nas atas. Mas em 2008 passou de “irmão” comunitário a grileiro implacável, ostentando um registro cuja cadeia dominial se fundamenta sobre a “grilagem paulista”, dizendo-se “dono” das terras ocupadas pela comunidade.
Como a comunidade resistia conseguiu em abril de 2011 uma liminar de despejo do Juiz da comarca vizinha, Rio Preto da Eva. No dia 2 de junho de 2011 o mesmo juiz tentou executar intempestivamente a liminar, expulsando a comunidade e destruindo as suas casas. Numa inversão de
valores, defendeu a tese de que os agricultores são invasores da terra e criminosos destruidores da natureza.
Mas a comunidade apelou à Ouvidoria Agrária Nacional que interveio pedindo a suspensão da liminar e convocou uma reunião para sede municipal onde o Ouvidor tentou uma solução com base em documentos que comprovam a quem por direito pertencia terra. Inútil. O juiz manteve a liminar e em março do ano seguinte voltou a ordenar o despejo. Mais uma vez foi impedido. Desta vez pela ação de um grupo, à frente o Vereador do PT, Miguel Leopoldo.
Neste meio tempo a Universidade Federal do Amazonas fez um estudo sobre a cadeia dominial das terras do Município de Presidente Figueiredo, com foco especial naquela comunidade Terra Santa.
Constatou pelo menos 5 razões que fundamentam a nulidade dos registros da “grilagem paulista”: 1) foram concedidos sobre terras indígenas, tendo-lhes sido, por isso, negada a “certidão negativa” pelo então presidente da FUNAI, Gal. Oscar G. Bandeira de Mello em 24 de fevereiro de 1971. 2) O Decreto No. 1.127 de 22-04-68 do mesmo Governador que concedeu os Títulos aos “paulistas” proibia qualquer forma de utilização das terras devolutas situadas ao longo das BRs 319 e 174, em uma profundidade de 30 quilômetros. A Terra Santa fica a 6 quilômetros da BR-174. 3) A família paulista Vergueiro, dona do lote em questão, foi beneficiada com pelo menos 6 títulos de 3 mil ha formado de duas áreas contínuas. No entanto, a Constituição de 1967, Art.164, proibia a alienação de terras públicas com área superior a 3.000 ha. 4) Não foi feita demarcação física dos lotes em questão. 5) além de tudo isto a Lei de Terras do Estado do Amazonas (Lei No. 89, de 31-12-1959) estabelecia que devem ser consideradas terras devolutas as que após alienadas do patrimônio do Estado não tenham seus proprietários cumprido qualquer uma das cláusulas pelas quais se obrigam no ato da compra. Ora, entre a expulsão ou assassinato dos índios Waimiri-Atroari e a chegada dos agricultores que criaram a comunidade Terra Santa em 1999, não ocorreu nenhuma atividade agrícola ou pecuária naquela área.
Mesmo assim o juiz não retirou a sua liminar e vingativamente mandou destruir apenas as casas das principais lideranças da comunidade, incluindo a de seu presidente, Valdomiro Machado.
No mesmo período um grupo de funcionários do IPAAM fez uma vistoria na fazenda e constatou com fotos, crimes ambientais e agressões aos comunitários por parte do fazendeiro, desde a construção de portão para controle da comunidade em plena via pública, queimadas de grande extensão, sem autorização e até a apreensão, na carreta do fazendeiro, de uma anta abatida. Apesar da denúncia nenhuma providencia foi tomada pela direção do IPAAM, do IBAMA e da SEMMA para coibir os abusos de quem pedia a remoção da comunidade por “crime ambiental”.
Ao contrario, o diretor do IPAAM concedeu ao grileiro no dia 16 de dezembro de 2013 autorização para exploração florestal “com um volume de 6.907,0404 metros cúbicos”.
Este Diretor do IPAAM-Instituto do Patrimônio Ambiental do Amazonas que assim promove a destruição da floresta e agride uma comunidade que apenas abriu um espaço para garantir sua subsistência, deveria estar na prisão. Entretanto – pasmem! - o mesmo foi promovido a Secretário do meio ambiente do Estado do Amazonas em uma clara agressão à razão humana.
Como diz o Papa Francisco: “É a forma como o ser humano se organiza para alimentar todos os vícios autodestrutivos: tenta não vê-los, luta para não reconhecê-los, adia as decisões importantes, age como se nada tivesse acontecido.”(L.S. 59)
E parafraseando as palavras de Cristo: Ai de vós escribas e fariseus que assim perseguis os pobres e fingis cuidar do meu ambiente e da Natureza que criei para o bem-estar da humanidade, ai de vós escribas e fariseus que fingis fazer a reforma Agrária neste país e colocais uma latifundiária para faze-la!
Presidente Figueiredo, dia 18 de agosto de 2015
Egydio Schwade
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